quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

2011

Caros leitores, desejamos uma excelente passagem de ano!
Que 2011 venha a ser um ano repleto de realizações!
Força, fé e coragem para alcançar nossas pretensões!
Nossas postagens continuarão, e aguardem as novidades para 2011!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

IMPEACHMENT DE FERNANDO COLLOR DE MELLO E OUTRAS PECULIARIDADES.

ENTENDENDO A RESPONSABILIZAÇÃO DO CHEFE DE GOVERNO:

Pretendemos demonstrar com esse tema, qual tem sido a interpretação dos artigos da CF referentes à responsabilização política e criminal afetas ao Chefe de Governo.
Para tanto, utilizaremos o conhecido caso do ex-presidente da república Fernando Collor de Mello como exemplo ilustrativo, bem como de outros casos práticos julgados pelo STF.
Comecemos pelo crime de responsabilidade, também intitulado como crime político.
Partiremos da seguinte premissa: Somente se for julgada procedente a acusação por crime político (crimes de responsabilidade) é que o PRESIDENTE DA REPÚBLICA perde seu cargo.
Dessume-se tal afirmação do teor estabelecido no art. 85 da CF, que diz: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.”.

A primeira observação que se apresenta óbvia é que tal artigo não contém a tipificação do crime de responsabilidade. Ele somente delineia a moldura, dentro da qual o legislador vai estar.
Em relação ao Presidente da República, a Lei em vigor é a Lei 1.079/50. Mas é interessante porque houve uma discussão a propósito da eventual revogação dessa Lei exatamente quando do pedido de impeachment do ex-presidente da república Fernando Collor.
Mas qual foi a tese elaborada pelo advogado de Collor?
Foi uma tese muito sedutora, mas que o STF rechaçou.
Tal tese dizia o seguinte: não existe repristinação tácita de lei, e sendo a Lei 1.079 promulgada e publicada em 1950, e, tendo em vista que em 1962 (12 anos depois), o Brasil mudava de regime político do presidencialismo para o parlamentarismo (A título de curiosidade, durante um ano -1962 a 1963 tivemos o regime parlamentarista no Brasil, isso ocorreu porque, o então presidente Jânio renunciou e os militares se recusavam a dar o poder a João Goulart. Desse modo, foi aprovada as pressas uma emenda constitucional introduzindo o parlamentarismo no Brasil. Mas depois, houve um referendo sobre essa emenda, onde os cidadãos decidiram que voltasse o regime presidencialista. Todavia, na constituinte de 1988, muita gente culpava o presidencialismo pelas mazelas brasileiras, pelas instabilidades. Destarte, houve um movimento pró-parlamentarismo. Vale notar que, no começo da constituinte de 1988, a força parlamentarista estava prevalecendo. Só que durante a constituinte, se alterou o equilíbrio de forças, no que acabou prevalecendo o presidencialismo no governo (foi aprovado e mantido o presidencialismo). Mas, em vista da forte discussão envolvendo os dois regimes, se resolveu postergar uma decisão definitiva para cinco anos depois da promulgação da Constituição de 1988, em vista da previsão do art. 2º do ADCT. Contudo, mais uma vez, por um quorum de mais de 70%, o povo brasileiro decidiu por referendo manter o regime presidencialista.).

Tendo em vista o formato do regime parlamentarista, e em tal não haver crime de responsabilidade do executivo. O Brasil parlamentarismo (1962), tornou, letra morta a Lei 1.079/1950, que em princípio, deixou de vigorar (foi revogada). Todavia, como estabelecido no contexto histórico, em 1963, o Brasil voltou a adotar o regime presidencialista. Desse modo, e tendo em vista esses aspectos temporais, sedimenta-se a tese defensiva de Fernando Collor de que, não há repristinação tácita e nullum crimem nulla poena sine lege. Sendo assim, não haveria Lei justificando (tipificando) crime de responsabilidade.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que em tal caso realmente não haveria repristinação tácita, mas o caso em tela, não tratava-se de repristinação ou não de lei, mas sim o fato de que, quando a emenda constitucional voltou atrás em 1963, adotando novamente o regime presidencialista, toda a legislação do presidencialismo também teria voltado a vigorar e, entre ela, está a lei 1.079/50 que tipifica os crimes de responsabilidade do presidente da república, sob pena de uma anomia jurídica, fato repugnado pelo Ordenamento Jurídico.
Superado a crise da validade e eficácia da Lei 1.079/50, como funciona o devido processo legal de impecheachment?
Estamos aqui com um caso, para alguns doutrinadores, de um exemplo de “ação penal popular”. Isso porque, qualquer cidadão pode deflagrar tal ação contra o Presidente da República.
Impetrada tal ação, ela vai ser apresentar na Câmara dos Deputados. Lá, o Presidente da Câmara pode arquivar liminarmente. Isso não está na Constituição (está no regimento interno). Contra essa decisão que arquiva liminarmente, cabe recurso para o Plenário. Todavia, se ele não arquivar liminarmente, não significa que o processo será iniciado na Câmara. Na verdade, tal ato do presidente da Câmara é uma condição de procedibilidade. Isso porque, o processo tramitará no Senado.
Todavia, o STF entendeu que já nessa fase, valeria o devido processo legal e, portanto, o direito a produzir provas. Não importa o fato de se ter ou não iniciado realmente o processo (tese da distribuição ou recebimento da exordial), contudo, tais provas terão que ser repetidas igualmente no Senado.
Então, o Presidente da República tem o direito de fazer perícia, realizar diligência, ouvir testemunha, realizar acareações, etc., na Câmara. Registra-se que, nessa fase, o Presidente da República ainda estará governando.
Vale reforçar que, a Câmara irá deliberar sobre a instauração ou não do processo. A Constituição diz que essa deliberação se dá pelo quorum qualificado de 2/3. (art. 86 da CF: “Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.”).
Destarte, a Câmara autorizando a instauração do processo, tal será instaurado no Senado (por isso tratar-se de uma condição de procedibilidade da ação).

No Senado, os senadores são os “juízes”, todavia quem conduzirá o processo será o Presidente do STF. Aliás, no momento em que o Senado instaurar o processo, o Presidente da República será afastado do exercício da suas funções (o prazo de afastamento é de 180 dias para concluir o julgamento, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo - art. 86, parágrafo 1º, II e parágrafo 2º da CF).
Voltando ao tema FERNANDO COLLOR, foi exatamente nessa fase que o STF interveio muito ativamente - ativismo judiciário, justamente examinando a compatibilidade das normas procedimentais de contraditório e de ampla defesa que devem ser atendidas pelo devido processo legal de impeachment. Aliás, em alguns casos, os prazos processuais eram pequenos, e em vista disso, o Supremo ampliou-os (princípio da razoabilidade e princípio adequação - adaptabilidade do procedimento). Fato esse que foi alvo de critica no sentido de dizer que o STF estaria sendo uma espécie de legislador positivo, já que marcava prazo diferente daquele que estaria previsto na legislação.
Aproveitando o ensejo, pergunta-se: Qual é o limite do controle jurisdicional sobre o processo de impeachment?
Várias teses são defendidas. Desde a tese que diz que não há controle jurisdicional nenhum, tendo em vista tratar-se de um processo político e, por isso, as decisões do Senado e da Câmara são soberanas, não pode o judiciário intervir. Até aqueles que advogam pelo controle jurisdicional pleno, defendendo que seria uma matéria afeta aos direitos fundamentais e que no Brasil há a inafastabilidade do controle jurisdicional.
O Supremo ficou com a posição intermediária no caso Fernando Collor. Eles disseram que podiam controlar o procedimento, o respeito ao devido processo legal e até analisar questões atinentes a pressupostos processuais, como por exemplo, a subsistência de tipo penal em vista da vigência ou não da Lei 1.079/50 – justa causa para ação penal.
Todavia, reforça-se que o Supremo não poderia julgar o mérito da decisão, seja a da Câmara que autoriza a instauração do processo, seja do Senado que condenasse ou absolvesse.
Dentro desse diagrama processual, uma das questões mais importantes suscitadas no processo envolvendo Fernando Collor foi o seguinte: uma das conseqüências da condenação por crime de responsabilidade é não só a perda do mandato (impeachement), mas também a inabilitação para o exercício de função pública, conforme determinação estabelecida no parágrafo único do art. 52 da CF, que diz: "Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis".
No caso do julgamento de Fernando Collor, ele renunciou ao cargo de Presidente para assim formar sua tese defensiva, qual seja, a de justamente não atingir a finalidade da, para ele, principal pena do processo de crime de responsabilidade, que outra não seria senão a perda do cargo, ou seja, seu impeachment.
Então, se Collor renunciasse ao cargo, não daria mais para aplicar a perda deste. Logo, o julgamento dar-se-ai por encerrado.
Desse modo, Collor fugiria da condenação da perda do cargo de presidente da republica federativa brasileira (impeachment), bem como da outra conseqüência da condenação que é a inabilitação para o exercício de função pública por oito anos. Podendo, inclusive, concorrer nas próximas eleições.
Contudo, o que aconteceu?
Collor realmente renunciou na sessão do Senado, e a este órgão ficaria a incumbência se se iria ou não encerrar o processo ali, onde decidiram que não iriam encerrar o processo ali, uma vez que, não haveria uma condenação principal e outra acessória. Na verdade as duas condenações seriam principais porque previstas na Constituição Federal como decorrentes dos fatos.
Desse modo, a renúncia inviabilizaria a aplicação da sanção de perda do cargo (do impeachment formal), mas não da outra sanção (inabilitação para o exercício de função pública por oito anos).
Contudo, mais uma vez entrava em cena o advogado de Fernando Collor que impugnou o ato do Senado de continuar o julgamento processo. Para tanto, a defesa de Collor utilizou-se de mandado de segurança.
E o que aconteceu?
Na época, o ministro Marco Aurélio de “Mello” não votava, porque era primo de Collor, logo, estava impedido. De outro lado, o Ministro Francisco Resek, como tinha sido Ministro das Relações Exteriores no governo de Collor, também se deu por impedido. Por fim, estava impedido também o Presidente do STF (ministro Moreira Alves) porque estava sendo o condutor do processo impugnado no Senado. Sendo assim, dos onze ministros, ficaram apenas oito ministros votantes. Onde, quatro votaram pela concessão do mandado de segurança e quatro votaram pela denegação.
Diante desse cenário indeterminado, a primeira coisa que o STF teria que decidir era como resolver o empate de quatro a quatro.
Uma tese colocada seria a aplicação analógica da regra do HC, onde tal regra determinava que, se der empate, a decisão é pela concessão.
Todavia, o STF decidiu que não deveria aplicar tal regra, mas sim convocar três ministros mais antigos do STJ para desempatar.
Esses três ministros foram convocados e os três votaram pela manutenção da decisão do Senado em prosseguir o julgamento.
Continuando o julgamento, o Senado condenou Fernando Collor, aplicando-lhe a sanção de inabilitação para o exercício de função público por 8 anos (já que Collor já havia renunciado ao cargo de presidente).
Por outro lado, como fica a Responsabilidade Penal do Chefe de Estado?
Para responder tal questão, voltemos a enfocar o caso Fernado Collor de Mello. Isso porque, diante dos mesmos fatos demonstrados na ação de responsabilização política do ex-Presidente Fernando Collor, também, contra ele, foi movida uma ação de natureza penal no STF e o STF acabou por absolver Fernando Collor tendo em vista a insuficiência de provas, explicável por tratar-se de processo penal de natureza distinta do processo por responsabilidade (princípio da verdade real).
Tal processo criminal contra Presidente da República segue a seguinte regra:

O Presidente da República responde penalmente pelos seus atos. Todavia, nós temos uma norma peculiar, tendo em vista, consagrar uma espécie de irresponsabilidade penal relativa conforme se conclui da leitura do parágrafo 4º do art. 86 da CF que diz: “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

O que isso quer dizer?
Para responder essa indagação, vamos exemplificar: o então presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva responde criminalmente pelo que ele fizer na condição de Presidente da República. Destarte, não seria possível hoje em dia instaurar uma ação penal contra o Lula, por exemplo, se ele, na qualidade de cidadão, atropelasse uma pessoa na rua.

Mas advirta-se que, esse dispositivo não consagra uma irresponsabilidade de direito material.
Isso não significa que o fato deixou de ser crime.
A ratio da norma é a de dar tranqüilidade para que o Presidente da República não fique preocupado com outras coisas senão aquelas correlatas ao exercício do seu mandato.
Tanto é que, findo o mandato, ele volta a responder integralmente por aqueles fatos.
Vale ressaltar ainda que, embora não exista nenhum dispositivo expresso sobre o tema, há acórdão do STF dizendo que, nesse período, não correrá a prescrição penal.

Outra coisa digna de ressalva é a de que essa é uma garantia única e excepcional, ou seja, só vale para o Presidente da República, não incidindo o princípio da simetria, para estendê-la, por Constituição Estadual, ao governador. Trata-se, portanto, de uma clausula de exceção ao princípio da igualdade, bem como ao princípio republicano.

A título de encerramento, o processamento dessa responsabilização criminal do Presidente da República relacionada aos seus atos funcionais, terá como foro competente o STF. Mas antes da instauração da ação penal, é preciso que a Câmara autorize também pelo quorum de 2/3. (Art. 86 da CF: "Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade") – condição de procedibilidade da ação penal.

Aliás, tivemos mais um caso interessante, envolvendo agora um Chefe de governo estadual, sendo o primeiro acórdão importante da ministra Carmem Lúcia no STF. Tratava-se de uma ação penal contra o governador de Rondônia.
Isso porque, o Art. 86 da CF aplica-se por simetria na esfera Estadual (principio da simetria). Desse modo, para promover a ação penal contra o governador de Rondônia, a Assembléia Legislativa de Rondônia teria que autorizar por 2/3 a instauração da ação.
Só que o contexto em que todos os deputados estaduais encontravam-se, era de encontrarem-se denunciados pelo mesmo fato. Leia-se, seria perguntar para os demais integrantes da “quadrilha” se podia instaurar a ação penal contra o chefe desta “quadrilha”.

Nesse cenário, foi suscitada questão de ordem, e a Ministra Carmen Lucia decidiu que a regra não seria aplicada nesse caso sob pena de se tornar impossível qualquer tipo de ação penal (principio da inafastabilidade do poder judiciário).

Fato interessante porque era uma regra em um caso em que ter-se-ía a plena subsunção a norma constitucional, mas tal regra foi afastada (hipótese de ponderação de regra em vista da realidade fática).

Assim encerramos esse breve estudo acerca da responsabilização dos nossos chefes de estado.

sábado, 30 de outubro de 2010

ILICITUDE DE UMA GRAVAÇÃO CLANDESTINA.

DA ILICITUDE DA PROVA OBTIDA POR MEIO DE UMA GRAVAÇÃO (e não somente interceptação) CLANDESTINA.

Quando alguém mantém alguma espécie de comunicação com outrem, o conteúdo dessa comunicação, em princípio, não diz respeito a quem não seja dela participante, daí porque a ninguém é permitida a sua reprodução, por qualquer meio. A conversa situa-se no âmbito da privacidade e, por vezes, da intimidade, dos interlocutores, assegurado, portanto pela Lei Maior (art. 5º, X).

Nesse passo, as gravações clandestinas (aquelas desconhecidas por um dos interlocutores), data maxima venia, são evidentemente ilegais, razão pela qual, em princípio e como regra, configuram provas obtidas ilicitamente, pelo que serão inadmissíveis no processo (art. 5º, LVI , CF).

Contudo, advirta-se de pronto que, frequentemente encontramos jurisprudência, particularmente do STJ, no sentido de distinguir a gravação clandestina feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, daquela realizada por terceiros (a indigitada interceptação - art. 5º, XII da CF). Afirma-se que apenas estas seriam ilícitas.

Cabe porém alguns esclarecimentos, para que se entenda o que defendemos, leia-se, a inadimissibilidade da prova obtida por gravação, e não somente interceptação, clandestina, vejamos:

Quando um dos interlocutores promove a gravação da conversa sem o conhecimento do outro, a ilicitude não ocorrerá, efetivamente, do fato da gravação. E isso porque o conteúdo da conversa empreendida foi disponibilizado àquele interlocutor; Assim, porque conhecedor do conteúdo, não haveria problema na gravação feita por ele (isso aliás, é o que diferencia a ilicitude apriorística da interceptação clandestina, uma vez que, nesta, um terceiro "grava" a conversa dos interlocutores, sem o conhecimento destes - ilicitude da gravação e do conteúdo, por isso o rigor do art. 5º, XII da CF e seu regulamento na Lei 9.296/96 - Lei de interceptação telefônica.).

Denota-se assim que, no caso da gravação clandestina, a revelação daquele conteúdo poderá, em tese, afetar o direito à intimidade daquele interlocutor que desconhece a gravação. Nesse caso, embora lícita a gravação, a revelação de seu conteúdo poderia não sê-lo, afinal, o que ali teria sido dito se destinava somente aos interlocutores e a mais ninguém, pois realizada no âmbito da intimidade deles.

Portanto, no caso específico da gravação clandestina, o que irá determinar a ilicitude da prova não é o fato de ter sido realizada por "alguém" (terceiro ou por um dos interlocutores). Ao contrário, será o conteúdo então revelado que poderá afetar a intimidade do interlocutor que desconhece a gravação.

Evidentemente que, como já dito acima, a "gravação" clandestina feita por terceiros já é, ela mesma, ilícita, tendo em vista tratar-se de uma "interceptação" clandestina afrontosa à determinação do artigo 5º, XII da CF.

A título de encerramento, posto a situação dramática do direito constitucional à intimidade; outra situação, de igual ou quiçá, maior valor, também assegurada em bom tom pela Lei maior, ganha relevo, qual seja: o direito de não auto incriminar-se (direito ao silêncio) – principio do nemo tenetur se detegere – art. 5º,LXIII, CF. E o raciocínio a ser desenvolvido é o seguinte:

Se por exemplo, um dos interlocutores conseguisse gravar a confissão de um crime (diga-se, não sendo situação flagrancial ou qualquer outra justificadora da licitude de tal gravação– ex. estado de necessidade de um co-autor do crime), mesmo que tal situação seja louvável (posto sobre os olhos da ineficiência probatória investigativa do Estado), haveria violação do direito ao silêncio, porque a gravação teria obtido uma confissão extrajudicial, sem as exigências legais do Código de Processo Penal, inadmissíveis portanto ao processo (nesse sentido STF – HC nº. 69.818/SP).

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

ANÁLISE DA LEI DE TORTURA ENFOCADA NO INQUÉRITO POLICIAL E NA AÇÃO PENAL.

TORTURA NO INQUÉRITO POLICIAL E NA AÇÃO PENAL E SUAS CONSEQUENCIAS JURÍDICAS.

O QUE PRETENDEMOS DEMONSTRAR:

A submissão do indiciado a um inquérito policial e do acusado a um processo criminal inevitavelmente implica na realização de atos de polícia judiciária e de atos judiciais que muitas vezes causam constrangimento. Quando praticados dentro da legalidade o indivíduo a eles submetido esta contribuindo e cumprindo com a sua participação no Estado Democrático de Direito. Todavia, quando a pratica dos atos de policia judiciária ou judicial tangenciam a ilegalidade, dependendo do elemento subjetivo do agente que praticou a conduta poderá incidir a Lei de tortura.

1. INTRODUÇÃO:

Tortura
é o suplício, o tormento capaz de causar dor, angústia, aflição, medo e stress, no indivíduo a ela submetido. Pode ser impingida tanto física como moralmente. Os métodos empregados são vários. A própria submissão do indivíduo a um inquérito policial ou a um processo penal, dependendo de sua condição social, cultural ou religiosa, já é um meio capaz de torturá-lo moral ou psicologicamente. Obviamente, a instauração de Inquérito Policial ou de Ação Penal, quando presente a justa causa, tem amparo na lei não constituindo conduta típica.

A propósito da tortura que o processo causa são oportunas as observações tiradas de Carnelutti:
“O homem, quando suspeito de um delito, é jogado às feras. A fera, a indomável e insaciável fera, é a multidão. O artigo da Constituição, que se ilude em garantir a incolumidade do acusado, é praticamente inconciliável com aquele outro que sanciona a liberdade de imprensa. Logo surge o suspeito, o acusado, a sua família a sua casa, o seu trabalho são inquiridos, investigados, despidos na presença de todos. O indivíduo, assim, é feito em pedaços” .

O avanço cientifico, mormente da Medicina Legal e da Criminalística trouxe para a investigação criminal significativa contribuição não ostentando mais o entendimento do caráter absoluto da confissão, perdeu ela há muito o status de “rainha das provas". Enganam-se aqueles que a vêem como o coroamento da investigação. Os que assim pensam, na verdade o que querem é buscar um atalho, um caminho mais curto, uma resposta imediata já que muitas vezes a busca de vestígios e a coleta de materiais existentes no corpo de delito e o respectivo exame científico além de trabalhoso demanda muito tempo.

2. ORDENAMENTO JURÍDICO:

O art. 5º, inciso III, da Constituição Federal, estabelece que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” e no inciso XLIII, do mesmo dispositivo, equiparou a prática da tortura aos crimes hediondos, considerando-a como crime inafiançável e insuscetível de graça e anistia.

Vale notar que, não existia tipificação para o crime de tortura, somente quase dez anos após advento da Lei Maior de 1988 é que foi sancionada a lei nº. 9.455, de 07.04.1997, tipificando o crime de tortura.
Antes da Lei 9.455/97 a primeira lei que tipificou a tortura foi o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, no artigo 233. A lei nº. 9.455/97, no art. 4º revogou expressamente o art. 233 do ECA. Apesar de revogado o artigo, não foi abolido o crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que o fato nele previsto passou a ser definido ou no inc. II do art. 1º ou em seu § 1º, com aumento de pena de um sexto até um terço conforme preconiza o § 4º, inciso II.
Aliás, a Lei Maior, ao dar tratamento severo à prática de tortura, encontra-se em plena sintonia com os Tratados Internacionais de países humanistas.

2.1 CONDUTAS TÍPICAS:

No inciso I, do art. 1º da Lei de Tortura temos como condutas típicas, o constrangimento de alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico e mental. Exige, portanto, o dispositivo, que além do constrangimento feito através de violência ou grave ameaça que do mesmo resulte sofrimento físico e mental. Nas alíneas “a” e “b” requer dolo específico, ou seja, a conduta busca uma finalidade: na alínea “a”, obtenção de informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa e na alínea “b”, a violência ou a grave ameaça torturadoras é para provocar no sujeito passivo uma ação ou uma omissão de natureza criminosa. O tipo penal em comento não requer nenhuma qualidade especial do sujeito ativo, portanto, trata-se de crime comum que pode ser cometido por qualquer pessoa.
Nas duas alíneas em comento, não exige a lei para a consumação do delito que o objetivo visado pelo agente seja alcançado. Caso consiga seu intento ocorre o exaurimento do delito que deverá ser levado em consideração por ocasião da dosimetria da pena. Na alínea “c”, a tortura empregada não busca uma finalidade, visa tão somente punir a discriminação racial ou religiosa do agente.
Exemplo da espécie de tortura prova: Policial que tortura alguém para que confesse a prática de um crime. Exemplo de tortura para ação criminosa: réu que tortura uma testemunha presencial para mentir em juízo (responderá pelo crime de falso testemunho). Exemplo da espécie de tortura preconceito: há prática da tortura pelo agente para simplesmente discriminar uma pessoa em razão da sua raça ou religião.
Observação: O crime de tortura do inciso I se consuma no momento em que há configuração da causa sofrimento físico ou mental, independentemente do resultado alcançado com a prática do delito.

E se a pessoa for torturada para que venha a praticar uma contravenção penal? Se a pessoa for torturada para praticar uma contravenção (no caso da alínea b) prevalece entendimento que não basta tal situação para se encaixar no inciso I, “b”, tem de visar a prática de um crime. Podendo em tese configurar o crime previsto no artigo 146 do Código Penal (constrangimento ilegal) em concurso com a contravenção penal.

E se a vítima torturada não resiste e mente em juízo, praticará o crime de falso testemunho? Há configuração da coação moral irresistível é causa de inexigibilidade de conduta diversa. O delito não se mostra completo, por não haver o elemento da culpabilidade preenchido.

E o torturador responderá por qual crime? O agente do crime de tortura responderá por dois crimes: crime de tortura mais crime praticado pelo torturado na condição de autor mediato em concurso formal. Causando sofrimento físico ou mental já responderá pelo crime tortura, e se, o torturado vier a praticar o crime que era almejado, responderá também por ele na condição de autor mediato.

Observação: No caso da tortura discriminação só há o crime se a tortura for praticada em razão de discriminação racial ou religiosa. Questão sexual não configura discriminação necessária para que haja a configuração do crime de tortura, bem como não é abrangida a discriminação econômica ou social. Estes casos não configuram crime de tortura. Nestes casos, os agentes que agem com violência ou grave ameaça, movidos por estas razões, respondem por outro crime, a exemplo da lesão corporal.

No inciso II, a lei requer do sujeito ativo qualidade especial. É preciso que o agente tenha a guarda, poder ou autoridade sobre a vítima. Portanto, se não estiver presente uma das condições indicadas na lei o fato é atípico. Ao contrário do inciso I, a lei exige que a violência ou a grave ameaça, cause intenso sofrimento físico ou mental e deve ser empregada como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo, portanto, requer do agente dolo específico. Tal tipo penal é conhecido como tortura castigo.
Exemplos de tortura castigo: uma babá que bate em uma criança porque ela fez xixi na roupa; Enfermeira que castiga idosa por fazer suas necessidades na roupa; Polícia militar na cidade de Diadema parando e interceptando pessoas na rua e posteriormente as castigando, utilizando esta conduta violenta como medida de caráter preventivo.
Dessa feita, na hipótese de configuração da tortura castigo prevista no art. 1º, inciso II é importante que tenha a conduta torturante causado na vítima torturada um INTENSO sofrimento físico ou mental.
Deve-se comprovar esta intensidade do sofrimento físico ou mental que foi causado à vítima, pois se ele não estiver presente, a conduta será enquadrada no crime de maus-tratos (previsão no artigo 136 do CP), que é justamente a diferença entre a tortura e o crime de maus-tratos, ou seja, a intensidade do sofrimento da vítima.
Pergunta-se: Quando o parágrafo 1º menciona a expressão “Submeter pessoa presa” são englobadas quais pessoas neste conceito? A doutrina entende que a expressão deverá ser abrangente, entendendo como “pessoa presa”:

1. Preso definitivo e o preso provisório (seja em prisão penal ou extrapenal - prisão civil de devedor de alimentos, por exemplo).

2. O menor infrator internado na Fundação CASA (ex-FEBEM).

O mencionado “sujeito à medida de segurança” é o inimputável que se encontra em sistema de internação ou tratamento ambulatorial.

Aliás, esta tortura praticada sem qualquer finalidade infringe o disposto no art. 5º, XLIX da CF:
Art. 5º, CF
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Exemplo: um carcereiro tortura um preso; deve-se analisar qual foi a finalidade com a prática deste crime, se foi utilizada simplesmente para tortura, se foi para provocar castigo, etc.

ANÁLISE DE ALGUMAS SITUAÇÕES HIPOTÉTICAS:

1) Oficiais do exército, aplicando trote nos recrutas, jogaram água nestes e lhes deram chineladas, entre outras condutas. Tal conduta é considerada como crime de tortura?

Por mais que exista a configuração da violência ou da própria tortura psicológica, se assim for entendido, não há enquadramento da conduta com o inciso I, pois tal prática não é cercada por nenhuma das finalidades requeridas pelo inciso.
No caso do inciso II deverá haver intenso sofrimento físico ou mental da vítima, e mesmo havendo tal sofrimento por um dos recrutas, não houve a finalidade alcançada do tipo, pois não foi a prática considerada como um castigo, mas sim como uma homenagem.
O §1º também não pode ser utilizado nesta hipótese, pois não eram as vítimas presas e nem sujeitas à medida de segurança.

2) A conduta da mãe que deixa a filha presa em casa, algemada, e com a língua grampeada é considerada como crime de tortura?

Não se enquadra tal conduta no inciso I, do art. 1º, lei 9455/1997 pois não configura-se qualquer das finalidades que são exigidas.
Também a filha não era presa nem sujeita a medida de segurança, portanto não se encaixa tal conduta no §1º, art. 1º, igualmente.
Poderá tratar-se do enquadramento da conduta da mãe no inciso II, art. 1º, lei 9455/1997, se ficar apurado que tais atos foram cometidos com a finalidade de aplicação de um castigo na filha. Se não ficar apurada esta finalidade precípua na conduta da agente, ela poderá responder apenas pelo crime de maus-tratos, de lesão corporal, etc.
CONTINUANDO A ANÁLISE DAS CONDUTAS TÍPICAS:

No § 2º do art. 1º, a lei prevê a punição daquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apura-las.
Destarte passando em revista o regramento do §2º do artigo 1º da lei 9455/1997 percebemos que em seu bojo, dois comportamentos omissivos são verificados, vejamos:

a) Omissão imprópria quando tinha o agente o dever de evitar;

O sujeito ativo desta espécie de omissão é o garante ou o garantidor, aquele que tem o dever de evitar a prática do crime. Exemplos: pai ou mãe que tem o dever de evitar tortura em face dos filhos; Delegado que tem o dever de evitar que seja praticada a tortura na delegacia; dever dos professores quanto aos seus alunos; dever dos médicos quanto aos seus pacientes; etc.
O sujeito passivo é o ofendido que poderá ser qualquer pessoa.

Este parágrafo sobre a omissão era necessário? Não. E pior que isto, estabeleceu-se com a edição deste parágrafo a mudança das penas para o torturador e para o garante que se omite em relação ao crime daquele que pratica comissivamente a tortura; ao passo que a Constituição Federal estabelece que o omitente deverá responder do mesmo modo que o torturador (Art. 5º, XLIII, CF).

Art. 5º, CF
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

O que fazer diante deste conflito da norma do art. 1º, §2º, lei 9455/1997 e o mandamento constitucional do art. 5º, XLIII, CF? Existem três correntes que estabelecem entendimentos para como lidar com este equívoco do legislador infraconstitucional:

1ª corrente
Entende esta corrente que a disposição do art. 1º, §2º é uma exceção prevista em lei e que deverá ser respeitada. É uma exceção pluralista à teoria monista. Este é o entendimento que prevalece.

2ª corrente
Esta parte do §2º é inconstitucional, pois o Juiz tem que ignorar a pena para o garante disposta em 01 a 04 anos de detenção e aplicar a pena de 02 a 08 anos de reclusão, seguindo o mandamento constitucional de aplicação da mesma pena para todos os envolvidos nos crimes hediondos equiparados.

3ª corrente
Trata-se, neste caso, de uma omissão culposa, pois se fosse uma omissão dolosa ele irá responder pela mesma pena do autor. Esta é a posição mais atécnica da doutrina, pois o crime culposo deve ser sempre expresso. E não há qualquer menção da omissão do garante em ser dolosa ou culposa.

Exemplo: um Delegado de plantão, percebendo que o sujeito está sendo levado para uma sala pelos investigadores, e concluindo que lá será torturado, neste momento nada faz. Configura-se o crime de tortura por omissão imprópria. Os investigadores responderão pela ação na prática do crime de tortura (com a pena cominada de 02 a 08 anos) e o Delegado responderá com pena de 01 a 04 anos de reclusão, por ter deixado de evitar que a tortura fosse realizada.

b) Omissão própria quando tinha o agente o dever de apurar.

Neste caso da omissão existe o dever de apurar a prática do crime, ou seja, se a tortura já aconteceu. Neste caso a pena menor se justifica. O sujeito ativo é a autoridade que possui o dever de apurar (crime próprio) e o sujeito passivo poderá ser qualquer pessoa.

Exemplo: Se réu confessa na Delegacia a prática de um crime e frente ao Juiz diz que somente confessou porque foi torturado, o membro do Ministério Público é obrigado a encaminhar a questão para Corregedoria da Polícia, sob pena de responder por tortura na modalidade de omissão própria, por deixar de apurar o crime de tortura (já que possuía o dever de apurá-lo).

Por seu turno, o § 3º prevê resultado além do dolo, nestes termos: Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
Trata-se de previsão da possibilidade de tortura dolosa com resultado de lesão corporal de natureza grave ou gravíssima ou morte, atribuído ao agente a título de culpa. Ou seja, é a figura do crime preterdoloso, ou no dizer dos italianos, preterintencionale.
A seu respeito, é oportuna a lição de NORONHA: “Consequentemente, no crime preterdoloso, há dolo no antecedente (minus delictum) e culpa no conseqüente (majus delictum). Há culpa porque há previsibilidade do efeito mais grave e é nisso que se funda a responsabilidade do agente” .

Pergunta: Esta espécie de qualificadora qualifica todos os crimes de tortura inclusive a tortura omissão (§2º)?

1ª corrente
Professor Rogério Sanches entende que qualifica no caso de tortura por omissão imprópria, no caso de quem tinha o dever de evitar, uma vez que na tortura por omissão própria, apenas se omitiu do dever de apurar, a tortura já teria ocorrido.
2ª corrente
O entendimento que prevalece é de que este parágrafo 3º somente qualifica a tortura por ação daquele que a pratica, não atingindo a tortura por omissão.

Obviamente, se existiu dolo de homicídio a pena a ser imposta é do homicídio qualificado previsto no art. 121, § 2º, III, do Código Penal, com pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão, tornando-se fato atípico para crime de tortura.

2.2 PENA E SEUS EFEITOS:

O § 4º prevê aumento de pena de um sexto até um terço nas seguintes situações: se o crime é cometido por agente público; se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos ou se o crime é cometido mediante seqüestro.
Quem é considerado como agente público? A maioria da doutrina conceitua “agente público” nos termos do art. 327 do CP, equiparando ao conceito de funcionário público para fins penais, ou seja, agente público é aquele que exerce cargo, função ou emprego público, ainda que transitoriamente ou sem remuneração. A maioria abrange o funcionário equiparado do §1º do mesmo artigo.

Observação: Alberto Silva Franco estabelece que se a característica do “agente público” já é uma elementar do tipo não poderá ser aumentada a pena pelo fato de ser funcionário público, como modo de evitar-se o bis in idem.
Porém, Guilherme de Souza Nucci considera a aplicação este aumento mesmo nos crimes especiais que falam sobre guarda, autoridade, etc., pois eles não se referem apenas a funcionário público; não são deste modo, crimes próprios de funcionários públicos, podendo ser praticados por pais, tutores, entre outras autoridades que não se encaixam no conceito de funcionário público, etc. Segundo ele não há bis in idem, pois não existe o tipo penal específico para o funcionário público.

Quem é considerada como criança? O conceito é dado pelo ECA, será considerada como criança a pessoa que tiver 12 anos incompletos. O adolescente é a pessoa com até 18 anos incompletos.

Para saber se é ou não a vítima uma portadora de deficiência deve-se analisar a lei dos portadores de deficiência; é nesta lei que se estabelece se determinada circunstância é entendida ou não como deficiência.

O Idoso deverá possuir mais de 60 anos de idade, pois no dia de seu aniversário ela já é considerada idosa, mas a majorante só é aplicada para maior de 60 anos.

Observação: para se evitar a responsabilidade penal objetiva o torturador tem que saber que a vítima torturada é gestante, portadora de deficiência, maior de 60, criança, adolescente, etc.

Ademais, também haverá o aumento da pena se o crime é cometido mediante seqüestro. Oportuno assim advertir que, apesar do silêncio da lei, também abrange esta causa de aumento a tortura praticada em cárcere privado, que nada mais é que um sequestro com confinamento.

Ainda mais, a Lei não descuidou da previsão de efeitos civis da condenação no crime de tortura, estabelecendo, no § 5º, como efeitos civis da condenação a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para o seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Além desses efeitos, a condenação criminal torna certa a obrigação de reparar os danos materiais e morais causados pelo crime (art. 91, inciso I, do Código Penal). Tratam-se, de efeitos automáticos, não sendo necessário que o juiz os declare na sentença.
Em sendo o agente funcionário público responderá por infração administrativa prevista no respectivo estatuto ou em regulamento disciplinar, caso seja militar.

Em sendo assim, a indagação a ser feita é se este efeito previsto no §5º é automático ou não? Leia-se: Precisando ser fundamentado na sentença?
Para responder tal indagação, devemos rememorar que o art. 92, p. único do CP estabelece que em geral, os efeitos da sentença não são automáticos e deverão ser declarados na audiência. Destarte, formaram-se as seguintes posições:

1ª corrente
Como na lei de tortura não existe nenhuma disposição específica dizendo que dependerá o efeito disposto no §5º de decisão motivada do Juiz. Prevalece o entendimento no STJ que, na lei de tortura, o efeito da condenação é automático, diferentemente do que é disposto no Código Penal.
HABEAS CORPUS. LEI N.º 9.455/97. CONDENAÇÃO POR CRIME DE TORTURA.
PERDA DO CARGO PÚBLICO. IMPOSIÇÃO PREVISTA NO § 5º, DO ART. 1º, DA REFERIDA LEI. EFEITO AUTOMÁTICO E OBRIGATÓRIO DA CONDENAÇÃO. DESNECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. PRECEDENTE DESTA CORTE. 1. Ao contrário do disposto no art. 92, I, do Código Penal, que exige sejam externados os motivos para a decretação da perda do cargo, função ou emprego público, a Lei n.º 9.455/97, em seu § 5º, do art. 1º, prevê como efeito extrapenal automático e obrigatório da sentença condenatória, a referida penalidade de perda do cargo, função ou emprego público. Precedente do STJ. 2. Ordem denegada.
(HC 92247/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJ 07/02/2008 p. 1)

2ª corrente
Há doutrina que entende que este efeito automático não se aplica à condenação do crime de tortura omissão. Inclusive professor Rogério Sanches possui entendimento de que não se aplica a condenação aos efeitos do §5º automaticamente ao crime de tortura de omissão própria (daquele que deveria investigar o crime), apenas, mas o crime de tortura de omissão imprópria (daquele que está em posição de garantidor ou garante), sim.

Cumpre ressaltar ainda que, em obediência ao mandamento constitucional de criminalização do art. 5º XLII, o § 6º veda ao crime de tortura a prestação de fiança e a possibilidade da extinção da punibilidade pela graça ou anistia.
A graça é forma de indulgência soberana concedida por decreto do Presidente da República. Trata-se de indulto individual previsto dentre as atribuições do Presidente da República no art. 84, inciso XII, da Constituição Federal, já a anistia se refere a fatos políticos e é concedida pelo Congresso Nacional através de Lei, com sanção do Presidente da República, consoante art. 48, inciso VIII, da Magna Carta.

Por conta desta impossibilidade de concessão da fiança estaria vedado igualmente o benefício da liberdade provisória?

1ª corrente
Esta primeira corrente estabelece que a vedação da liberdade provisória está implícita na característica da inafiançabilidade do crime de tortura (HC 93940 – STF).
EMENTA: HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. CRIME HEDIONDO. LIBERDADE PROVISÓRIA. INADMISSIBILIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. DELITOS INAFIANÇÁVEIS. ART. 5º, XLIII E LXVI, DA CF. SENTENÇA DE PRONÚNCIA ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA. EVENTUAL NULIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE SUPERADA. PRECEDENTES DO STF. I - A vedação à liberdade provisória para crimes hediondos e assemelhados que provém da própria Constituição, a qual prevê a sua inafiançabilidade (art. 5º, XLIII e XLIV). II - Inconstitucional seria a legislação ordinária que viesse a conceder liberdade provisória a delitos com relação aos quais a Carta Magna veda a concessão de fiança. III - Decisão monocrática que não apenas menciona a fuga do réu após a prática do homicídio, como também denega a liberdade provisória por tratar-se de crime hediondo. IV - Pronúncia que constitui novo título para a segregação processual, superando eventual nulidade da prisão em flagrante. V - Ordem denegada.
(HC 93940, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 06/05/2008, DJe-102 DIVULG 05-06-2008 PUBLIC 06-06-2008 EMENT VOL-02322-01 PP-00070)

2ª corrente
Esta segunda corrente estabelece que a inafiançabilidade não impede a concessão da liberdade provisória, sendo que quem deve avaliar se tal característica impede a concessão ou não é o Juiz que está apreciando o caso concreto. A proibição em abstrato da concessão da liberdade provisória é inconstitucional. Hoje, é o entendimento que prevalece no STF.

Vale notar ainda que, o §6º dispõe que o crime de tortura é insuscetível dos benefícios da graça ou da anistia. Tal dispositivo não veda a concessão do indulto e ele seria admitido para estes crimes (posição de Ricardo Antonio Andreucci).
No entanto, existe corrente doutrinária que estabelece que o indulto estaria implicitamente proibido porque, quando se proíbe o benefício da graça, que em sentido amplo abrange a graça, já em sentido estrito nada mais é que correspondente ao indulto (posição de Guilherme de Souza Nucci).

Observação: O STF entende que, mesmo a lei da tortura sendo posterior a dos hediondos, não revogou tacitamente a vedação de indulto de lá, levando em conta o princípio da especialidade, sendo que apenas na tortura é possível a concessão do indulto.

Finalmente, a Lei nº. 9.455/97, estabeleceu no § 7º, do art. 1º, a possibilidade de progressão de regime de cumprimento da pena uma vez que determinou regime fechado somente para início do cumprimento da pena privativa de liberdade.
Considerando que o crime de tortura é equiparado aos crimes hediondos por força do art. 5º, XLIII, da CF, e do art. 2º, da Lei 8.072, de 25.07.1990, não se justificava a discrepância que havia entre o § 1º da Lei nº. 9.455 e o art. 2º, § 1º, da Lei nº. 8.072, que previa o cumprimento da pena aplicada por crime hediondo ou equiparado integralmente em regime fechado.
O tratamento diverso, mais benéfico, dado ao responsável pela tortura, em contraposição àquele previsto para os demais crimes previstos na Lei nº. 8.072, não tinha justificativa plausível.
A incoerência do legislador acabou provocando acirrados debates judiciais em homenagem ao princípio da novatio legis in mellius, quando acusados ou condenados por crimes hediondos buscaram nos tribunais a aplicação da nova mensagem legislativa culminando com a Súmula n. 698, do Supremo tribunal Federal estabelecendo que não se estendia aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão do regime de execução de pena aplicada ao crime de tortura.
Todavia, atualmente, com o advento da Lei nº. 11.464, de 28.03.2007, a discrepância foi solucionada, uma vez que é possível a progressão de regime, no caso dos condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados que dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

3. FASE EXTRAJUDICIAL E JUDICIAL - MÉTODOS DE TORTURA:

Feitas essas breves considerações sobre a Lei nº. 9.455/97, cumpre destacar alguns métodos que lamentavelmente ainda são utilizados, por autoridades que vêem na confissão o coroamento da investigação policial, mormente quando o fato criminoso provoca comoção no seio da sociedade e a imprensa cobra das autoridades uma solução rápida.
O Código de Processo Penal, com as alterações introduzidas pela Lei n. 10.792, de 1º de dezembro de 2003, no artigo 186, assegura o direito do acusado de permanecer calado e não responder às perguntas que lhe forem formuladas. Regra essa aplicável ao interrogatório policial por força do art. 6º, inciso V, do mesmo codex. O artigo 187 estabelece divisão do interrogatório em duas partes. Na primeira parte as perguntas são sobre a pessoa do acusado e na segunda as perguntas são sobre os fatos.
Exercitando o acusado o direito de permanecer calado, nada mais pode ser feito pelo juiz ou pela autoridade policial em relação ao ato processual do interrogatório a não ser consignar que o acusado ou o indiciado se reservou no direito de permanecer calado. É sempre bom lembrar que consoante o Parágrafo único do art. 186 o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
Qualquer observação feita ao acusado, com o intuito de obter sua confissão, em tom ameaçador, no tocante às conseqüências de seu silêncio, importando-lhe com isso, sofrimento mental, poderá se presente o dolo, caracterizar a tipificação do delito de tortura, previsto no artigo 1º, inciso I, alínea “a”, da lei especial, mesmo porque, o tipo se contenta com o sofrimento físico ou mental, não exigindo para sua consumação que esse sofrimento seja intenso como ocorre no inciso II.
Na fase policial, a oitiva do indiciado, consoante determina o artigo 6º, inciso V, do Código de Processo Penal, deve ser feita, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III, do Título VII, do respectivo Livro, devendo o termo do interrogatório ser assinado por 2 (duas) testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura. Portanto, nessa fase nenhuma “ameaça” ou “artimanha” deve ser feita ao indiciado para “arrancar” dele a confissão.
Qualquer meio de tortura quer seja física ou psicológica aplicada no interrogatório torna o ato ilegal e criminoso. Dentre eles podem ser citados as ameaças sutis como de “pedir a prisão preventiva caso não confesse o crime”; ameaça ou aplicação efetiva de torturas físicas como espancamentos, pau-de-arara, choques elétricos etc.; o tempo de duração da audiência de interrogatório muitas vezes é interminável prolongando injustificadamente por várias horas e em local que gera desconforto ao indigitado buscando, exclusivamente vencê-lo pelo cansaço, com o propósito de obter sua confissão.
Outros métodos condenáveis de interrogar podem ainda ser apontados: Interrogatório feito por mais de um policial. Condenável, primeiro porque pode constranger o indiciado e em segundo lugar porque não existe amparo no Código de Processo Penal que atribui no artigo 6º, esse dever somente à autoridade policial; interrogatório feito durante o período noturno, com prejuízo ao sono causando esgotamento físico e mental ao indiciado, com isso, resultando em tortura psicológica.
Os atos processuais devem ser feitos em dias úteis, no horário compreendido entre as 6 (seis) e as 20 (vinte) horas, conforme determina o artigo 172, do Código de Processo Civil. Aos atos processuais penais, dentre eles o interrogatório do indiciado ou do réu, exceção feita quando existe o periculum in mora, como por exemplo, no caso de prisão em flagrante delito uma vez que determina o artigo 304, que a autoridade interrogue o acusado, sobre a imputação que lhe é feita, lavrando-se o respectivo auto, com a comunicação imediata ao juiz (art. 5.º, inciso LXII, da Constituição Federal), outro exemplo que pode justificar o periculum in mora é o fato de existir alguma vítima em situação de perigo com a possibilidade de o indiciado fornecer no interrogatório o endereço do cativeiro, proporcionando sua liberação. Portanto, em caso de flagrante delito o interrogatório e demais oitivas podem ser feitos em seguida à apresentação do preso a autoridade em qualquer dia e horário o mesmo ocorrendo quando presente o periculum in mora plenamente justificado.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Diante do Estado Democrático de Direito que vivemos, regido pelo princípio máximo da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º,III da CF), e mais, diante do mandamento constitucional de criminalização (art. 5º, III e XLIII, da CF), e ainda, tendo o acusado ou o indiciado o direito de permanecer calado e de não responder as perguntas que lhe forem formuladas (art. 186, do CPP) e que o seu silêncio, não importará em confissão, não podendo ser interpretado em prejuízo da defesa (186, Parágrafo único) e usando ele desse direito; Eventuais artimanhas, ciladas, mentiras, bem como, a de métodos cruéis (choques, “pau de arara”, queimaduras, lesões, etc.), nos interrogatórios, com o objetivo de conseguir sua confissão, configurará afronta ao nosso Estado Democrático de Direito, inflingencia à nossa Lei Maior, devendo ser punido o(s) agente(s) nos termos da Lei 9.455/97, quando presentes as elementares dos tipos ali previstos.

domingo, 25 de julho de 2010

ENXERGANDO-SE EM VINICIUS DE MORAES.

Tomamos a liberdade em postar “O operário em construção” do sempre lembrado bardo Vinicius de Morais, para que, todas as pessoas sintam-se nessa poesia. A nosso ver, esse é o retrato do brasileiro!

“O operário em construção”


Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
– "Convençam-no" do contrário –
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

ACUSAÇÃO ALTERNATIVA

Existe “acusação alternativa” em nosso Ordenamento Jurídico?

Para responder essa pergunta, algumas considerações deverão ser feitas, vejamos:
Primeiramente ACUSAÇÃO ALTERNATIVA não se confunde com DENÚNCIA ALTERNATIVA, explique-se: A denuncia é a peça inaugural do processo penal nos casos de ação penal pública (condicionada ou incondicionada), ou seja, é a petição inicial do processo penal, nos casos de ação pública. Nesse sentido, seus requisitos encontram-se estabelecidos no art. 41 do CPP. Trata-se de uma peça técnica, simples e direta, que trará em seu corpo os elementos essenciais do fato criminoso (haja vista o réu se defender dos fatos e não da capitulação legal). Sendo assim, válido ressaltar que é justamente com base nela que o réu montará sua estratégia de defesa e o juiz limitará seu julgamento, leia-se, não poderá julgar ultra ou extra petita.
Diante dessas pontuações e levando-se em conta o dinamismo que o crime pode tomar, doutrinadores sustentam a possibilidade de existir “denuncia alternativa” que outra coisa não é senão a possibilidade de na denúncia se atribuir ao réu mais de uma conduta penalmente relevante. Aliás, conforme ensina a doutrina, esse tipo de denúncia poderia ter uma “imputação alternativa objetiva”, quando se imputaria mais de um fato delituoso ao mesmo acusado, ou uma “imputação alternativa subjetiva”, quando ter-se-ia a imputação de um fato delituoso a mais de um acusado.
Grande problema: há forte corrente dizendo que o direito de defesa ficaria cerceado haja vista o réu não saber, ao certo e pontualmente, do que se defender; mas Afrânio Silva Jardim, Julio Fabbrini Mirabete, José Frederico Marques, dentre outros, admitem a “denúncia alternativa”, afirmando que no caso o réu teria como se defender dos fatos, ficando apenas “mais complexa” tal defesa.

Mas a pergunta feita acima é se existe acusação alternativa em nosso Ordenamento Jurídico, e defendemos que SIM! Isso porque, acusar é imputar alguma coisa a alguém. Isso pode ser feito na denúncia, mas também em "outros meios" (por isso dissemos no começo que acusação alternativa não é sinônimo de denúncia alternativa). Para a denúncia, vimos que existe polêmica.
Todavia, é exatamente em um “outro meio” que está sedimentada nossa afirmação de que existe acusação alternativa. Estamos a falar do art. 384 do CPP que traça a regra do instituto da MUTATIO LIBELLI que é a hipótese de, após terminada a instrução probatória, surgir no processo prova de circunstância elementar não contida na denúncia (note-se que não é correção da tipificação – “ementatio libelli”, mas sim alteração dos fatos processuais). Nesses casos o juiz dará a oportunidade ao Ministério Publico para que adite a denuncia incluindo esses novos elementos advindos da instrução probatória (garantindo assim que sua decisão não seja “ultra petita”).
Feito o aditamento teremos uma ACUSAÇÃO ALTERNATIVA, uma vez que, primeiramente houve denuncia por uma circunstância típica, posteriormente descobre-se outra circunstância e tal fora incluída na acusação pelo aditamento ("imputação alternativa objetiva superveniente"). Logo, o réu deverá se defender de duas acusações (dois fatos), podendo o juiz nesses casos: absolver o réu, condená-lo pelo primeiro fato (primeira acusação) ou pelo segundo (segunda acusação).
Vale registrar que existe doutrina afirmando que o juiz estaria adstrito somente a acusação feita no aditamento tendo em vista a alteração feita pela Lei 11.719/08 no artigo 384 §4°, "in fine" do CPP (interpretação literal restritiva). Todavia, "data venia" essa não deve ser a interpretação feita, uma vez que, o artigo 385 do CPP estabelece que o juiz nos casos de ação penal pública poderá condenar o réu, mesmo que o Ministério Público tenha pedido a absolvição, bem como, reconhecer agravantes embora nenhuma tenha sido alegada; e mais, já houve instrução processual acerca da primeira acusação feita; e ainda, na aproximação da verdade real, as partes se entrelaçam nos fatos contidos e contraditados no processo, cabendo ao juiz sopesá-los e proferir o julgamento ("dá-me os fatos que lhe dou o direito"). Destarte, entendemos que essa é a melhor interpretação feita ao artigo 384 do CPP (interpretação teleológica ampliativa).

Infere-se por isso a existência legal de "acusação alternativa" em nosso Ordenamento Jurídico, utilizada como meio o art. 384 do CPP feita por uma imputação alternativa objetiva superveniente.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

MODERNIDADE LIQUIDA: UMA REFLEXÃO SOBRE O CONSTITUCIONALISMO

Pretendemos nessas breves linhas, tecer algumas considerações críticas sobre o constitucionalismo. Para tanto levaremos em conta a obra “Modernidade Líquida”, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, bem como, pensamentos do insigne professor Daniel Sarmento.

Sendo assim, passemos ao que se pretende.

É notório as escalas de progresso que a humanidade vive. Fato esse que podemos visualizar da seguinte maneira:

A primeira fase desdobrou-se entre os séculos XVI a XVIII, período das grandes navegações, da descoberta do Novo Mundo, do renascimento cultural e da Reforma Protestante, primeiro estímulo ao individualismo, fazendo um paralelo com as Gerações dos Direitos Fundamentais, temos aqui a Primeira Geração dos Direitos Fundamentais, ou seja, a fase de limitar o poder Estatal, delineando prestações negativas ao Estado, fazendo e preocupando-se com que este, não invada a esfera privada do indivíduo; logo, as liberdades públicas ficaram consagradas.

Ademais, na primeira metade do século XX, restou notório o Iluminismo inaugurando uma segunda etapa da modernidade, caracterizado pela universalização da razão e pelo primado do indivíduo e de sua liberdade. Onde refletiu-se a Segunda Geração dos Direitos Fundamentais. Essa fase restou caracterizada principalmente pela revolução industrial, onde os trabalhadores pleiteavam seus direitos, logo, nessa Geração, o Estado teve que resguardar os Direitos Sociais. Vale destacar que, é justamente com base nessa fase que sedimentamos e construímos Princípios como o da Reserva do Possível e o do Mínimo Existencial.

Desse modo e continuando a demonstrar essa frenética evolução, temos a partir da segunda metade do século XX uma nova era, marcada por uma total ruptura com o passado, provocando mudanças fundamentais no terreno das relações sociais, da ciência, da filosofia, da educação, da moral e da economia. Esse cenário foi denominado e marcado pela Terceira Geração dos Direitos Fundamentais, conhecidos como Direitos a Fraternidade e Solidariedade, ou seja, direitos relacionados a qualidade de vida e relacionamento entre os povos. Tais direitos foram intitulados como Direitos Transindividuais, já que, fazem parte do indivíduo, mas transcendem sua esfera privada.

É nessa pressurosa transição de tempos em tempos que o autor Zygmunt Bauman trata das características, significados e contradições da modernidade, desenvolvendo a “Modernidade Líquida”. E explica-se: Líquida, por ser uma era com as principais particularidades dos fluídos: a inconstância e a mobilidade. Logo, e o autor ressalva que não se trata de transformações clássicas (modernidade sólida), ou seja, adventos de conjuntos estáveis de valores e modos de vida cultural e político. Mas sim de que, tudo é volátil, as relações humanas não são mais tangíveis e a vida em conjunto, familiar, de casais, de grupos de amigos, de afinidades políticas, não possuem consistência e estabilidade, gerando um processo de individualização (é um tempo de liberdade, juntamente com insegurança.). Aliás, é nesse contexto que podemos visualizar a Quarta Geração dos Direitos Fundamentais, tema muito bem sedimentado na doutrina do prof. Paulo Bonavides.

Sendo assim, fica fácil compreender que o Ordenamento Jurídico não poderia ficar de fora desse fenômeno, onde, pensamos e pretendemos provar que um dos maiores fatores a ser atingido por tal, está relacionado na concepção de Estado e sociedade. Isso porque, se pararmos para refletir (e esse é o propósito), hoje, tais concepções estão em xeque.

Leia-se e perceba: Houve a redução do tamanho do Estado. Houve a diminuição de direitos. Por quê? Porque se o Estado tinha um “charme emancipatório”, o mesmo Estado começou a ser visto por muitos não mais como redentor, mas sim, como uma força do atraso.

Entenda-se: Essa retração do Estado deu-se com as mudanças nas técnicas na área de computação, na área de transporte, na área de telecomunicações, as fronteiras foram perdendo importâncias. Hoje um brasileiro nato pode estar fora de seu continente e fazer transações. É nisso que a “modernidade liquida” se sedimenta, ou seja, inconstância e mobilidade.
Fato é que, o poder, de certa maneira, se desterritorializou e o modelo de constitucionalismo se baseia em uma territorialização do poder. A Constituição é a Constituição do Estado. Ela está ali para limitar o Estado. Contudo, é notório que, muitas vezes a Constituição tem pouca força para enfrentar esses agentes econômicos transnacionais, essas entidades supranacionais.

Relembremos o fato marcante que ocorreu depois da II Guerra Mundial, qual seja, a superação do modelo da Paz de Vestfália (rememorando: a Paz de Vestfalia foi um tratado celebrado no século XVII pelos Estados Europeus, pelo qual cada um reconhecia a soberania do outro). Onde, com a II Guerra Mundial, se viu que o Estado é um violador de direitos e não pode, com isso, ser o único responsável pela proteção dos direitos (prova disso é a evolução das gerações dos direitos fundamentais).

Sendo assim, tem-se hoje no Ordenamento Jurídico um movimento de internacionalização de direitos, traduzindo-se em tratados internacionais, na criação de agências de monitoramento, de instâncias jurisdicionais, como a Corte Européia, bem como no Tribunal Penal Internacional (reforça-se: perfeitamente explicável pela “Modernidade Liquida” pelo ponto da insegurança que ela gera.).

Ou seja, começamos a ter direitos que estão fora do âmbito do Estado. Alguns associam isso ao advento de uma espécie de “Constitucionalismo Global”. Aliás, um exemplo claro dessa situação encontra-se na Europa onde se discutia uma Constituição Européia. Fato olvidado devido às derrotas dos plebiscitos na França e na Holanda. Agora, passa-se em reflexão: Como é que se convive, na Europa, com uma União Européia forte que tem um parlamento que tem um poder judiciário que tem poder executivo que faz normas que se aplicam diretamente aos Estados com o conceito de Constituição soberana?
Ademais, dentro desse aspecto, vale consignar que o constitucionalista português Canotilho fala que hoje não é mais possível pensar na Constituição como a instância hierárquica superior de um ordenamento. Hoje, se tem o modelo de Constituição em rede. Destarte, aquela imagem cômoda da Constituição que vem no vértice superior da pirâmide dificilmente é uma descrição apurada na realidade super complexa que temos hoje.

Pergunta-se: Aonde isso vai dar? Impossível responder por estarmos no meio da história, onde, o que pretendemos aqui nesse contexto, é chamar a atenção para essa fluidez da modernidade atingindo as áreas política, jurídica, econômica e seus impactos sobre o constitucionalismo.