quarta-feira, 3 de novembro de 2010

IMPEACHMENT DE FERNANDO COLLOR DE MELLO E OUTRAS PECULIARIDADES.

ENTENDENDO A RESPONSABILIZAÇÃO DO CHEFE DE GOVERNO:

Pretendemos demonstrar com esse tema, qual tem sido a interpretação dos artigos da CF referentes à responsabilização política e criminal afetas ao Chefe de Governo.
Para tanto, utilizaremos o conhecido caso do ex-presidente da república Fernando Collor de Mello como exemplo ilustrativo, bem como de outros casos práticos julgados pelo STF.
Comecemos pelo crime de responsabilidade, também intitulado como crime político.
Partiremos da seguinte premissa: Somente se for julgada procedente a acusação por crime político (crimes de responsabilidade) é que o PRESIDENTE DA REPÚBLICA perde seu cargo.
Dessume-se tal afirmação do teor estabelecido no art. 85 da CF, que diz: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.”.

A primeira observação que se apresenta óbvia é que tal artigo não contém a tipificação do crime de responsabilidade. Ele somente delineia a moldura, dentro da qual o legislador vai estar.
Em relação ao Presidente da República, a Lei em vigor é a Lei 1.079/50. Mas é interessante porque houve uma discussão a propósito da eventual revogação dessa Lei exatamente quando do pedido de impeachment do ex-presidente da república Fernando Collor.
Mas qual foi a tese elaborada pelo advogado de Collor?
Foi uma tese muito sedutora, mas que o STF rechaçou.
Tal tese dizia o seguinte: não existe repristinação tácita de lei, e sendo a Lei 1.079 promulgada e publicada em 1950, e, tendo em vista que em 1962 (12 anos depois), o Brasil mudava de regime político do presidencialismo para o parlamentarismo (A título de curiosidade, durante um ano -1962 a 1963 tivemos o regime parlamentarista no Brasil, isso ocorreu porque, o então presidente Jânio renunciou e os militares se recusavam a dar o poder a João Goulart. Desse modo, foi aprovada as pressas uma emenda constitucional introduzindo o parlamentarismo no Brasil. Mas depois, houve um referendo sobre essa emenda, onde os cidadãos decidiram que voltasse o regime presidencialista. Todavia, na constituinte de 1988, muita gente culpava o presidencialismo pelas mazelas brasileiras, pelas instabilidades. Destarte, houve um movimento pró-parlamentarismo. Vale notar que, no começo da constituinte de 1988, a força parlamentarista estava prevalecendo. Só que durante a constituinte, se alterou o equilíbrio de forças, no que acabou prevalecendo o presidencialismo no governo (foi aprovado e mantido o presidencialismo). Mas, em vista da forte discussão envolvendo os dois regimes, se resolveu postergar uma decisão definitiva para cinco anos depois da promulgação da Constituição de 1988, em vista da previsão do art. 2º do ADCT. Contudo, mais uma vez, por um quorum de mais de 70%, o povo brasileiro decidiu por referendo manter o regime presidencialista.).

Tendo em vista o formato do regime parlamentarista, e em tal não haver crime de responsabilidade do executivo. O Brasil parlamentarismo (1962), tornou, letra morta a Lei 1.079/1950, que em princípio, deixou de vigorar (foi revogada). Todavia, como estabelecido no contexto histórico, em 1963, o Brasil voltou a adotar o regime presidencialista. Desse modo, e tendo em vista esses aspectos temporais, sedimenta-se a tese defensiva de Fernando Collor de que, não há repristinação tácita e nullum crimem nulla poena sine lege. Sendo assim, não haveria Lei justificando (tipificando) crime de responsabilidade.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que em tal caso realmente não haveria repristinação tácita, mas o caso em tela, não tratava-se de repristinação ou não de lei, mas sim o fato de que, quando a emenda constitucional voltou atrás em 1963, adotando novamente o regime presidencialista, toda a legislação do presidencialismo também teria voltado a vigorar e, entre ela, está a lei 1.079/50 que tipifica os crimes de responsabilidade do presidente da república, sob pena de uma anomia jurídica, fato repugnado pelo Ordenamento Jurídico.
Superado a crise da validade e eficácia da Lei 1.079/50, como funciona o devido processo legal de impecheachment?
Estamos aqui com um caso, para alguns doutrinadores, de um exemplo de “ação penal popular”. Isso porque, qualquer cidadão pode deflagrar tal ação contra o Presidente da República.
Impetrada tal ação, ela vai ser apresentar na Câmara dos Deputados. Lá, o Presidente da Câmara pode arquivar liminarmente. Isso não está na Constituição (está no regimento interno). Contra essa decisão que arquiva liminarmente, cabe recurso para o Plenário. Todavia, se ele não arquivar liminarmente, não significa que o processo será iniciado na Câmara. Na verdade, tal ato do presidente da Câmara é uma condição de procedibilidade. Isso porque, o processo tramitará no Senado.
Todavia, o STF entendeu que já nessa fase, valeria o devido processo legal e, portanto, o direito a produzir provas. Não importa o fato de se ter ou não iniciado realmente o processo (tese da distribuição ou recebimento da exordial), contudo, tais provas terão que ser repetidas igualmente no Senado.
Então, o Presidente da República tem o direito de fazer perícia, realizar diligência, ouvir testemunha, realizar acareações, etc., na Câmara. Registra-se que, nessa fase, o Presidente da República ainda estará governando.
Vale reforçar que, a Câmara irá deliberar sobre a instauração ou não do processo. A Constituição diz que essa deliberação se dá pelo quorum qualificado de 2/3. (art. 86 da CF: “Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.”).
Destarte, a Câmara autorizando a instauração do processo, tal será instaurado no Senado (por isso tratar-se de uma condição de procedibilidade da ação).

No Senado, os senadores são os “juízes”, todavia quem conduzirá o processo será o Presidente do STF. Aliás, no momento em que o Senado instaurar o processo, o Presidente da República será afastado do exercício da suas funções (o prazo de afastamento é de 180 dias para concluir o julgamento, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo - art. 86, parágrafo 1º, II e parágrafo 2º da CF).
Voltando ao tema FERNANDO COLLOR, foi exatamente nessa fase que o STF interveio muito ativamente - ativismo judiciário, justamente examinando a compatibilidade das normas procedimentais de contraditório e de ampla defesa que devem ser atendidas pelo devido processo legal de impeachment. Aliás, em alguns casos, os prazos processuais eram pequenos, e em vista disso, o Supremo ampliou-os (princípio da razoabilidade e princípio adequação - adaptabilidade do procedimento). Fato esse que foi alvo de critica no sentido de dizer que o STF estaria sendo uma espécie de legislador positivo, já que marcava prazo diferente daquele que estaria previsto na legislação.
Aproveitando o ensejo, pergunta-se: Qual é o limite do controle jurisdicional sobre o processo de impeachment?
Várias teses são defendidas. Desde a tese que diz que não há controle jurisdicional nenhum, tendo em vista tratar-se de um processo político e, por isso, as decisões do Senado e da Câmara são soberanas, não pode o judiciário intervir. Até aqueles que advogam pelo controle jurisdicional pleno, defendendo que seria uma matéria afeta aos direitos fundamentais e que no Brasil há a inafastabilidade do controle jurisdicional.
O Supremo ficou com a posição intermediária no caso Fernando Collor. Eles disseram que podiam controlar o procedimento, o respeito ao devido processo legal e até analisar questões atinentes a pressupostos processuais, como por exemplo, a subsistência de tipo penal em vista da vigência ou não da Lei 1.079/50 – justa causa para ação penal.
Todavia, reforça-se que o Supremo não poderia julgar o mérito da decisão, seja a da Câmara que autoriza a instauração do processo, seja do Senado que condenasse ou absolvesse.
Dentro desse diagrama processual, uma das questões mais importantes suscitadas no processo envolvendo Fernando Collor foi o seguinte: uma das conseqüências da condenação por crime de responsabilidade é não só a perda do mandato (impeachement), mas também a inabilitação para o exercício de função pública, conforme determinação estabelecida no parágrafo único do art. 52 da CF, que diz: "Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis".
No caso do julgamento de Fernando Collor, ele renunciou ao cargo de Presidente para assim formar sua tese defensiva, qual seja, a de justamente não atingir a finalidade da, para ele, principal pena do processo de crime de responsabilidade, que outra não seria senão a perda do cargo, ou seja, seu impeachment.
Então, se Collor renunciasse ao cargo, não daria mais para aplicar a perda deste. Logo, o julgamento dar-se-ai por encerrado.
Desse modo, Collor fugiria da condenação da perda do cargo de presidente da republica federativa brasileira (impeachment), bem como da outra conseqüência da condenação que é a inabilitação para o exercício de função pública por oito anos. Podendo, inclusive, concorrer nas próximas eleições.
Contudo, o que aconteceu?
Collor realmente renunciou na sessão do Senado, e a este órgão ficaria a incumbência se se iria ou não encerrar o processo ali, onde decidiram que não iriam encerrar o processo ali, uma vez que, não haveria uma condenação principal e outra acessória. Na verdade as duas condenações seriam principais porque previstas na Constituição Federal como decorrentes dos fatos.
Desse modo, a renúncia inviabilizaria a aplicação da sanção de perda do cargo (do impeachment formal), mas não da outra sanção (inabilitação para o exercício de função pública por oito anos).
Contudo, mais uma vez entrava em cena o advogado de Fernando Collor que impugnou o ato do Senado de continuar o julgamento processo. Para tanto, a defesa de Collor utilizou-se de mandado de segurança.
E o que aconteceu?
Na época, o ministro Marco Aurélio de “Mello” não votava, porque era primo de Collor, logo, estava impedido. De outro lado, o Ministro Francisco Resek, como tinha sido Ministro das Relações Exteriores no governo de Collor, também se deu por impedido. Por fim, estava impedido também o Presidente do STF (ministro Moreira Alves) porque estava sendo o condutor do processo impugnado no Senado. Sendo assim, dos onze ministros, ficaram apenas oito ministros votantes. Onde, quatro votaram pela concessão do mandado de segurança e quatro votaram pela denegação.
Diante desse cenário indeterminado, a primeira coisa que o STF teria que decidir era como resolver o empate de quatro a quatro.
Uma tese colocada seria a aplicação analógica da regra do HC, onde tal regra determinava que, se der empate, a decisão é pela concessão.
Todavia, o STF decidiu que não deveria aplicar tal regra, mas sim convocar três ministros mais antigos do STJ para desempatar.
Esses três ministros foram convocados e os três votaram pela manutenção da decisão do Senado em prosseguir o julgamento.
Continuando o julgamento, o Senado condenou Fernando Collor, aplicando-lhe a sanção de inabilitação para o exercício de função público por 8 anos (já que Collor já havia renunciado ao cargo de presidente).
Por outro lado, como fica a Responsabilidade Penal do Chefe de Estado?
Para responder tal questão, voltemos a enfocar o caso Fernado Collor de Mello. Isso porque, diante dos mesmos fatos demonstrados na ação de responsabilização política do ex-Presidente Fernando Collor, também, contra ele, foi movida uma ação de natureza penal no STF e o STF acabou por absolver Fernando Collor tendo em vista a insuficiência de provas, explicável por tratar-se de processo penal de natureza distinta do processo por responsabilidade (princípio da verdade real).
Tal processo criminal contra Presidente da República segue a seguinte regra:

O Presidente da República responde penalmente pelos seus atos. Todavia, nós temos uma norma peculiar, tendo em vista, consagrar uma espécie de irresponsabilidade penal relativa conforme se conclui da leitura do parágrafo 4º do art. 86 da CF que diz: “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

O que isso quer dizer?
Para responder essa indagação, vamos exemplificar: o então presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva responde criminalmente pelo que ele fizer na condição de Presidente da República. Destarte, não seria possível hoje em dia instaurar uma ação penal contra o Lula, por exemplo, se ele, na qualidade de cidadão, atropelasse uma pessoa na rua.

Mas advirta-se que, esse dispositivo não consagra uma irresponsabilidade de direito material.
Isso não significa que o fato deixou de ser crime.
A ratio da norma é a de dar tranqüilidade para que o Presidente da República não fique preocupado com outras coisas senão aquelas correlatas ao exercício do seu mandato.
Tanto é que, findo o mandato, ele volta a responder integralmente por aqueles fatos.
Vale ressaltar ainda que, embora não exista nenhum dispositivo expresso sobre o tema, há acórdão do STF dizendo que, nesse período, não correrá a prescrição penal.

Outra coisa digna de ressalva é a de que essa é uma garantia única e excepcional, ou seja, só vale para o Presidente da República, não incidindo o princípio da simetria, para estendê-la, por Constituição Estadual, ao governador. Trata-se, portanto, de uma clausula de exceção ao princípio da igualdade, bem como ao princípio republicano.

A título de encerramento, o processamento dessa responsabilização criminal do Presidente da República relacionada aos seus atos funcionais, terá como foro competente o STF. Mas antes da instauração da ação penal, é preciso que a Câmara autorize também pelo quorum de 2/3. (Art. 86 da CF: "Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade") – condição de procedibilidade da ação penal.

Aliás, tivemos mais um caso interessante, envolvendo agora um Chefe de governo estadual, sendo o primeiro acórdão importante da ministra Carmem Lúcia no STF. Tratava-se de uma ação penal contra o governador de Rondônia.
Isso porque, o Art. 86 da CF aplica-se por simetria na esfera Estadual (principio da simetria). Desse modo, para promover a ação penal contra o governador de Rondônia, a Assembléia Legislativa de Rondônia teria que autorizar por 2/3 a instauração da ação.
Só que o contexto em que todos os deputados estaduais encontravam-se, era de encontrarem-se denunciados pelo mesmo fato. Leia-se, seria perguntar para os demais integrantes da “quadrilha” se podia instaurar a ação penal contra o chefe desta “quadrilha”.

Nesse cenário, foi suscitada questão de ordem, e a Ministra Carmen Lucia decidiu que a regra não seria aplicada nesse caso sob pena de se tornar impossível qualquer tipo de ação penal (principio da inafastabilidade do poder judiciário).

Fato interessante porque era uma regra em um caso em que ter-se-ía a plena subsunção a norma constitucional, mas tal regra foi afastada (hipótese de ponderação de regra em vista da realidade fática).

Assim encerramos esse breve estudo acerca da responsabilização dos nossos chefes de estado.