segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

DAVID HUME


David Hume e as Paixões
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo).

David Hume (1711/76) filósofo, historiador e ensaísta escocês, compõe o triunvirato empirista britânico, juntamente com Locke e Berkeley, em oposição ao racionalismo inaugurado por Descartes. Nesse movimento, levando os princípios do empirismo às últimas conseqüências, é lhe reservado o papel de conduzi-lo à sua inevitável conclusão cética acerca das causas, do mundo exterior e da própria mente.

De forma elegante dá um novo tom à filosofia, com muita simplicidade e convicção descarta um arsenal de argumentos complexos. Uma espécie de filosofia popular e científica, uma pop-filosofia. Como ideal, uma clareza , que não é a das idéias, mas as das relações e das operações. É esta nitidez que tentará impor nos seus livros. Empirista quanto ao problema da origem do conhecimento, cético em relação à metafísica e utilitário altruísta em assuntos morais e políticos.

Também há um tom de psicologismo em algumas de suas obras. Podemos dizer que, David Hume foi o precursor de temas psicológicos, ao qual ele tratava como lógica.

O Homem será objeto investigado e sujeito investigante, ou seja, o homem será objeto e sujeito de si mesmo. Nós não somos apenas simples seres que raciocinam, mas também objeto de raciocínio. Surge a auto reflexibilidade. Desponta as ciências humanas.

No Tratado da Natureza Humana (publicado em 1739-1740), ele estabelece que as paixões, não a razão, determinam a vontade e motivam as ações humanas.

Uma célebre passagem do livro 2, Parte 3, Seção 3”Dos motivos que influenciam a vontade”, afirma que:

A razão é, e deve ser apenas a escrava das paixões, e não pode aspirar a outra função além de servir e obedecer a elas.”

Assim, Hume afirma primeiro que sozinha, a razão jamais pode ser motivo de qualquer vontade e, em segundo lugar, que a razão jamais pode opor a paixão na direção da vontade.

Embora a força retórica dessa passagem sugira uma disputa entre razão e paixão pelo “governo da vontade e das ações”, Hume adverte que não se trata propriamente de um combate ou luta por dominância. A questão, para ele, é encontrar a fonte última de determinação da vontade. Diz ele:

É evidente que, quando temos a perspectiva de vir a sentir dor ou prazer por causa de um objeto, sentimos, em consequência disso, uma emoção de aversão ou de propensão, e somos levados a evitar ou a abraçar aquilo que nos proporcionará esse desprazer ou essa satisfação.”

Portanto, só agimos e nos movemos no sentido de buscar o prazer ou evitar a dor.

Num estado de indiferença, permaneceríamos imóveis. Assim sendo, a fonte última reside nas paixões.

Hume, no Livro 3, Parte 1, Seção 1, “As distinções morais não são derivadas da razão”, define razão:

A razão é a descoberta da verdade ou da falsidade. A verdade e a falsidade consistem no acordo e no desacordo seja quanto à relação real de idéias, seja quanto à existência e aos fatos reais.”

Segundo ele a razão não tem o poder de produzir ações. Ela não origina nem impede volição e, sozinha, não é capaz de nos motivar. Na direção da vontade, seu papel reduz-se ao de um acompanhante auxiliar e instrumental. A razão julga sobre os meios apropriados para se obter os fins e sobre a existência dos objetos da paixão. Se ela descobre ser falsa a suposição de existência, ou insuficientes os meios, já não há mais por que realizar a ação proposta a inclinação para realizá-la. Quando se remove a paixão, a propensão à ação cessa imediatamente.

Se a moral motiva, ela deve se fundar nas paixões. Com efeito, para Hume, as regras da motivação não são conclusões da razão, ou seja, não são descobertas por raciocínio demonstrativo a priori , nem por raciocínio provável a posteriori. A distinção entre virtudes e vícios é feita pelos sentimentos – os juízos morais expressam sentimentos de aprovação ou desaprovação, que são uma espécie de prazer e de dor na contemplação de qualidades úteis ou agradáveis ao seu possuidor ou aos outros.

Que qualidades aprovamos? A lista das virtudes naturais é imensa. Por exemplo, as qualidades agradáveis a seu possuidor incluem alegria, orgulho, dignidade, serenidade; qualidades úteis ao possuidor são prudência, bom senso, discrição, constância; úteis aos outros são a generosidade, gratidão, gentileza e coragem; e agradáveis aos outros são polidez, modéstia e humor. No caso da justiça e outras virtudes artificiais (que dependem das convenções humanas), adquirimos simpatia pelo interesse público e o objeto de aprovação passa a ser a prática como um todo.

Só agimos e nos movemos no sentido de buscar o prazer ou de evitar a dor”.
 

Bibliografia consultada:

- Hume David, Tratado da Natureza Humana, editora Unesp.

- Guimarães Lívia Maria, Os Filósofos Clássicos da Filosofia , Vol. I de Sócrates a Rousseau , Rossano Pecoraro (org) Editora Vozes, Petrópolis, 2008.

- História da Filosofia – Direção de François Châtelet , vol. 2, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1995.

- Os Pensadores, História das Grandes Idéias do Mundo Ocidental, Vol. II, Abril Cultural, 1972 – São Paulo.

sábado, 10 de novembro de 2012

PADRE ANTÔNIO VIEIRA.

Sermão de Santo Antônio aos peixes

(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)



No ano de 1654 Padre Antônio Vieira pregou na cidade de São Luís do Maranhão, o Sermão de Santo Antônio aos Peixes.

Usando de metáforas e alegorias Padre Vieira louva as virtudes e censura os vícios.

O pano de fundo da época era a escravidão indígena e negra que ele combatia, pois era um jesuíta de formação.

Descortinemos uma síntese de seu sermão:

Vós diz Cristo Senhor nosso falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhe sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal.

Mas qual é a função do sal? É impedir a corrupção. Porém, quando a terra se vê tão corrupta, qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Os pregadores não pregam a verdadeira doutrina, ou os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina não querem ouvir.

Enfim que havemos de pregar hoje aos peixes? Haveis de saber, irmãos peixes, que o sal filho do mar como vós, tem duas propriedades, as quais em vós mesmos se experimentam: conservar o são e preservá-lo para que se não corrompa. Estas mesmas propriedade tinham as pregações do vosso pregador Santo Antônio, como também as devem ter as de todos os pregadores. Uma é louvar o bem, outra repreender o mal.

Começando, pelos vossos louvores, irmãos peixes, bem vos pudera em dizer que entre todas as criaturas viventes e sensitivas, vós fostes as primeiras que Deus criou.

Louvor verdadeiro aos peixes. Os Homens perseguindo a Antônio, querendo-o lançar da terra, e ainda do mundo, se pudessem, porque lhes repreendia seus vícios, e no mesmo tempo os peixes em inumerável concurso acudindo à sua voz, atentos, e suspensos às suas palavras escutando com silêncio, e com sinais de admiração.

Quem olhasse e visse na terra os homens tão furiosos e no mar os peixes tão quietos e tão devotos, que havia de dizer?

Poderia cuidar que os peixes irracionais se tinham convertido em homens, e os homens não em peixes, mas em feras. Aos homens Deus deu o uso da razão, e não aos peixes, mas neste caso os homens tinham a razão sem uso, e os peixes o uso sem a razão.

Falando dos peixes, Aristóteles diz, que só eles, entre todos os animais se não domam nem domesticam.

Peixes! Quanto mais longe dos homens tanto melhor.

No tempo de Noé sucedeu o dilúvio, que cobriu e alagou o mundo, dos animais quais se livraram ? Dos leões escaparam dois, leão e leoa e assim outros animais na terra, das águias, o casal e assim outras aves, dos peixes todos escaparam.

O dilúvio era um castigo universal que Deus dava aos homens por seus pecados, e ao mundo pelos pecados dos homens, para que o mesmo mundo visse que da companhia dos homens lhe viera todo o mal, por isso os animais que viviam perto deles, foram também castigados e os que andavam longe ficaram livres. Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens.

Perguntado a um grande filósofo qual era a melhor terra do mundo, respondeu a mais deserta, porque tinha os homens mais longe.

Se isto vos pregou Santo Antônio, bem vos pudera alegar consigo que quanto mais buscava a Deus, tanto mais fugia dos homens. Para fugir dos homens deixou a casa de seus pais e se recolheu a uma religião, onde professasse perpétua clausura.

Infinitas virtudes de que o autor da natureza os fez. O primeiro lugar entre todos, na Escritura, é aquele santo peixe de Tobias, grande nas virtudes interiores, que só consiste a verdadeira grandeza. Ia Tobias caminhando com o anjo São Rafael e descendo a lavar os pés nas margens de um rio, eis que investe um grande peixe. Gritou Tobias assombrado, mas o anjo lhe disse que pegasse no peixe pela barbatana e o arrastasse para terra; que abrisse e lhe tirasse as entranhas e as guardasse, porque lhe haviam de servir muito. Assim Tobias fez, e perguntado que virtudes tinham as entranhas daquele peixe que lhe mandara guardar, respondeu o anjo que o fel era bom para sarar da cegueira e o coração para lançar fora os demônios. Assim disse o anjo e assim o mostrou logo a experiência, porque sendo o pai de Tobias cego, aplicando-lhe o filho aos olhos um pequeno do fel, cobrou inteiramente a vista: e tendo um demônio, chamado Asmodeu, morto sete maridos a Sara, casou com ela o mesmo Tobias; e queimado na casa parte do coração, fugiu dali o Demônio e nunca mais tornou.

Abria Santo Antônio a boca contra os hereges e estes gritavam e assombravam-se com aquele homem. Ah! homens, se houvesse um anjo que vos revelasse qual é o coração desse homem. Só duas coisas pretende de vós e convosco: uma é alumiar e curar vossas cegueiras, e outra lançar-vos os demônios fora de casa. Pois a quem vos quer tirar as cegueiras, a quem vos quer livrar dos demônios perseguis vós?

Passando da Escritura aos da história natural, sobre a virtude tão celebrada da rêmora. Peixinho tão pequeno no corpo e tão grande na força e poder. Se alguma rêmora houve na terra, foi a língua de Santo Antônio. O leme da natureza humana é o alvedrio, o piloto é a razão: mas quão poucas vezes obedecem à razão os ímpetos precipitados do alvedrio? Neste leme, porém, tão desobediente e rebelde, mostrou a língua de Antônio quanta força tinha, como rêmora para domar e parar a fúria das paixões humanas. Nas naus Soberba, Vingança, Cobiça e Sensualidade se a língua de Antônio, como rêmora, não tivesse mão no leme e os contivesse?

Passemos agora as vossas repreensões.

A primeira coisa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário era menos mau. Mas para que conheçais a que chega a vossa crueldade, considerai, peixes, que também os homens se comem vivos assim como vós. Jó dizia: “Por que me perseguia tão desumanamente, vós, que me estais comendo vivo e fartando-vos da minha carne?” Vede um homem que andam perseguindo e olhai quantos o estão comendo. São piores os homens que os corvos. Os corvos comem o homem morto e os homens os vivos. Deus não quer roncadores. O muito roncar antes da ocasião é sinal de dormir nela. As baleias roncaram. O que é a baleia entre os peixes, era o gigante Golias entre os homens, bem deveis saber que este gigante era a ronca dos filisteus. Bastou um pastorzinho com um cajado e uma funda para dar com ele em terra. Também nas covas do mar temos lá o irmão polvo. O polvo, com aquele seu capelo parece um monge, com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela, com aquele não ter ossos nem espinha, parece a mesma brandura e mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, o dito polvo é o maior traidor do mar. Se está nos limos, faz-se verde, se está na areia, faz-se branco, no lodo faz-se pardo. Sucede que o outro peixe, inocente da traição, vai passando desacautelado e o salteador, que está de emboscada, lança-lhe os braços de repente e o faz prisioneiro. Com esta última vos despeço, ou me despeço de vós, meus peixes. Louvai, peixes, a Deus, os grandes e os pequenos, pois vos criou em tanto número, espécie, variedade e formosura. Como não sois capazes de glória, nem graça, não acaba o vosso sermão em graça e glória.

“Padre Vieira é o grande imperador da língua portuguesa.” (Fernando Pessoa).

Bibliografia consultada:

- VIEIRA, Antônio (Padre). Padre Antônio Vieira - Essencial. Sermão de Santo Antônio aos peixes. Ed. Pengüin Companhia , 2011.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

ROUSSEAU

TREZENTOS ANOS DE JEAN-JACQUES ROUSSEAU
( por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

Em junho deste ano fez 300 anos do nascimento de J.-J. Rousseau.
A este tão célebre pensador nossas honras devidas.
Homem polêmico, provocativo, um intelectual bem a frente de seu tempo. Não foi a toa que foi tão mal compreendido.
Para ler os seus textos há que se ter um certo refinamento, pois uma leitura despretensiosa ou apressada, poderá resultar numa interpretação desastrosa..
Não subestimem Rousseau, seus textos ora tem movimentos pendulares, de negar, afirmar e negar de novo, ora ele é irônico e aí o que se elogia, na verdade, se critica, outras vezes tem conceitos próprios, bem diferentes do senso comum e até cria palavras novas, como “perfectibilidade”.
Vejamos em pequenos “flashes“ seu pensamento, sua vida.
Em primeiro lugar, Rousseau diz-se sempre e repetidamente um cristão. Não entra nessa história de materialismo e ateísmo.
Nada de mais distante, portanto, à primeira vista, da vanguarda iluminada de seu século.
Rousseau se interessou por muitas coisas. Sua primeira e grande paixão, foi a Música, tal como ocorreu para muita gente neste século de Bach e de Mozart. Ele próprio tocava e compunha músicas. Chegou mesmo a inventar um novo sistema de notação musical.
Gradativamente sua vocação foi mudando e ele, pela força das circunstâncias, foi se convertendo num escritor. Logo surpreendeu a todos com o seu primeiro escrito, intitulado: Discurso sobre as Ciências e as Artes, publicado em 1749, na qual se acham em germe todos os elementos da sua bela doutrina.
Com esta obra ganhou o primeiro prêmio em um concurso da Academia de Dijon, na França. Nela defendia o ponto de vista de que as grandes invenções, as ciências, as artes e as letras, a cujo reflorescer se assistia na época, ao invés de melhorarem o Homem, haviam-no, na realidade, deteriorado.
Jean-Jacques, nesta obra, não ataca apenas o tema “parecer”, que já se tornara moeda corrente no vocabulário intelectual da época, mas vai muito mais além, ataca o “ser”.
Rousseau voltou à carga, numa segunda obra o famoso: “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens”. Vejamos um trecho do Discurso:
“...O primeiro que tendo cercado um pedaço de terra, teve o atrevimento de dizer “isto é meu” e encontrou gente bastante cândida que acreditasse, foi o fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e assassínios! Que misérias e horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, derrubando os muros ou enchendo as valetas, tivesse gritado aos seus semelhantes: “ guardai-vos de dar crédito a tal impostor, estareis perdidos se vos esquecerdes de que a terra não tem dono e que seus frutos pertencem a todos.”
Neste parágrafo ele aponta para a propriedade como origem da desigualdade e como consequência de todos os males da humanidade.
Para ele neste momento começa toda a degeneração e corrupção entre os homens.
E é por isso que Rousseau nesta obra defende o Estado de Natureza e “o Bom Selvagem”.
Mas para ele o que era “o bom selvagem”?
Aquele que vivia no Estado de Natureza, onde tudo era de todos e se precisasse matar para se defender, o faria. Caçava, pescava, vivia, mas não era corrompido nem degenerado.
Para Rousseau no Estado de Natureza o Homem estava em equilíbrio, seria um estado mais apropriado à paz. Ao contrário de Hobbes que igualava o Estado de Natureza ao Estado de Guerra.
São suas as palavras: “ Concluamos que, errando pelas florestas, sem engenho, sem a palavra, sem domicílio, sem guerra e sem vínculo, sem a menor necessidade de seus semelhantes, assim como sem nenhum desejo de prejudicá-los ... o homem selvagem, sujeito a poucas paixões e bastando-se a si mesmo, tinha apenas os sentimentos e as luzes próprias desse estado...”
Jean-Jacques tinha que prosseguir e escreveu mais obras, dentre elas estão duas de dimensão e intenções desiguais, mas absolutamente complementares. Trata-se : Do Contrato Social e de O Emílio.A primeira a nível político e a outra pedagógico.
Em carta ao arcebispo de Paris, Rousseau, protesta contra a proibição da impressão de suas obras no território francês. Rousseau foi considerado um perigoso, subversivo e teve que passar a sua vida toda fugindo.
Finalmente, somente em nosso século que Rousseau começa a ser melhor compreendido. Como previa, dizia que escrevia para a posteridade. Este cidadão nascido em Genebra, em 1712, mostrou-se em toda sua plenitude, a sua importância em vários domínios do saber e das artes, desde a literatura até a pedagogia e a política.
“Prefiro ser um homem de paradoxos, do que de preconceitos (J.-J. Rousseau)”
À Rousseau nossas homenagens!

Bibliografia consultada:

- Salinas Fortes, L. R. O iluminismo e os reis filósofos. Ed. Brasiliense, São Paulo, 2004.
- Rousseau, J.-J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução: Maria Ermantina Galvão. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2005.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

BREVE ESTUDO SOBRE "TIPICIDADE".

TIPICIDADE
(por Jaime Pimentel Junior)


A Teoria Geral do Delito tem por principal foco a análise do CRIME. Este é enquadrado no conceito amplo de fato jurídico, sendo aquele proveniente da ação humana de cunho ilícito; ficando a cargo do legislador (princípio da legalidade), por meio de política criminal, considerar no feixe de atos ilícitos, aquele que se destaca como crime. Para tanto, o legislador deverá ter em mente que o Direito Penal é seletivo, na medida em que se preocupa com a proteção dos bens jurídicos mais importantes.

Nesse sentido, ganha relevo o estudo do TIPO PENAL, uma vez que, ele é a descrição abstrata do crime, feita pelo legislador. Nesse passo, a adequação entre a conduta da vida real e o tipo penal é chamada de TIPICIDADE, que por seu turno, integra o CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME, sendo um requisito do FATO TÍPICO.

Até 1906, a tipicidade não possuía autonomia, nem sistematização. Em 1906, BELING criou a TEORIA DOGMÁTICA DA TIPICIDADE, dando-a sistematização, apesar de dar-lhe um conceito puramente descritivo, neutro, separou os institutos tipicidade e antijuridicidade. Posteriormente a isso, em 1915, MAYER reformulou as idéias de Beling, criando a TEORIA DA TIPICIDADE INDICIÁRIA, também conhecida como ratio cognoscendi, estabelecendo que, os elementos normativos do tipo deveriam ser analisados na tipicidade e não na culpabilidade, como preceituava Beling; e ainda, a tipicidade representa indício de antijuridicidade, apesar de serem institutos distintos. Assim, para a teoria dogmática, a tipicidade seria o mero enquadramento do fato aos elementos descritos no tipo penal; já para teoria indiciária, a tipicidade seria o enquadramento do fato aos elementos objetivos e normativos do tipo penal, gerando presunção de antijuridicidade.

Em 1930, MAZGER com apoio na DOUTRINA NEOKANTISTA, criou a TEORIA DA RATIO ESSENDI passando a conceber o tipo penal como um TIPO DE INJUSTO, uma vez que, para ele, todo tipo penal é o retrato de um fato valorado negativamente, ou seja, contra o direito. Sendo assim, Mazger entendia que a tipicidade seria mais que indício da antijuridicidade; seria na verdade, a ESSÊNCIA dela. Nessa toada, tipicidade passou a ser inserida dentro da antijuridicidade, sendo a ratio essendi desta.

Ademais, ainda ganhou destaque a TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO, que colocava a antijuridicidade dentro da tipicidade. Assim, as causas excludentes da antijuridicidade passaram a formar elementos negativos do tipo, não devendo estar presentes para haver tipicidade. Denota-se pois, que essa teoria é o oposto da teoria da ratio essendi, posto que, retira autonomia da antijuridicidade colocando-a dentro da tipicidade.

Convém ainda registrar a TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE que tem como principal expoente EUGÊNIO RAÚL ZAFFARONI. De acordo com essa teoria, a tipicidade não se esgotaria em uma TIPICIDADE LEGAL ou FORMAL, devendo ser complementada pela ANTINORMATIVIDADE, isso porque, as normas jurídicas compõe um todo único formador do ordenamento jurídico, destarte, não deveriam ser ignoradas mutuamente. Assim, se alguma norma do ordenamento PERMITIR, FOMENTAR ou DETERMINAR um fato, mesmo que esse fato tenha previsão no tipo penal, faltar-lhe-ia antinormatividade, logo, tipicidade.

Cumpre ainda passar em revista que, a TIPICIDADE PODE SER: DIRETA, quando a conduta se enquadra de imediata no tipo penal, sem a necessidade de interposição de qualquer outro dispositivo; como também, pode ser INDIRETA, quando a conduta depende de uma ampliação no tipo penal para seu enquadramento. È o que ocorre na TENTATIVA, PARTICIPAÇÃO e no CRIME OMISSIVO IMPRÓPRIO.

Na TENTATIVA, opera-se uma AMPLIAÇÃO TEMPORAL da figura típica, devendo-se, pois, utilizar a regra do art. 14, II do CP. Na PARTICIPAÇÃO, há uma AMPLIAÇÃO ESPACIAL e PESSOAL do tipo penal em conseqüência do disposto no art. 29 do CP. Já no CRIME OMISSIVO IMPRÓPIO, ocorre uma AMPLIAÇÃO DA CONDUTA CRIMINOSA por meio da regra prevista no art. 13, §2° do CP.

Outrossim, existem TIPOS PENAIS INCRIMINADORES, que são aqueles que descrevem condutas criminosas; como também, existem TIPOS PENAIS NÃO-INCRIMINADORES, que podem ser: PERMISSIVOS, ou seja, aqueles que descrevem condutas permitidas – causas excludentes da ilicitude; EXCULPANTES, que descrevem condutas excludentes da culpabilidade; e, EXPLICATIVOS, por meio dos quais, trazem conceitos de algum termo jurídico.

Na guisa do raciocínio, os tipos penais possuem as seguintes FUNÇÕES: Garantia da liberdade, uma vez que, somente é considerado crime o que estiver descrito no tipo penal; Marca o início e o termino do iter criminis, auxiliando a distinguir os atos preparatórios dos atos executórios; Diferenciador do erro, logo, eventual ignorância à cerca de algum elemento do tipo, configurará ERRO DE TIPO, afastando o dolo (art. 20 do CP); e, Indica a antijuridicidade, pois, se o fato for atípico, nem se passará a analisar a antijuridicidade (isso com escopo na Teoria da Tipicidade Indiciária de Mayer).

Sobrevela notar que, o tipo é FORMADO por: Dados objetivos ou descritivos, que são aquelas expressões em que há um JUÍZO DE CERTEZA; Dados normativos, que são expressões cujo significado depende de um JUÍZO DE VALOR do magistrado; e, dados subjetivos que são aquelas expressões designativas da INTENÇÃO DO AGENTE.

Ressalta-se ainda que, os tipos penais podem ser CLASSIFICADOS como: TIPO NORMAL, que é o que prevê apenas elementos de ordem objetiva; TIPO ANORMAL, que é o que prevê além dos elementos objetivos, também, elementos normativos e/ou subjetivos. Ainda existe: TIPO FUNDAMENTAL, que é aquele que retrata a forma mais simples da conduta criminosa; e, TIPO DERIVADO, que é o que se estrutura com base no tipo fundamental, somando-se circunstâncias que aumentam ou diminuem a pena. Eles são classificados como: QUALIFICADOS, CIRCUNSTANCIADOS (causas de aumento de pena), e PRIVILEGIADO (causas de diminuição da pena). Tem-se ademais: TIPO FECHADO, que são aqueles que possuem descrição minuciosa da conduta criminosa; e, TIPO ABERTO, que são aqueles que não possuem descrição minuciosa da conduta criminosa, cabendo ao aplicador do direito adaptá-lo no caso concreto. Os CRIMES CULPOSOS são de regra tipos penais abertos; exceção: receptação culposa (art. 180, §3° do CP) tendo em vista um total detalhamento da sua descrição típica. Por fim, destaca-se os TIPOS CONGRUENTES, que são aqueles em que há uma perfeita coincidência entre a vontade do autor e o fato descrito no tipo (é o que ocorre nos crimes materiais consumados); e, TIPOS INCONGRUENTES, que são aqueles em que não há uma coincidência entre a vontade do autor e o fato descrito no tipo (é o que ocorre na tentativa, nos crimes culposos e nos preterdolosos).

Do exposto, fica claro que, no estudo da tipicidade é analisado o tipo penal, tudo desaguando no fato típico; devendo-se sempre ter em mente os princípios da legalidade, anterioridade, taxatividade, fragmentariedade, subsidiariedade, proporcionalidade e a exclusiva proteção dos bens jurídicos, enfatizando-os à luz do princípio reitor de todos, qual seja, a dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito Brasileiro (art. 1°, III da CF), tendo o Direito Penal como o principal meio garantidor da ordem e paz social.

sábado, 8 de setembro de 2012

LIBERDADE.

DISCURSO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA

DE ETIENNE DE LA BOÉTIE

(POR ÂNDREA CRISTINA PIMENTEL PALAZZOLO)



Neste Discurso La Boétie nos convida a uma reflexão sobre a relação servo tirano.
Afinal, que mau encontro foi esse?

Como tantos homens, tantas cidades e nações, suportam um tirano só, que só tem poder porque lhes dão, que não tem o poder de prejudicá-los, senão enquanto têm vontade de suportá-lo, que não poderia fazer-lhes mal algum senão quando preferem tolerá-lo a contradizê-lo?

Ademais, como compreender: ver um milhão de homens servir miseravelmente com o pescoço sob o jugo, não obrigados, mas de algum modo enfeitiçados, apenas pelo nome de um, de quem não devem temer o poderio, pois ele é só, nem amar as qualidades, pois é desumano e feroz para com eles?

Também, como explicar: quando se vê um número infinito de pessoas não obedecer, mas servir, não serem governadas, mas tiranizadas, não tendo nada que lhes pertence, nem a própria vida, aturando roubos, deboches, crueldades, não de um exército, mas de um só?

Não é preciso combater esse único tirano, não é preciso anulá-lo, ele se anula por si mesmo, contanto que o país não consinta a sua servidão, não se deve tirar coisa alguma, e sim nada lhe dar, não é preciso que o país se esforce a fazer algo para si, contanto que nada faça contra si.

Portanto são os próprios povos que se deixam, ou melhor, se fazem dominar, pois cessando de servir estariam quites; é o povo que se sujeita, que se degola, que tendo a escolha entre ser servo ou ser livre, abandona sua franquia e aceita o jugo, que consente seu mal, ou melhor, dizendo, persegue-o.

Como o homem pode ter algo mais caro que restabelecer seu direito natural ( a liberdade) e de bicho voltar a ser homem?

Como o fogo de uma fogueira, basta parar de alimentá-lo, de por lenha, que ele simplesmente consome-se a si mesmo e não mais existe.

É a liberdade, porém um bem tão grande e tão aprazível que, uma vez perdido, todos os males seguem de enfiada, e os próprios bens que ficam depois dela perdem inteiramente seu gosto e sabor, corrompidos pela servidão.

Só a liberdade os homens não desejam, pois se a quisessem tê-la-iam, como se recusassem a fazer essa aquisição, pois ela é demasiadamente fácil.

Aquele que vos domina, tanto, só tem dois olhos, duas mãos, um só corpo e não tem outra coisa senão a vantagem que lhes daí para destruir-vos.

Como ousaria atacar-vos se não estivesse conivente com os mesmo?

Decidas não mais servir e sereis livres, não empurreis, nem sacudais, somente não mais o sustentai, e vereis como um grande colosso, de quem se subtraiu a base, desmanchar-se com seu próprio peso e rebentar-se.

Como se enraizou essa obstinada vontade de servir que agora parece que o próprio amor da liberdade não é tão natural?

Se natureza ministra de Deus e governante dos homens, fez-nos todos da mesma forma, nos figurou todos no mesmo padrão, para que cada um pudesse mirar-se e quase reconhecer um no outro.

Se todas as coisas que têm sentido, assim que os têm, sentem o mal da sujeição e procuram a liberdade, se os bichos sempre feitos para o serviço do homem, só conseguem acostumar-se a servir com o protesto de um desejo contrário, que mau encontro foi esse que pode desnaturar o homem, o único nascido de verdade para viver livremente, e fazê-lo perder a lembrança de seu primeiro ser e o desejo de retomá-lo?

Há 03 tipos de tiranos: uns obtêm o reino por eleição do povo, outros pela força das armas, outros por sucessão de sua raça. Os eleitos tratam o povo como se tivessem pegado touros para domar, os conquistadores os consideram presa sua, os sucessores pensam tratá-los como seus escravos naturais.

É verdade que, no início serve-se obrigado, vencido pela força, mas os que vêm depois servem sem pensar, fazem de bom grado, o que seus antecessores haviam feito por imposição.

Maldita seja a natureza se o costume sorrateiramente vem e se sobrepõe.

São sempre 04 ou 05, os “tiranetes”, que mantém o tirano, que lhe conservam o país inteiro em servidão. Obtiveram o ouvido do tirano e são cúmplices de suas crueldades e companheiros de seus prazeres. Esses seis tem seiscentos que crescem debaixo deles. E desses seiscentos, se fazem seis mil e assim sucessivamente...

Assim o tirano subjuga os súditos uns através dos outros. Estes suportam o mal para poder fazê-lo, não àquele que lhe malfez, mas àqueles que suportam como eles e que nada podem fazer.

Que condição é mais miserável que viver assim, nada tendo de seu e recebendo apenas migalhas?

Por melhor que seja o natural ele se perde se não é cultivado.

Se vivêssemos com os direitos que a natureza nos deu e com as lições que nos ensina, seríamos naturalmente obedientes aos pais, sujeitos à razão e servos de ninguém.

BIBLIOGRAFIA PESQUISADA:
BOÉTIE, Etienne de La. Trad. SANTOS,Laymert Garcia. Discurso da Servidão Voluntária. 2.ed. Editora Brasiliense.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

MENORIDADE

“KANT E A MENORIDADE”
por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo.



“SAPERE AUDE ! (OUSE SABER!)”



O que é a menoridade para Kant?

Ilustre pensador entende que é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem, por comodismo, letargia e falta de coragem.

Afirma que tal menoridade é por culpa própria, reside na falta de decisão de servir-se de si mesmo.

Diferente daquela menoridade (civil) onde falta o entendimento.

É deixar que decidam e façam tudo por você.

De fomentar uma dependência eterna, de fugir das responsabilidades que a vida exige.

Diz Kant : “Sapere Aude”! ( Ouse saber!)

Quando escreveu sobre o tema era o auge do Iluminismo e afirmou ser a palavra de ordem de tal fenômeno. “Sapere Aude!”

Afirma que a preguiça e a covardia são as causas porque os homens continuam menores por toda a vida.

“É tão cômodo ser menor”.

Se eu tenho pessoas que pensam , decidam , falam e fazem por mim, etc.

Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente, por exemplo: pagar, então os outros empreenderão por mim as tarefas aborrecidas.

Tal menoridade para Kant parece ter tornado-se uma segunda natureza. Uma menoridade eterna.

Porém é possível que um público a si mesmo se esclareça, é quase inevitável se para tal lhe for dada liberdade.

Sempre haverá alguns que pensam por si.

O que se exige então é a liberdade, a de fazer uso público da sua razão.

Mas, diz Kant, agora ouço o funcionário de finanças, não raciocines, pague! E o Clérigo, não raciocines acredite!

Por toda a parte se depara com a restrição da liberdade.

Para Kant o uso público da própria razão deve sempre ser livre.

Entende que o uso público da própria razão é aquele que qualquer um, enquanto erudito, dela faz perante o grande público do mundo letrado.

Já uso privado é àquele que alguém pode fazer de sua razão num certo cargo público ou função a ele confiado. Neste caso tem de obedecer. Não se é livre. Exerce-se, in casu, uma incumbência alheia.

Em contrapartida no uso público da própria razão, como erudito, mediante escritos, fala a um público genuíno, ao mundo, assim goza de uma liberdade ilimitada de servir-se da própria razão. Fala em seu próprio nome.

Para Kant “Os homens libertam-se pouco a pouco da brutalidade, quando de nenhum modo se procura intencionalmente nela os conservar.”

Se a natureza desenvolveu a tendência e a vocação para o pensamento livre, então ela atua gradualmente sobre o modo de sentir do povo, e este tornar-se-á cada vez mais capaz de agir segundo a liberdade, e até mesmo sobre os princípios do governo, que entende salutar tratar o homem,segundo a sua dignidade e não mais como uma máquina.


BIBLIOGRAFIA



KANT, Immanuel. A Paz Perpétua e outros Opúsculos. Reposta á pergunta : Que é o Iluminismo? Tradução Edições 70 , lda e Artur Morão- Lisboa – Portugal.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

ILUMINISMO.


Da influência do Iluminismo nos costumes.

(Por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

Quando falamos em Iluminismo nos encontramos diante de uma multiplicidade de pontos de vista doutrinários heterogêneos e na sua aversão aos grandes sistemas filosóficos acabados.

Achamo-nos numa transformação de mentalidades. Numa mutação radical.

A descoberta deste mundo é compreendida inteiramente quando, situamos na luta que opõe a nova classe em ascensão, a burguesia, contra à velha ordem.

Diderot, Montesquieu, Voltaire, Rousseau, dentre outros iluminista, foram os herdeiros de uma transformação ocorrida já no século XVII.

Francis Bacon, René Descartes, John Locke, Spinoza e Isaac Newton, eis aí os marcos iniciais e fundamentais do acontecimento, que já começava a despontar nos séculos XV e XVI no Renascimento.

Desde o século XVII já assistíamos aos golpes fatais contra a velha escolástica.

Há uma nova atitude do homem frente ao universo.

A Razão se propõe como instrumento soberano de conhecimento e ao mesmo tempo de reger os destinos históricos do homem.

Descortinemos o que acontecia naquele momento, mais precisamente, a influência do Iluminismo nos costumes.

1) Nas cartas de baralho as figuras dos filósofos da época

Um original de cartas de 1793, mostra no lugar do rei de paus, temos a figura de Rousseau. No lugar do rei de ouros, a de Voltaire.

O baralho reivindicando para os filósofos o lugar real, realiza simbolicamente um ideal, que a gestão da sociedade, da cidade, seja submetida ao império da Razão, eis aí a idéia mestra das Luzes, a palavra de ordem principal. Velha utopia que encontrou sua primeira formulação nas páginas da República de Platão.

2) O Poder Público patrocinando pesquisas científicas

Do ponto de vista do conteúdo das doutrinas ou das grandes descobertas, o século XVIII pouco acrescenta na realidade às conquistas anteriores.

Não há dúvida de que na pesquisa o clima é de notável efervescência. Vemos o próprio poder público patrocinando dispendiosos experimentos científicos: por ex., o governo de Luís XV envia equipes de sábios ao Peru e à Lapônia para medir os graus do meridiano em busca de confirmação para a teoria newtoniana.

3) Multiplicam-se as Academias científicas

4) Nova atitude do Filósofo: sai do círculo fechado de seus pares e vai para os famosos salões privados:

O que é próprio do século XVIII é a postura, a atitude que se liga ao nome de filósofo. Ele não será mais visto como um especialista a debater idéias no círculo fechado de seus pares. Sua ambição é sair pelas ruas, ou melhor, pelos famosos salões privados mantidos por personalidades, em intermináveis noitadas de discussões que são uma instituição típica do século.

5) Ampliam-se os círculos de pessoas que lêem:

O sonho desses intelectuais é intervir nos acontecimentos e desenvolver uma intensa atividade pedagógica e civilizatória. Graças a isto ampliam-se os círculos de pessoas que lêem, constitui-se um público cultivado e se organiza o espaço de uma verdadeira “opinião pública”.

Além disso, o que diferencia o novo racionalismo daquele dos precursores, é que não pretendem edificar sistemas acabados. A Razão é concebida de forma diferente. Enquanto para os precursores consistia na região em que habitam as verdades eternas, ela passa a ser vista agora como forma determinada de aquisição. É uma energia que nos conduz ao descobrimento da verdade, a ser apreciada não pelos seus resultados, mas em seu exercício e em sua ação.

6) Incentivo às mães amamentarem seus filhos

Porque Rousseau escreveu no Emílio que as mães deviam amamentar os seus filhos com seu próprio leite, depois do grande sucesso do livro várias mães saíam em público amamentando. Até as damas da corte iam com seus bebês para os teatros, para a Ópera e ternamente, durante o intervalo, amamentavam os seus lindos bebês.

7) Época de crítica cultural e Relatos de Viagens

Rousseau com o Discurso sobre as Ciências e as Artes e depois com o Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens, faz uma crítica implacável a sociedade vigente.

Assim também Montesquieu, com as Cartas Persas satiriza os costumes e critica as instituições européia. Esta obra também se caracteriza por relatos de viagem.

8) Inaugura-se uma análise de ciência política

Com Montesquieu inaugura-se uma análise de ciência política. Para ele não há leis justas ou injustas deste ponto de vista, mas leis mais ou menos adequadas a um determinado povo, circunstâncias, época e lugar.

9) Dogma da Declaração dos Direitos do Homem de 1789: a Tripartição dos Poderes

Na sua obra O Espírito das Leis, Montesquieu, formulará a célebre teoria da separação e distinção dos poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Esta teoria será transformada em verdadeiro dogma pela Declaração dos Direitos do Homem de 1789.

10) Fonte de inspiração dos revolucionários

Apesar de Montesquieu ser fiel à nobreza e as suas convicções aristocráticas, graças a uma certa ambigüidade que reina em seu texto, ele será amplamente utilizado e admirado pelos revolucionários de 1789.

11) A influencia das Luzes na independência dos Estados Unidos

O principal centro das Luzes foi a França e sua capital, Paris, mas também se espalharam por toda a Europa e até mesmo as Américas, especialmente os Estados Unidos, sobre cuja formação e independência nacional influíram decisivamente.

12) A elaboração da Grande Enciclopédia

Quando se fala na Filosofia das Luzes pensa-se logo na grande Enciclopédia. Não era uma enciclopédia como outra qualquer. Dedica-se sobretudo às ciências, às artes e aos ofícios e busca mostrar as ligações que se estabelecem entre seus diferentes setores.Foram convocados os espíritos mais brilhantes como colaboradores da Enciclopédia, tais como: Diderot, Montesquieu, Voltaire e Rousseau, além de especialista das mais diversas matérias e profissionais liberais

Difícil é dar uma idéia do conteúdo variado do conjunto de textos que compõem a Enciclopédia. Se o catolicismo teve sua Suma Teológica em São Tomás de Aquino, a burguesia também teve na Enciclopédia a sua Suma Filosófica.

13) A Influências das Luzes em alguns Reis: os Reis-Filósofos?

Alguns monarcas europeus tentaram encarnar o ideal, em termos políticos, da grande aspiração própria do Iluminismo e de acordo com a qual a Razão humana, apossando-se do poder político, estaria em condições de conduzir o homem à plena realização do seu destino.

14) Frederico II da Prússia

De todos os déspotas esclarecidos, o mais representativo é , sem dúvida, o célebre Frederico II (1712-1786) da Prússia. Também conhecido como Frederico, o Grande. Expressão perfeita do rei-filósofo, já que, além da sua atividade como governante, legou-nos uma curiosa e não destituída de importância obra teórica filosófica.

Frederico foi incentivador das letras, artes, ciências e modernizador das regiões atrasadas.

Tendo reinado durante quarenta e seis anos, o velho Fritz se pôs principalmente a serviço do desenvolvimento econômico.

15) O Imperador José I da Áustria foi agente modernizador e tolerante com as religiões

Buscou introduzir reformas no país que modificassem o exagero do atraso medieval. Em que pese ser católico, sua política religiosa foi pela tolerância com todas as religiões, influenciado pelas Cartas Inglesas de Voltaire.

16) A Imperatriz Catarina II da Rússia também foi modernizadora

Leitora apaixonada dos Enciclopedistas e correspondente de alguns deles, como Voltaire e Diderot.

Copiou grande parte O Espírito das Leis de Montesquieu.

Funcionou igualmente como agente modernizador. Nas diretrizes que enviou a uma Assembléia de deputados em 1767, Catarina copiou em grande parte O Espírito das Leis de Montesquieu.

Edificou um grande parque industrial de minas de metalurgia na região dos Montes Urais.
Destarte, não há como negar, o brilho das luzes sobre o costume de seu povo !

A influência do pensamento no comportamento.

A relação de causa e efeito.


Bibliografia:

Salinas Fortes, L. R. O iluminismo e os reis filósofos. Ed.

Brasiliense, São Paulo, 2004.

sábado, 2 de junho de 2012

SERÁ QUE NASCEMOS HUMANOS?

Com a pergunta deste título, Dra. Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo chama-nos a refletir sobre, se de fato nascemos humanos, ou tornamo-nos humanos?!?!?!

Sendo assim, com sua desenvoltura sem igual, Dra. Ândrea estabelece bases de informação nos ensinamentos de Condilac, Locke e Marx, inclusive indicando um filme para orientar-nos o pensamento e compreensão do tema.

Acompanhe o raciocínio da autora deste post que inclusive completou mais uma primavera no dia 30/05.... Parabéns nossa "Andrinha"..... Aliás, quem nos deu o presente foi você.... Te amamos e obrigado por mais este ensaio filosófico!

NASCEMOS HUMANOS?

                          Qual sua resposta para a pergunta?                    
Condilac, Locke e Marx nos orienta.
                      Não, não nascemos humanos.  Pois o caráter humano, a humanidade, não está em cada indivíduo quando nasce, ela é exterior a esse indivíduo.       

                       Mas o que é humano, o que é humanidade?

                       Segundo Bernard Charlot, considera-se humano, o conjunto  do que a espécie humana produziu ao longo de sua história: prática, saberes, conceitos, sentimentos, obras, etc.

                     E com a Educação permite a formação da humanidade em cada indivíduo, é Hominização, ou seja, a apropriação do humano por cada indivíduo.

                     Como bem descreve Dermeval Saviani a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos.

                     No filme francês de 1970, O Garoto Selvagem ou  O Menino Selvagem, encontrado no www.youtube.com , dirigido por François Truffaut, baseado no livro de Jean Itard (1774-1838), um médico francês que se torna responsável pela educação de uma criança selvagem, constatamos isso.

                    A história baseia-se em fatos verídicos, narra o encontro de um garoto selvagem, do final do século XVIII que supostamente nunca teve contato com a sociedade, não anda como um bípede, nem fala, lê ou escreve. Ele é resgatado com cerca de doze anos de idade e passa a ser objeto de estudo de um professor ávido pelo conhecimento da condição humana.
                    Nesta película fica demonstrado o desafio em tornar o menino selvagem, humano, as dificuldades em educá-lo, em hominizá-lo.

                   Relevante é o papel do educador no contexto e as limitações próprias do século XVIII.
                   Pois como observa Bernard Charlot a Educação é um tríplice processo de Humanização, Socialização e Singularização.      

                  A humanização do menino selvagem, Victor, parece tão eficiente que ele não consegue mais viver na natureza. A cultura com seus confortos ( agasalhos, cama, leite, roupa, comida) tornou-se sua segunda natureza.

                 Já a socialização, ela é dificultada pelo médico e educador, Itard, pois submete Victor a uma segunda privação, restringindo-lhe os contatos.

                O mesmo se dá quanto à singularização, violentada pelo médico ao não levar em conta desejos e limites de seu aluno.

                Em que pese as boas intenções de Itard com Victor percebe-se a falta de adequação levando-o a exaustão, para que ele lesse, escrevesse e falasse.

              Saviani define adequação como o saber dosado e seqüenciado para efeitos de sua transmissão.

                 Entretanto, como bem relata o filósofo e educador, o automatismo é condição de liberdade e que não é possível ser criativo sem dominar determinados mecanismos, é como apreender a dirigir . A liberdade só será atingida quando os atos forem dominados.

                    Esse fenômeno também está presente no processo de aprendizagem através do qual se dá a assimilação do saber sistematizado, exemplo da alfabetização, é necessário dominar os mecanismos próprios da linguagem escrita, é preciso fixar certos automatismos, incorporá-los, torná-los parte de nosso corpo, integrá-los em nosso próprio ser.
                Assim dominadas as formas básicas, a leitura e a escrita podem fluir com segurança e desenvoltura.

                Deste modo a aprendizagem se converte numa espécie de segunda natureza, tal designação é pelo fato de que consideramos atos naturais o saber ler e escrever.

                Interessante que, parece uma habilidade natural e espontânea no entanto trata-se de uma habilidade adquirida e nada espontânea.

               No filme isto é bem demonstrado e a sobrecarga, um tanto quanto questionável, nas tarefas educacionais diárias.

                Fica em aberto várias perguntas a serem respondidas e teses a serem levantadas quanto ao não desenvolvimento da fala no garoto, em que pese conseguir plenamente se comunicar, a linguagem verbal não foi desenvolvida.

              O fato é que com êxitos e frustrações, o professor e tutor do menino, serve como mediador do saber.

            Embora Itard faça um rigoroso “ mea culpa”, é preciso entende-lo como um intelectual iluminista que via no domínio da fala a superação da animalidade.          

              Seja no passado, presente ou futuro:         

              A cada dia, o selvagem que  há dentro de nós se torna mais humano.

             Eis o  devir (tornar-se) contínuo : do selvagem ao humano. Num eterno porvir (futuro). 

quinta-feira, 3 de maio de 2012

"TEMPOS DE GUERRA OU TEMPOS DE PAZ?"

Ensaio filosófico da Dra. Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo, bacharel em direito pela UNESP, Delegada de Polícia em São Paulo e graduanda em filosofia pela PUC/SP.
Para desenvolver este ensaio, Ândrea inspira-se em Thomas Hobbes, bem como, na mitologia grega. Acompanhemos o raciocínio da autora:

Nesta época em que vivemos pergunta-se:

Estamos em Tempos de Ares ou de Athena? [Ares era o Deus da Guerra e Athena a Deusa da Paz, Sabedoria e Justiça na Antiguidade Grega].

Tempos de Guerra ou de Paz?

Thomas Hobbes (1588/1679) em sua obra o Leviatã, Capítulo XIII, conceitua o que é para ele Tempos de guerra. Vejamos:
” Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida. Portanto na noção de “tempo” deve ser levada em conta quanto à natureza da guerra, do mesmo modo que quanto à natureza do clima. Porque tal como a natureza do mau tempo não consiste em dois ou três chuviscos, mas numa tendência para chover que dura vários dias seguidos, assim também a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal, durante todo o tempo em que não há garantia do contrário. Todo o tempo restante é de paz."

Adiante dá as seguintes considerações e exemplos: “Mas mesmo que jamais tivesse havido um tempo em que os indivíduos se encontrassem numa condição de guerra de todos contra todos, de qualquer modo em todos os tempos os reis, e as pessoas dotadas de autoridade soberana, por causa de sua independência vivem em constante rivalidade, e na situação e atitude dos gladiadores, com as armas assestadas, cada um de olhos fixos no outro; isto é, seus fortes, guarnições e canhões guardando as fronteiras de seus reinos, e constantemente com espiões no território de seus vizinhos, o que constitui uma atitude de guerra.”

E, ainda segue: ”que seja portanto ele (alguém) a considerar-se a si mesmo, que quando empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; que quando vai dormir fecha suas portas; que mesmo quando está em casa tranca seus cofres; e isto mesmo sabendo que existem leis e funcionários públicos armados, prontos a vingar qualquer injúria que lhe possa ser feita.”

Diante de tais argumentações questiona-se:

Em tempos atuais , por que as fronteiras são tão vigiadas, investe-se tanto nas Forças Armadas, compra-se e fabrica-se uma infinidade de “caças”?

Por que Tribunais Internacionais?

Por qual razão trancamos e checamos se as portas estão fechadas, temos cofres, andamos armados, cercamos nossas casas, investimos em todo o tipo de segurança?

Para que tanto aparato e tanta desconfiança?

Qual a ameaça?

Em que Tempos vivemos?

Tempos de Ares ou de Athena?

Chronos (o tempo) passou e não passou?


sexta-feira, 27 de abril de 2012

O CASO DOS DENUNCIANTES INVEJOSOS.

           O Professor DIMITRI DIMOLUS traduziu parte da obra do autor LON LUVIS FULLER (1902-1978) chamada: “The morality of Law”, que nos concede o título desta resenha.


De fato, excelente livro tanto para reflexões acadêmicas quanto para as cotidianas e políticas.
            Nesse sentido, DIMITRI após a tradução do cenário contextual dos fatos (1ª parte do livro) traz pareceres sobre a interpretação do caso (2ª parte do livro), chamando-nos a adotar uma posição e de fato justificá-la.
Confesso que nunca tive coragem de escrever e justificar minha posição. Até sinalizo algumas justificativas invocando as características do Poder Constituinte Originário (inicial, autônomo, ilimitado, incondicionado e poder de fato e político) todavia, estremeço-me frente as características dos Direitos Humanos (destaco a universalidade, indisponibilidade, aplicabilidade imediata, historicidade/proibição do retrocesso e imprescritibilidade).
Aliás, até expresso minha opinião em sala de aula e palestras, já que, “as palavras voam, os escritos permanecem - VERBA VOLANT, SCRIPTA MANENT ”.
Contudo, posso afirmar (não que seja minha opinião) que fui (fomos) presenteado(s) com o parecer de um amigo – Dr. ADAUTO SUANNES, e para ser fiel à verdade real dos acontecimentos, parecer este gerado graças a ação de meu sogro Maurício Pazini Brandão que presenteou Adauto com o livro traduzido por Dimitri (o desencadeamento dos fatos se deu quando meu pai, Jaime Pimentel, indicou e emprestou o livro para Maurício que leu e adorou, presenteando Adauto com um exemplar).
Peço vênia a nosso leitor, bem como e principalmente a você ADAUTO, para publicar ipsis litteris seu entendimento; e aproveito para agradecê-lo por brindar-nos com esta leitura.

Texto retirado do blog: www.circus-do-suannes.blogspot.com

            “Em 2009 o STF alterou sua jurisprudência com relação à possibilidade de cumprimento das penas logo depois da confirmação da sentença em segundo grau. Em 2009 isso mudou. Não concordei com essa posição e discordo dela até hoje.” (Ministra Ellen Gracie Northfleet, revista Veja, edição de 31/08/2011)".
Lon Luvois Fuller, nascido com o século passado, tornou-se professor de Direito na Universidade de Harvard. Deixou um livrinho, que era um desafio a seus alunos e que muitos estudantes brasileiros já foram instados a ler: “O caso dos exploradores de cavernas”. A hipótese por ele trazida no livro foi tornada realidade tempos depois, quando, havendo caído um avião com passageiros nos Andes, os sobreviventes passaram a alimentar-se com a carne dos falecidos. Como você agiria se lá estivesse?
Em outro livrinho, menos conhecido por aqui, Fuller inventa uma situação mais complexa: em certo país, o governo é assumido por determinado partido, que tem maioria absoluta no Poder Legislativo e muitos simpatizantes no Poder Judiciário. Ele poderia estar falando da Alemanha nazista, do México do século passado, da Cuba atual, da Venezuela ou do Brasil. Graças a esse poder, o tal partido faz aprovar leis curiosas, como aquela que exige dos cidadãos que, quando perderem seu documento de identidade, denunciem o fato às autoridades, em cinco dias, para cancelamento, evitando-se, assim, que alguém, contrário ao regime, se utilize desse documento para fins escusos. A desobediência a tal regra era sancionada com a pena de morte, a ser imposta num processo judicial, por estar em risco a segurança nacional.
Tal como aconteceu na Alemanha pós-nazismo, na Espanha pós-Franco e no Portugal pós-Salazar, com a morte do líder carismático e a eleição de novos governantes, aquelas leis foram revogadas. Ficou, porém, uma “herança maldita”: aqueles que se consideravam vítimas de leis injustas passaram a acionar o governo para pedir reparação dos danos sofridos e a punição daqueles que deram cumprimento a tais “leis injustas”, aí incluídos os juízes. No livro de Fuller, são consultados cinco membros do Legislativo, dando cada qual seu parecer sobre o assunto. Cabia aos alunos adotar uma dessas opiniões, refutando os argumentos das outras quatro.
O professor Dimitri Dimoulis, da Fundação Getúlio Vargas, vem de lançar a tradução do livro, acrescentando, por sua conta, a opinião de cinco juristas, tão fictícios como os deputados de Fuller, cada qual dando seu parecer sobre o tema. Ao finalizar o livro, Dimoulis recomenda a seus alunos: a partir da argumentação dos juristas, tome partido, aderindo a um dos pareceres. Mas, diz ele, “explique o porquê”.
E diz mais: “Defenda bem e detalhadamente a sua opinião. Só se esta for convincente a solução contará com o apoio dos demais”. O que me faz inventar um sexto jurista, o prof. Suarez, que pede licença para por sua colher de plástico nesse caldeirão de polenta.

Em primeiro lugar, quando se diz, como enfatiza o Prof. Satene, que não podemos falar em “violação do direito” sem antes definirmos o que entendemos por direito, pois “todos usamos esse termo mas cada um entende algo diferente”, está-se a dizer que nenhuma definição de Direito logra dizer exatamente o que é aquilo que se busca definir. O que me faz lembrar do estudante de Teologia que, passeando pela praia, viu uma criança a fazer um buraco onde, segundo revelou ao futuro santo, pretendia enfiar toda a água do mar. Agostinho, esse o nome do seminarista, deu um tapa na nesta e limitou-se a exclamar “É isso!”, referindo-se à impossibilidade de o homem conceituar Deus.
“Putas quid est Jus?” poderemos indagar, parafraseando o santo. Acaso imaginas poder entender o que é o Direito? Falas em Justiça como se fosse possível ao homem equiparar-se a Deus que, justo embora, a mais não ser, consegue julgar-nos com tal benevolência que temos a certeza de estarmos longe da Geena. Sendo, por hipótese, absoluto e detentor de toda a verdade, a ponto de desafiar seu julgador, permite a nossa inteligência o atrevimento de tentarmos alcançá-la. Como pode?
“Quid est Veritas?” indaguemos a qualquer juiz e tudo o que ele nos dirá é: “É aquilo que ficar provado no processo.” Vejamos, então, uma historieta: alguém é processado criminalmente sob a acusação de haver furtado a bolsa de A, a caneta de B e o relógio de C. Condenado pelo juiz singular, apela ao tribunal, sendo seu recurso submetido, como é a regra, a três juízes. O primeiro juiz, relator do processo, reconhece que a prova demonstra apenas a ocorrência do furto da bolsa, devendo o apelante ser absolvido das demais acusações; o segundo juiz, revisor do processo, reconhece que a prova demonstra apenas a ocorrência do furto da caneta, devendo o apelante ser absolvido das demais acusações; e o terceiro juiz, vogal, como se diz no foro, reconhece que a prova demonstra apenas a ocorrência do furto do relógio, devendo o apelante ser absolvido das demais acusações. Quatro juízes chegam a esta verdade: ali está um ladrão. Ele, no entanto, deverá ser absolvido, pois nenhuma das três teses foi sufragada por, pelo menos, dois juízes do tribunal. Que verdade e essa?
Em segundo lugar, tenho também por inconsistentes os reclamos de minhas colegas do gênero feminino, como é de bom tom dizer hoje em dia. Se o caso sob julgamento alude apenas a homens é porque a hipótese versava sobre o comportamento de homens. O reclamo denuncia o complexo de inferioridade que tem a maioria das mulheres, incapazes de reconhecer as diferenças, físicas e psíquicas, existentes entre elas e os homens. Quem atribuiu ao casamento o nome de matrimônio (mater + munus) tinha em mente um fato social: com a união de um homem e uma mulher, é a ela que compete cuidar da prole e da casa. Ao homem compete obter os recursos para formar o patrimônio do casal (pater + munus). Isso, certamente, não foi inventado por uma só pessoa.
Por fim, last but not the least, tenho por risível a responsabilização, civil ou criminal, do homem que levou o marido de sua amante à morte. Se eu vir meu desafeto a atravessar a rua, certamente rezarei com todas as minhas forças a Deus pedindo-lhe que mande um caminhão em alta velocidade para tirar deste mundo aquele canalha. Se Deus me atender, acaso merecerei ser chamado de homicida? Eles que se entendam lá em cima (ou lá embaixo). Sendo Deus, por hipótese, o dono da vida, que nos empresta por prazo que só Ele conhece, se, naquele caso concreto, Ele a reivindicou manu militari, se assim posso dizer sem cometer heresia, certamente porque não confia nos nossos juízes, que culpa me cabe?
Tenho, Senhor Ministro, por equivocadas as conclusões de alguns deputados e alguns de meus colegas, exatamente porque partem de premissas inaceitáveis.
Para não alongar-me em demasia, digo que, a meu aviso, certos fatos sociais, embora produzidos por seres humanos, são apenas manifestações das forças da natureza, algo que as apólices de seguro chamam, atrevidamente, de “atos de Deus”. Um grupo de leões foge de um zoológico e caça pessoas, matando-as e matando, também, sua natural fome. Ondas do mar encapelam-se e invadem a praia num tsunami, matando gente e destruindo tudo o que encontram pela frente. Um doente mental empunha uma arma de fogo e mata, sem motivo objetivo algum, dezenas de pessoas. Um vulcão entra em erupção. Qual a providência judicial que restabelecerá a paz social quebrada por esses acontecimentos? Certamente nenhuma.
De outra parte, e para finalizar, qual a função do juiz criminal senão a de chamar para si o desejo de vingança diante de alguém que, mercê de seu atrevimento, causa danos a pessoas específicas ou ao conjunto dos moradores da sociedade? Ao menos é isso que as “pessoas de bem” esperam dele. Um psicopata, cuja insensibilidade ética (o que quer que seja isso) impede-lhe que tome consciência do mal que causa, por ação ou omissão, àqueles que com ele se relacionam, poderá ser impedido de assim agir? Ele tem escolha? Certamente não. O mesmo se diga com relação aos membros da classe política, que, como regra, confundem seus interesses particulares com os interesses da população que dizem representar. Se a finalidade da condenação criminal é a “ressocialização” dos criminosos, que medidas devem ser tomadas para que esses políticos abram mão de uma característica que parece ser-lhes própria?
O mesmo se diga dos arroubos patrióticos. Como é geralmente sabido, o hoje idolatrado Walt Disney era um patriota como tantos outros, que, por isso, não se negava a indicar ao senador Joseph McCarthy o nome de pessoas suspeitas de simpatizar com o comunismo. Muitos colegas dele perderam o emprego por isso. Durante a II guerra, os EUA tinham um espinho na garganta. Ou, melhor, dois: Getúlio Vargas, no Brasil, e Juán Domingo Perón, na Argentina. Ambos simpatizavam com o nazismo, valendo lembrar que, encerrada a guerra, um número enorme de nazistas fugiu para esses países, como Adolph Eichmann e Josef Menguele. Os EUA sempre procuraram cativar os países da América latina, desenvolvendo, para isso, o projeto da The Good Neighbor Policy, que criou e alimentou vários ditadores, cuja conduta jamais veio a ser questionada pelo alimentante. Naquela época (antes do fim da II Guerra Mundial), Disney foi chamado para ser um dos embaixadores desse estreitamento. Daí, por exemplo, o engajado filme "Alô Amigos". Os políticos não brincam em serviço.
Quando se diz que a possibilidade da pena de prisão inibe a prática de crimes faz-se uma afirmação que a realidade desmente. O criminoso cuja ação é descoberta, por força de mera falta de sorte, algo que os criminólogos chamam de “chiffre noir”, mesmo que venha a ser condenado e cumprir efetivamente a pena, na maioria dos casos não se “ressocializa”. Se for inteligente, na próxima vez procurará deixar menos rastros.
Em conclusão, tenho por absoluta perda de tempo voltarmos os olhos para o passado. Isso não elimina os efeitos de um tsunami nem traz de volta à vida quem daqui foi levado. É vivermos o presente, da melhor maneira que pudermos (o que quer que nos diga a Ética, a Religião ou a nossa consciência) e procurarmos criar condições para que os fatos desagradáveis do passado não se repitam.
Outrossim, a idéia de que, defendendo bem e detalhadamente a minha opinião e tornando convincente a solução proposta, contarei com o apoio dos demais juristas é também pura ingenuidade. O que a experiência mostra é que a vaidade, em tais discussões, fala mais alto, impedindo que a razão coteje com imparcialidade os argumentos opostos.
Sei que alguns dos meus colegas me chamarão de cínico. Eu prefiro que me chamem de pragmático.
            A propósito, permita-me Vossa Excelência, Senhor Ministro, uma pergunta final: é possível fechar a boca de um vulcão?