domingo, 29 de janeiro de 2012

Artigo escrito pelo juiz Federal Mássimo Palazzolo - revista TRF 3.

DAS MEDIDAS CAUTELARES E O PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL MOTIVADA.
SUMÁRIO:

As mudanças estruturais no trato das prisões e da liberdade provisória, se desacompanhadas do respeito aos princípios da persuasão racional e da independência funcional, colocarão em xeque o arcabouço do Direito Processual Penal Constitucional.
Portanto, o respeito a estes princípios fortalece o Poder Judiciário como independente, sendo uma garantia para todos os direitos.

DESENVOLVIMENTO DO TEMA:

“Justiça é um sentimento que em sua abstração abarca harmonia, simetria e equidade. Ihering foi muito feliz ao comparar o sentimento de justiça ao sentimento de amor, afirmando que sua força jaz no sentir. Sobre o sentimento que uma injustiça acarreta, diz que ‘quem nunca sentiu essa dor, em si mesmo ou em outrem, ainda não compreendeu o que é o direito, mesmo que saiba de cor todo o corpus juris. Não é raciocínio, mas só o sentimento que pode dar-nos essa compreensão, e é por isso mesmo que o sentimento de justiça costuma ser designado com toda razão como a fonte psicológica primordial do direito’.”(*)
Assim, não resta a menor dúvida de que a Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, trouxe profunda transformação no que diz respeito à prisão e à liberdade provisória, pois, faz valer àquela, conforme o Direito Processual Penal Constitucional, o instituto da ultima ratio para o cerceamento da liberdade ambulatória de alguém que tenha violado norma penal incriminadora.

É certo que a nova lei fez inserir inúmeras alternativas, como medidas cautelares, que não o cárcere, conforme prescrito nos arts. 319 e 320, do Código de Processo Penal, ipsis verbis:

“Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
IX - monitoração eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 4º A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

Art. 320. A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).”

Também é certo que as medidas cautelares podem ser impostas ainda durante a primeira fase da persecução penal, mesmo sem que tenha havido prisão em flagrante ou mesmo em substituição desta, quando não cabível a prisão preventiva, consoante dispõem os arts. 282, I, II e §§ e 310, I, II e III, e 321, todos do Código de Processo Penal, ipsis verbis:

“Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 1º As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante
requerimento do Ministério Público. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

Art. 321. Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).”

Notamos, pelos dispositivos supracitados, que se busca garantir o princípio da não culpabilidade, com a imposição de medidas cautelares que não a prisão, mas, se esta for necessária e indispensável, deve se fundar em ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, nos termos do que prescreve o art. 5º, LVII e LXI, exceto as transgressões militares e os crimes propriamente militares, ipsis verbis:

“LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.”

É certo que, por meio da persuasão racional motivada, pode o juiz, em um determinado caso concreto, entender que a prisão do infrator é a única medida adequada e indispensável naquele caso, nos termos constitucionais, conforme dispõe o art. 93, IX, ipsis verbis:

“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).”

Por outro lado, também é certo que, por meio da persuasão racional motivada e/ou livre convencimento motivado, pode o tribunal, através de recurso, entender que a prisão do infrator, naquele caso concreto, não foi adequada e indispensável, podendo ser substituída por outra medida cautelar, que não a prisão.

Ocorre que o tribunal, para fazer valer sua decisão, não deve determinar ao mesmo juiz que decidiu pela prisão do infrator, como necessária e indispensável, que aplique outra medida cautelar que entender necessária e adequada.

Pensamos que, para não serem violados os princípios da persuasão racional motivada e da independência funcional, nestes casos, deveria o próprio tribunal aplicar a medida cautelar que entendesse necessária e adequada, ou mesmo que determinasse a outro órgão judicial aplicar a medida cautelar, a exemplo do que ocorre se o órgão do Ministério Público vier a propor o arquivamento do inquérito policial ou de peças de informação, ao invés de oferecer a denúncia, nos termos do art. 28, do Código de Processo Penal, ipsis verbis:

“Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.”

(*) FÉLIX,Luciene. Justiça ou vingança? Artigo de Filosofia. Carta Forense. 2009


BIBLIOGRAFIA:

Código de Processo Penal. Disponível em www.planalto.gov.br
MORAES, Alexandre de (org.). Constituição da República Federativa do Brasil. Manuais de Legislação Atlas. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Manual da monografia jurídica. 4. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.


REFERÊNCIA PARA ESTE ARTIGO - Revista TRF 3ª Região nº 110, nov. e dez./2011.

SOBRE O AUTOR - MASSIMO PALAZZOLO Doutorando em Processo Penal pela PUC/SP, Mestre em Direito pela UNIMES/Santos/SP e Juiz Federal em Bauru/SP.