sexta-feira, 4 de outubro de 2013

MONTAIGNE

“ Ética em Montaigne ”
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

O grande prazer que nos proporcionam os Ensaios do filósofo francês Michel de Montaigne (séc. XVI) provém do grande prazer que ele experimentou em escrevê-los. Neles foi um crítico da autoridade intelectual, antes do Iluminismo; um frio observador da sexualidade humana, antes da psicanálise; um estudioso imparcial de outras culturas, antes do nascimento da antropologia social.

Na Ética Montaigne ataca o pedantismo, exprimindo o alcance extremo dessa consciência crítica, operando no sentido da afirmação de uma nova cultura, fundada na experiência e no livre exercício do jugement. Educado nos moldes da mais perfeita orientação humanista e do interior desta cultura empreendeu a transgressão de seus limites.

Busca conscientemente o avesso de uma nova orientação para o pensamento, para o discurso, para a ação e a condução da vida.

Desliza de maneira consciente e refinada entre o sujeito ético que respeita o ethos vigente para o sujeito ético transgressor, propondo um ethos profundamente diverso de seu tempo.

Com Montaigne surge uma nova figura cultural, uma nova disciplina moral a do homme suffisant, ética e intelectualmente capaz, destituído de princípios, normas, paradigmas de ações já bem estabelecidas, desafiado a encontrar em si mesmo, arrimo para seus julgamentos e decisões de ordem prática.

Veta à ação qualquer possibilidade de acesso a medidas prévias, externas ao próprio agente.

Descarta guias da moralidade, este procedimento de generalização que sustenta os paradigmas morais conferindo-lhes uma ilusória identidade.

A leitura dos livros, para ele, constituirá apenas uma das respostas à necessidade de praticar os homens.

Entende que o próprio mundo seja o livro de seu aluno (1,26).

Quanto aos clássicos lembra a advertência de Petrarca, seja para nós escola da vida e não de retórica.

Para Montaigne da experiência deve-se tirar o fruto que possa formar seu julgamento. Não basta contar as experiências, é preciso digeri-la, para tirar as razões e conclusões que trazem. A experiência se manifesta não como conhecimento, mas como vivências passadas harmonizando com as ações presentes.

Entende que, a singularidade dos casos exige do agente uma fina atenção para a diversidade, uma firme disposição para buscar orientação, tão somente em si mesmo, apoiado apenas na própria experiência.

Diz o ensaísta: Não há nenhuma qualidade tão universal nesta imagem das coisas quanto a diversidade (III,13).

Propõe a avaliar julgando a olho, caso por caso, não por atacado por lições escolásticas.

Afirma a inteira particularidade dos casos e situações enfrentados no domínio da ação, que frustra toda aspiração por uma lei ou por um saber propriamente normativo.

Critica a presunção e o dogmatismo. Que sais-je?(Que sei eu?) é a frase que a posteridade tem associada mais intimamente a Montaigne.

Nas vigas da sua biblioteca fez inscrever não há nada certo exceto a incerteza e suspendo o juízo ( de Sexto Empírico).

Uma por uma, as ideias céticas de Montaigne são reminiscências de seus predecessores, mas a combinação delas é própria dele.

Atesta a inconstância dos homens e do universo, inspirando em Heráclito constata que tudo muda o tempo todo, reafirmando a instabilidade das coisas, e paradoxalmente a única constância é que tudo muda.

Critica à autoridade intelectual, duvida do poder da razão humana para alcançar a verdade. Lança o desafio as opiniões. Montaigne afasta as certezas das artes e da ciência, duvida e investiga, inscreve a experiência num outro horizonte, a da diversidade da natureza e da inconstância dos homens.

Para ele a história ensina que natureza humana é essencialmente a mesma, apesar da diversidade de costumes e das diferenças entre um indivíduo e outro.

Não retrato o ser. Retrato a passagem (...) (3.2).

Lembrando Sócrates, destaca o conhecer a si mesmo.

É preciso tirar a máscara tanto das coisas como das pessoas (1.20).

Não há nada tão belo e legítimo quanto desempenhar bem e adequadamente o papel de homem, nem ciência tão árdua quanto a de saber viver bem e naturalmente esta vida; e de todas as nossas doenças a mais selvagem é menosprezar nosso ser (3.13).

Bibliografias:

1) Montaigne Michel de, Ensaios, Os Pensadores vol. XI, tradução Sérgio Milliet, editor Victor Civita,1ª edição,1972;
2) Cardoso Sérgio, Texto: “Montaigne: uma ética para além do humanismo”, Encontro de 2007 ‘GT Ética e Política no Renascimento’;
3) Burke Peter, Montaigne, tradução Jaimir Conte, edições Loyola, 2006,São Paulo.