quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

FOUCAULT - II

ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA E RESISTÊNCIA EM FOUCAULT
 ( por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

“(...) o que me surpreende é que em nossa sociedade a arte esteja relacionada apenas aos objetos e nunca aos indivíduos e à vida; e, também, que a arte esteja num domínio especializado, o dos ‘experts’ que são artistas. Mas a vida de todo indivíduo não é uma obra de arte? Por que uma mesa ou uma casa são objetos de arte, mas não as nossas vidas?” ( Foucault, M. Ditos e escritos. Vol.IV, p.629).

Para Foucault a questão de inventar novos modos de subjetividade, novos estilos de vida, novos vínculos e laços comunitários, novos modos de resistência ao poder, também possui ligação com a estética da existência.

Estética da existência é o exercício criativo da invenção de si mesmo, e assume o caráter de uma reflexão crítica que busca resistir às formas de dominação e controle.

Compreende o jogo de criação e liberdade no interior do qual o sujeito inscreve-se, com vistas a transformar-se, transfigurando-se tal como uma obra de arte.

A arte de viver, tékhne toû bíou, faz do sujeito artesão, artífice de sua própria existência. 

Onde operam dispositivos que fixam indivíduos a uma identidade ou essência, a estética da existência promove a dura e demorada elaboração de si. Nas palavras de Foucault (Foucault, 2006,p.198-1990), estas artes de viver: “ devem ser entendidas como as práticas racionais e voluntárias pelas quais os homens não apenas determinam para si mesmos regras de conduta, como também buscam transformar-se e modificar seu ser singular, e fazer de sua vida uma obra que seja portadora de certos valores estéticos e que corresponda a certos critérios de estilo.” 

Atitude pela qual tornamo-nos artífices da beleza de nossa própria vida, é um estilo de vida de alcance comunitário, realizável por todo aquele que seja capaz do governo de si, do questionamento ético e que seja realizador, de algum modo, da atitude de modernidade: “ o prazer por si pode perfeitamente assumir uma forma cultural, como o prazer pela música. E deve-se compreender que trata-se, nesse caso, de alguma coisa muito diferente do que considera-se interesse ou egoísmo.(...)” (Foucault,M. Ditos e escritos. Vol.IV, p.617).

 O governo de si como estética da existência, sua resistência ao governo das condutas, por meio da prática refletida, sua resistência às relações de força exercida sobre sua conduta, assume a forma de uma arte de viver, no cuidado do sujeito consigo mesmo, na transformação e criação de si como obra artística.

Foucault buscará confrontar os mecanismos de controle subjacentes ao “governo dos homens” com o projeto de um “governo de si”.

 Investiga para isto determinadas práticas da Antiguidade. Nelas, encontra a promoção de um modo de existência caracterizado por ações e discursos, através dos quais indivíduos buscariam estabelecer-se consigo relações de autonomia, a fim de atingir um estado de plenitude e satisfação. 

Foucault identifica este governo de si a uma ‘estética da existência.’

Trata-se aqui menos de se descobrir quem se é, mas de inventar a maneira como se pode ser. 

O conceito de estética da existência encontra-se em estreita relação com a noção desenvolvida por Foucault de ‘ cuidado de si’. 

Na antiguidade greco-romana este cuidado reportou-se a um conjunto heterogêneo de práticas relativas a atividades de escrita, leitura, cuidados com o corpo, práticas de privação, exames de consciência, entre outras. O cuidado de si possui uma significação eminentemente ética. Ele problematiza o modo como o indivíduo conduz a si mesmo e aos outros. 

Deste trabalho criativo sobre si mesmo resultam novas formas de relação, novos modos de estar consigo e com os outros, de maneira que a estética da existência produza efeitos de caráter político.

Foucault toma partido pela versão mais corrosiva e libertária do “cuidado de si”, onde o indivíduo em vias de inventar-se e dar norte à sua liberdade ( como Gide), se fabrica, a partir de uma cuidadosa ontologia e criteriosa reflexão sobre os desafios abertos pelo tempo presente, resistindo sempre aos poderes hegemônicos, estilos de vida tradicionalistas, etc. 

Se ética e estética encontram-se vinculadas no pensamento de Foucault, isto se deve ao modo como elas suscitam matrizes de ação dadas não mais sob o jugo da obediência ilimitada.

Os códigos e preceitos de conduta implicados nesta arte de viver dão-se não a partir de instâncias exteriores, mas tem na singularidade de cada indivíduo seu ponto de apoio e determinação. Ainda que realizada através de exercícios e técnicas específicas, a estética da existência não se inscreve em uma ‘ regra de vida’. A liberdade é o princípio sobre o qual se constitui como condição de possibilidade do agir ético.

 A estética da existência pode e deve ser compreendida, à luz dessas declarações, podendo ter até mesmo caráter revolucionário.

CONCLUSÃO

Michel Foucault participando diretamente nas lutas de resistência ao poder, em movimentos sobre as prisões, sobre os manicômios, lutas de gênero, a favor do aborto, em torno da ecologia, contra a exploração econômica dos povos do Terceiro Mundo, até mesmo pelos direitos humanos, principalmente, nas lutas contra o biopoder e o racismo de Estado, sempre deixou claro que é um pensador voltado para seu tempo e interessado no futuro. 

O passado é mera ilustração, e o futuro, o resultado acontecimental das forças em jogo no presente, nas quais podemos atuar e intervir como militantes da liberdade.

A liberdade, por sua condição ontológica, é insubmissa. 

Resiste sempre as forças que procuram controlá-la.

“Onde há poder, há resistência”.(Foucault) 

Referências

1) Foucault, Michel. Ditos e escritos. Ética, estratégia, poder-saber. Motta, Manoel Barros da (Org.).Tradução de Vera Lúcia Avellar Ribiero, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003 v.4. 

2) Foucault, M.. História da Sexualidade I – A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1977). 

3) Fleischer Margot, org. Filósofos do Século XX, História da Filosofia, Editora Unisinos, 2006.

4) Branco, Guilherme Castelo. Foucault. Os Filósofos Clássicos da Filosofia. Pecoraro Rossano (org.), Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2009, v. III.

5) Furtado, Rafael Nogueira. Por um governo de si mesmo: Michel Foucault e a estética da existência. Paralaxe, Revista de estética e filosofia da arte. Ano I - n.1 (2013).