terça-feira, 4 de agosto de 2015

Deleuze leitor de Nietzsche


Genealogia
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

 

Resumo: Este artigo pretende abordar a leitura deleuziana sobre Nietzsche, especificamente sobre o conceito de Genealogia extraído do livro Nietzsche e a Filosofia, nessa perspectiva o filósofo é um genealogista e não um juiz de tribunal como quer  Kant, nem um mecânico como quer os utilitaristas.

 

 
 

I- Introdução

 

A filosofia Gilles Deleuze ( 1925/1995) trilha caminhos que confirmam a variação de suas aspirações em estudos filosóficos e em demais campos como das ciências humanas, da educação e das artes, bem pela dignificação do viver.

 

No início de sua carreira, dedicou-se à atividade acadêmica e à história da filosofia, com livros sobre Hume, Bergson, Kant, Espinosa e Nietzsche. No final dos anos sessenta, publica duas obras : Lógica do Sentido e Diferença e Repetição ,  que lançariam as bases da sua filosofia da diferença, profundamente influenciada por Nietzsche e Bergson. Pouco depois, Deleuze inicia sua longa colaboração com o psicanalista Félix Guattari, voltando seu pensamento para uma profunda crítica das noções da psicanálise ( em livros como O anti-Édipo e Mil Platôs). Com uma obra diversificada e sempre inovadora, Deleuze também refletiu sobre as artes ( cinema, literatura, pintura, arquitetura) e sobre a própria filosofia, definindo que a principal tarefa do filósofo é “criar conceitos.

 

O meio dos seus escritos, além de prazeroso, é um lugar de surpresas, de aprendizado constante. Nesse meio, passeamos com novo olhar por paisagens conceituais que julgávamos fixadas em estudos certamente relevantes, mas não únicos. Assim, por exemplo ganhamos um novo Nietzsche, com a publicação em 1962 do livro: Nietzche e a filosofia.

 

Em uma perspectiva deleuziana, Nietzsche e a filosofia é o que trataremos a seguir, sobre a Genealogia .

 

II- Genealogia

 

Genealogia  quer dizer  ao  mesmo  tempo  valor da origem e    origem dos valores. Genealogia se opõe ao caráter absoluto dos valores   tanto ao seu caráter relativo ou utilitário  .  Genealogia significa  o elemento diferencial  dos valores do  qual decorre o valor destes. ().   O nobre e o vil, o alto e o baixo, este é o elemento propriamente genealógico ou crítico .

 

Para Deleuze, Nietzsche forma o conceito novo de genealogia. Mas afinal, o que tem haver o conceito de genealogia com a filosofia de Nietzsche, segundo Deleuze? É que o filósofo adquire uma outra imagem, o filósofo é o genealogista, é o crítico e o criador e como tal propõe a manejar o elemento diferencial, ou seja, a crítica do filósofo, assim considerada, é a crítica do valor dos valores como criação, como ação, nunca como uma reação.

 

Deleuze considera que, o projeto mais geral de Nietzsche é inserir  na filosofia os conceitos de sentido e valor e que esta filosofia deveria ser uma crítica.  Entendendo por filosofia crítica:

 

( ) referir todas as coisas e toda origem de alguma coisa a    valores; mas também referir esses valores a algo que seja sua origem e que decida sobre o seu valor.

 

Assim, com a introdução na filosofia dos temas do sentido e do valor, o filósofo não pode  subtrair os valores à crítica contentando-se em inventariar valores  existentes ou em criticar as coisas em nome de valores estabelecidos: os operários da filosofia, Kant, Schopenhauer", menos ainda, em criticar ou respeitar os valores fazendo-os derivar de simples fatos, de pretensos fatos objetivos: os utilitaristas  , os eruditos. Em ambos os casos a filosofia encontra-se indiferente ao que lhe é mais essencial, pois deixa os valores indiferentes à sua origem ou coloca uma origem indiferente aos valores.

 

Para Deleuze, Nietzsche sempre manteve presente em sua obra a ideia de que a filosofia do sentido e do valor deveria ser uma crítica e que, antes dele,  Kant foi o autor que se propôs fazer a crítica, que se esforçou para construir uma base sólida capaz de fundamentá-la, porém, Kant  não soube levar a crítica até as últimas consequências, uma vez que não colocou os problemas em termos de valores. Nietzsche é responsável pelo feito, pois a filosofia dos valores tal como ele a instaura e a concebe, é a verdadeira realização da crítica, a única maneira de realizar a crítica , de fazer a filosofia a marteladas. Da noção de valor, segue necessariamente uma inversão crítica. Por um  um lado os valores aparecem como princípios, por outro lado, são os próprios valores que supõe avaliações dos quais deriva seu próprio valor.

 

Quando se trata de Nietzsche, para Deleuze, devemos partir do seguinte fato, à medida que os valores surgem, constituem-se como princípios. O ato de avaliar supõe um conjunto de valores capazes de apreciar os fenômenos. Contudo, mais a fundo, os próprios valores já supõem avaliações,  pontos de vista de apreciação dos quais deriva seu próprio valor.

 

 

Conceber a crítica é ter em vista que o problema crítico pressupõe o valor dos valores, ou seja, que avaliar é necessariamente criar: a avaliação se definindo como o elemento diferencial dos valores, ou seja, elemento crítico e criador.

 

 

 

As  avaliações, não são valores , mas  modos de ser, de existir, daqueles que avaliam: modos segundo os quais  servem como princípios originais dos próprios valores. Logo, 

 

() temos sempre as crenças, os sentimentos, os pensamentos que merecemos em função de nossa maneira de ser ou de nosso estilo de vida. Há coisas que só se pode dizer, sentir ou conceber,          valores  nos  quais só se pode   crer  com a   condição de avaliar baixamente. Eis o essencial: o alto e o baixo, o nobre e o vil não são valores, mas representam o elemento    diferencial do qual deriva o valor dos próprios valores.

 

 

Dizer que o alto ou o baixo, o nobre ou o vil não são valores, mas o elemento diferencial do qual deriva o valor dos próprios valores, é colocar de frente ao tema da genealogia. Nietzsche cria a genealogia e, assim, dá uma outra imagem à filosofia. Genealogia é o valor da origem e origem dos valores ao mesmo tempo. A partir desta, fica insustentável o caráter absoluto, tanto quanto o caráter relativo ou utilitário dos valores. A genealogia aparece como elemento diferencial dos valores das quais estes caracteres decorrem. Trata-se da origem, do nascimento, mas a partir da diferença ou distância na origem.

 

 

O filósofo é o genealogista. A avaliação não passa pelo princípio da universalidade kantiana, menos ainda pelo princípio da semelhança dos utilitaristas, mas pela nobreza ou baixeza, nobreza ou vilania, nobreza ou decadência na própria origem.

 

 

Assim, segundo Deleuze, o aspecto positivo que envolve a crítica nietzscheana,  o elemento diferencial da crítica do valor dos valores é o elemento positivo criador.

 

 

 

Para Nietzsche, a crítica não é expressão de uma reação, mas sim fonte de uma ação, de um ataque, uma agressão, não de uma vingança ou rancor.

                     

Esta  maneira  de  ser  é a  do filósofo  porque ele  se propõe precisamente a manejar o elemento diferencial como crítico e criador, portanto, como um martelo. Eles pensam baixamente, diz Nietzsche sobre seus adversários. Nietzsche espera muitas coisas dessa  concepção de genealogia:uma nova  organização das   ciências ,   uma  nova  organização  da  filosofia  ,   uma determinação dos valores do futuro.

 

REFERÊNCIAS:

 

1) ALLIEZ, E. (org.) Gilles Deleuze: Uma Vida Filosófica. Coord.Trad. Ana Lúcia de Oliveira .SP: Ed. 34.

 

2) DELEUZE, G. Nietzsche e a Filosofia. Trad. Ruth Joffily Dias e Edmundo Fernandes Dias. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976.

 

3) FORNAZARI, S.K.(coordenador). Deleuze Hoje. SP: Ed. FAP-UNIFESP, 2014.

 

4) HARDT, M.  Gilles Deleuze Um Aprendizado em Filosofia. Trad. Sueli Cavendish. SP: Ed. 34, 1996.

 

5) NIETZSCHE. Os Pensadores. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. SP: Ed. Abril, 1974.

 

6) SCHOPKE, R. Dicionário Filosófico. Conceitos Fundamentais. SP: Ed. Martins Fontes, 2010.