segunda-feira, 4 de maio de 2015

LÓGICA E VERDADE

NOÇÃO DE VERDADE
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
                                       

RESUMO: Este artigo tem como objetivo discutir a noção de verdade, baseado em Alfred Tarsk, ou seja, a noção lógica de verdade.



A noção de verdade pode ocorrer em diversos contextos. Neste artigo nos interessa a noção lógica de verdade. Assim, o termo verdadeiro será interpretado restritivamente. 
Precisamente o significado do termo “verdadeiro”, quando usado com referência a sentença. Esclarecendo também que, as sentenças serão aqui tratadas como objetos lingüísticos e que quando falarmos de sentença, estaremos tratando das sentenças declarativas.

Quando o termo é extraído da linguagem cotidiana, a explicação, pode variar, conforme o caso, senão vejamos:

Na explicação descritiva, ela descreve como o termo é de fato utilizado na linguagem. ‘In casu’ pode-se questionar se é de fato correta ou incorreta, certa ou errada.

Na normativa é feita uma sugestão de como o termo deve ser usado.  Ela pode ser avaliada do ponto de vista de sua utilidade ou inutilidade, adequação ou inadequação, mas não de sua correção.

Mas a explicação que trataremos será de certa forma mista, ou seja, como sugestão de uma maneira definida de usar o termo “verdadeiro” com a crença de que está de acordo com o uso mais comum dele.

Tal entendimento da noção de verdade, harmoniza-se com as várias explicações dela na Filosofia.

Há começar da Metafísica de Aristóteles:


Dizer do que é que não é, ou do que não é que é, é falso, enquanto que dizer do que é que é, ou do que não é que não é, é verdadeiro.


Quanto a formulação Aristotélica embora pareça clara, fica a desejar quanto a precisão e correção formal. A formulação deveria ser mais geral.

Na filosofia moderna, foram oferecidas outras formulações, mas a de Aristóteles ainda parece ser mais clara.


Oportuna, agora, é a pergunta:

O que é a concepção clássica de verdade ou concepção semântica de verdade?

É a concepção de verdade que encontra sua expressão na formulação aristotélica.

Mas o que é semântica em lógica?

Informalmente, são as relações entre os objetos lingüísticos, como as sentenças, e aquilo que é expresso por eles.

Também a teoria da correspondência da verdade é baseada na concepção clássica.

O objetivo é de uma explicação mais precisa da concepção clássica de verdade.

Algumas técnicas da lógica contemporânea serão utilizadas.

Quanto à linguagem em cujas sentenças trataremos, por enquanto, será o português comum.

Primeiro um exemplo simples: a sentença ‘a neve é branca’. Denominaremos essa sentença por ‘S’, de tal forma que ‘S’ passa a ser o nome da sentença.

Assim, conforme a formulação aristotélica, quando falamos que S é verdadeira, queremos dizer que a neve é branca e, quando falamos que S é falsa, queremos dizer que a neve não é branca.

Temos, então, as seguintes formulações, eliminando o símbolo ‘S’:


(1) ‘ a neve é branca’ é verdadeira se e somente se a neve é branca.

(1’) ‘ a neve é branca’ é falsa se e somente se a neve não é branca.


(1) e (1’) são definições parciais dos termos verdadeiro e falso, pois dizem respeito a uma sentença particular.

Ambas possuem a forma de equivalência lógica.

Mas o que é a forma de equivalência lógica?

É a forma onde há dois lados: o direito e o esquerdo da equivalência combinados pelo conectivo ‘ se e somente se’.

O lado esquerdo é o definiendum, a frase que contém a definição.

O direito é o definiens, a frase da explicação.

Vejamos:

Definiendum:     ‘a neve é branca’ é verdadeira;

Definiens:           a neve é branca.


Alguém pode pensar que (1), como definição, possui uma falha essencial, o círculo vicioso. Porém, isto não ocorre.

Passo a explicação:

Tanto o definiendum como o definiens são setenças e a palavra neve ocorre em ambos os lados, porém no definiendum ela ocorre como parte, mas não como parte sintática, ao contrário do definiens, que ela é parte sintática, é o sujeito. E as palavras que não são partes sintáticas do definiendum não podem criar círculo vicioso.

Observe-se que, o sujeito do definiendum é o nome do definiens, que é feito colocando o definiens entre aspas.

Assim, para evitar uma possível confusão, recorreremos a outra forma.

Quando se formulou (1)  colocamos   a expressão entre aspas, para formar o nome de uma sentença ou de qualquer outra expressão.

Então, tentemos outro método o (2), que será caracterizado como uma descrição letra por letra de uma expressão.

Essa formulação é menos clara que a antiga, porém tem a qualidade de não criar a aparência de um círculo vicioso.     

Definições parciais de verdade análogas a (1) ou a (2) podem ser feitas para outras sentenças. Cada uma delas tem a forma:

        

(3)  ‘p’ é verdadeira se e somente se p.


Onde ‘p’ será substituído nos dois lados pelas sentenças para a qual a definição é construída. Ressalte-se que,  a sentença substituída no lugar de ‘p’ tiver a palavra ‘verdadeiro’ como parte sintática a equivalência (3) correspondente não pode ser vista como uma definição parcial de verdade, pois possuiria um círculo vicioso. 

Reformulemos o problema principal, conforme Tarsk propõe na pag.209 de seu livro, A concepção semântica da verdade.

Estipularemos que o uso do termo ‘verdadeiro’ com referência a sentença em português somente se conformará com a concepção clássica de verdade se ele permitir avaliar todas as equivalências da forma :   

‘p’ é verdadeira se e somente se p.

Na qual ‘p’ é substituído, em ambos os lados, por uma sentença qualquer em português.

Respeitada tal condição, o uso do termo ‘verdadeiro’ é adequado.

Podemos estabelecer um uso adequado do termo ‘verdadeiro’ para sentenças em português ?

A questão estará  solucionada se conseguirmos construir uma definição de verdade que seja adequada , trazendo consigo, todas as equivalências da forma (conhecido como esquema T) 

‘p’ é verdadeira se e somente se p,

 como conseqüências lógicas.

Se adotarmos algumas condições especiais, a construção de uma definição geral de verdade é simples, por exemplo, se estamos só interessados não em todo o português, mas somente num segmento dele.

Ocorre que, tal procedimento não pode ser adotado se desejamos toda a língua portuguesa, e não apenas um fragmento dela.  Em português constatamos: o problema das dificuldades das regras gramaticais, o conjunto de sentenças em português é potencialmente infinito e a palavra ‘verdadeiro’ existir em português.

Mas poderíamos aventar outra possibilidade da definição de verdade para sentenças  em português. Porém, um motivo relevante parece eliminar tal possibilidade, uma  contradição, a antinomia do mentiroso, pois podemos chegar a conclusão que:

‘s’ é verdadeira se e somente se ‘s’ é falsa.

Senão vejamos:

Consideremos a seguinte sentença:


(i)A sentença impressa na última linha deste artigo é falsa.


Vamos tomar ‘s’ como sendo a abreviação dessa sentença. Podemos observar que ‘s’ é uma sentença auto-referente, mas também gramatical e pertencente à linguagem natural. Olhando para a última linha deste artigo , nós facilmente observamos que ‘s’ é apenas a sentença impressa nessa artigo, ou seja,

(ii) ‘s’ é idêntico à sentença impressa na última linha deste artigo.

Como nosso uso do termo ‘verdade’ é adequado, nós podemos afirmar a forma T em que ‘p’ é substituído por ‘s’. Assim, temos que:

(iii) ‘s’ é verdadeira se e somente se s.

Agora, lembrando que ‘s’ é a sentença (i), nós podemos substituir ‘s’ por (i) no definiens e obtemos:

(iv) ‘s’ é verdadeira se e somente se a sentença impressa na última linha deste artigo é falsa.

Assim nós concluímos então que:

(v) ‘s’ é verdadeira se e somente se ‘s’ é falsa.

Isso nos conduz a uma contradição: ‘s’ prova ser tanto verdadeira quanto falsa. Partindo de sentenças plausivelmente verdadeiras e usando regras de inferência que conservam a verdade, somos conduzidos a uma conclusão logicamente falsa. Estamos diante da antinomia do mentiroso.

Para Tarski, há duas maneiras opostas de tratar as antinomias. A primeira é de tratá-la como sofismas. A segunda considerá-la elemento essencial do pensamento. Tarski considera a antinomia o sintoma de uma doença. “In Casu” deve-se fazer uma revisão completa para que a antinomia desapareça e não volte mais.

Mas como evitar a antinomia?

Uma solução seria remover a palavra ‘verdadeiro’.

Tal solução não seria satisfatória, para alguns. Porém quem sabe aceitassem a ‘abordagem niilista da teoria da verdade’, onde a palavra ‘verdadeiro’ não tem significado independente, assim podem ser imediatamente eliminadas de quaisquer sentenças que estiverem.

A objeção então a esse entendimento é que tira a noção de verdade do conceito humano.

Tentemos outra solução.

A noção de verdade sofrerá algumas limitações.

Constatamos que a linguagem comum constitui a fonte da antinomia do mentiroso, ela é universal e oniabrangente.

Porém, não é necessário usar linguagens universais, em especial, na ciência.

Interessa-nos certas linguagens, principalmente de teorias lógicas e matemáticas.    

Mas será que a noção de verdade pode ser precisamente definida ?

É possível  ser determinado um uso adequado dessa noção? Ao menos para as linguagens restritas das ciências?             

Sim, mas sob certas condições.

São as linguagens formalizadas.

Mas, quais condições?

1) Seu vocabulário deve ser explicitado;

2) Suas regras sintáticas precisamente formuladas;

3) Tais regras deverão ser puramente formais, a função e o significado de uma expressão deverá depender exclusivamente de sua forma.

As linguagens formalizadas são totalmente adequadas para a apresentação de teorias não só lógicas e matemáticas, mas também o uso delas em disciplinas científicas.

É de se ressaltar que, as linguagens formalizadas de interesse são aquelas que constituem fragmentos de linguagens naturais, ou que possam ser traduzidas em linguagens naturais.

Além disso, devemos diferenciar a linguagem objeto da metalinguagem.

A linguagem objeto é a linguagem, objeto de nossa discussão e que pretendemos construir a noção de verdade.

A metalinguagem é a linguagem na qual a definição deve ser formulada e suas implicações estudadas, devendo incluir a linguagem objeto como parte.

Uma definição de verdade implicará todas as definições parciais dessa noção, todas as equivalências da forma (3):

‘p’ é verdadeira se e somente se p.

Em que ‘p’ deve ser substituído ( em ambos os lados) por uma sentença qualquer pertencente à linguagem-objeto.

A metalinguagem que dá os meios para definição de verdade,

deve ser mais rica que a linguagem-objeto. Não pode ser igual a essa última, muito menos ser nela tradutível, caso em que, ambas as linguagens seriam semanticamente universais e a antinomia do mentiroso apareceria.

Respeitadas as condições supra, será possível a definição de verdade. Porém, tecnicamente ela é bem complexa para ser detalhada.

Em linhas gerais, faremos desta forma: Começamos com as sentenças bem simples, delas obtemos a definição de verdade diretamente. Daí, estendemos a definição para sentenças compostas, aplicando a definição por recursão.

Mas o que é definição por recursão?

É usado o método de recursão  não para definir a noção de verdade, mas para definir uma noção semântica relacionada a noção de satisfação.

Verdade é, então, definida em termos de satisfação.

A definição assim feita, poderemos então explicar toda a teoria da verdade. Todas as equivalências da forma:

‘p’ é verdadeira se e somente se p.

Além  disso podemos derivar as famosas leis da Contradição e do Terceiro Excluído. Respectivamente: não pode ocorrer que, duas sentenças, onde uma é a negação da outra, possa ser ambas verdadeiras; e que, duas sentenças desse tipo não podem ser ambas falsas.



Referência:


TARSKI, Alfred.  Aconcepção semântica da verdade. Textos clássicos de Tarski. SP.Unesp.2006.