domingo, 15 de novembro de 2015

Max Horkheimer


Eclipse da Razão
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

 

Resumo: Este artigo é uma apertada síntese dos Meios e Fins do livro Eclipse da Razão, de Max Horkheimer. Nele o pensador trata de várias questões sobre a crise da razão, mais especificamente, da razão objetiva e  subjetiva.




 

I- Introdução

 

Max Horkheimer ( 1895-1973 ), filósofo alemão, muito cedo pretende ser anti-idealista e adversário da teoria considerada como puro trabalho de conhecimento. A experiência da Primeira Guerra Mundial o leva a recusar o mal radical e a crueldade que impregnam as relações entre os homens.  As filosofias do progresso, com seu rasteiro otimismo e sua crença no aperfeiçoamento gradual da humanidade, pareciam-lhe insuportáveis, e ele dá preferência à filosofia de Schopenhauer, que, a seu ver, se apresenta como um materialismo do mal e do sofrimento inelutável. Esse pessimismo, que nunca o abandonará, não tem, porém, a intenção de ser uma afirmação metafísica no sentido tradicional do termo, mas vigilância da razão sobre si mesma e sobre suas pretensões de dominar o mundo.Entre o pensamento e o mundo não pode haver relação harmoniosa,tampouco correspondência unívoca, mas um estado de tensão permanente que torna ilusória qualquer teoria contemplativa e intemporal.

 

II-  Razão objetiva e razão subjetiva

 

Durante longo tempo predominou uma visão de razão de que um objetivo poderia ser racional por si mesmo, fundamentado nas qualidades que se pode discernir dentro dele, sem referência a qualquer espécie de lucro ou vantagem para o sujeito. Esta concepção afirmava a existência da razão não só como uma força da mente individual, mas também do mundo objetivo: nas relações entre os seres humanos e entre as classes sociais, nas instituições, e na natureza e suas manifestações. Os grandes sistemas filosóficos, tais como o de Platão e Aristoteles, o escolasticismo, e o idealismo alemão, todos foram fundados sobre uma teoria objetiva da razão. Esse conceito de razão jamais excluiu a razão subjetiva, mas simplesmente considerou-a como a expressão parcial e limitada de uma racionalidade universal, do qual se derivavam os critérios de medida de todos os seres e coisas. A ênfase era colocada mais nos fins do que nos meios. O supremo esforço dessa espécie foi conciliar a ordem objetiva do “racional”, tal como a filosofia o concebia, a existência humana, incluindo o interesse por si mesmo e a autopreservação. Platão, por exemplo, idealizou a sua “República”, a fim de provar que aquele que vive à luz da razão objetiva vive também uma vida feliz e bem sucedida. A teoria da razão objetiva não enfoca a coordenação do comportamento e objetivos, mas os conceitos, por mais mitológicos que estes pareçam hoje, tais como a ideia do bem supremo, o problema do destino humano e o modo de realização dos fins últimos.

 

Há uma diferença fundamental entre a teoria da razão objetiva, segundo a qual a razão é um princípio inerente a realidade e a doutrina da razão subjetiva, onde esta aparece como faculdade subjetiva da mente.  Segundo esta última, apenas o sujeito pode ter verdadeiramente razão. A razão subjetiva se revela como capacidade de calcular probabilidades e desse modo coordenar os meios corretos com um fim determinado. A ideia de que um objetivo possa ser racional por si mesmo, fundamentado nas qualidades que se podem discernir dentro dele, sem referência a qualquer espécie de lucro ou vantagem para o sujeito, é inteiramente alheia à razão subjetiva.

 

A relação entre esses dois conceitos de razão não é simplesmente de oposição. Historicamente, ambos os aspectos subjetivo e objetivo da razão estiveram presentes desde o princípio, e a predominância do primeiro sobre o último se realizou no decorrer de um longo processo.

 

A crise atual da razão consiste basicamente no fato de que até certo ponto o pensamento ou se tornou incapaz de conceber uma objetividade absoluta em si ou começou a negá-la como uma ilusão.

 

Assim, nenhuma realidade particular pode ser vista como racional “per se”. Na medida em que é subjetivada, a razão se torna também formalizada. O pensamento serve a qualquer empenho, bom ou mau. É o instrumento de todas as ações da sociedade.

 

Quando se concebeu a ideia de razão, o que se pretendia alcançar era mais que a simples regulação entre meios e fins: pensava-se nela como instrumento para compreender os fins, para determiná-los. Sócrates sustentava que a razão, concebida como compreensão universal, devia determinar as crenças, regular as relações entre os homens, e entre o homem e a natureza. Lutava contra a razão subjetiva e formalista advogada pelos outros sofistas. 

 

Na era industrial, a ideia de interesse pessoal conquistou gradativamente o primeiro plano. Tendo cedido em sua autonomia, a razão tornou-se um instrumento. Seu valor operacional tornou-se o único critério para avaliá-la. Os conceitos foram “aero-dinamizados”, racionalizados, tornaram-se instrumentos de economia de mão-de-obra. É como se o próprio pensamento tivesse se reduzido ao nível do processo industrial, submetido a um programa estrito, em suma, tivesse se tornado uma parte e uma parcela da produção.

 

Quanto mais as idéias se tornam automáticas, instrumentalizadas, menos alguém vê nelas pensamentos com um significado próprio. São consideradas como coisas, máquinas. A linguagem é considerada como um mero instrumento.

 

Quais as consequências da formalização da razão? Justiça, igualdade, felicidade, tolerância, todos esses conceitos que foram nos séculos precedentes julgados inerentes ou sancionados pela razão, perderam as suas raízes intelectuais. Ainda permanecem como objetivos e fins, mas não há mais uma força racional autorizada para avaliá-los e ligá-los a uma realidade objetiva.

 

Quanto mais emasculado se torna o conceito de razão, mais facilmente se presta à manipulação ideológica e à propagação das mais clamorosas mentiras. Essa desvitalização de conceitos básicos pode ser seguida através da História. Na convenção Constitucional Americana de 1787, John Dickinson, da Pensilvânia, estabeleceu um contraste entre experiência e razão, ao dizer: “A experiência deve ser nosso único guia. A razão pode nos desorientar”. Ele queria acautelar contra um idealismo demasiado radical.

 

Posteriormente, os conceitos se esvaziaram de tal modo de sua substância, que poderiam ser usados sinonimamente para advogar a opressão. Charles O’Conor, um célebre advogado do período anterior à Guerra Civil, indicado uma vez para a presidência por uma facção do Partido Democrático, em seus discursos, argumentava descrevendo os benefícios da servidão compulsória. O’Conor usava as palavras natureza, filosofia e justiça,  para defender a servidão compulsória, dizendo que ela era justa, benigna, legal e adequada.

 

A razão subjetiva se conforma a qualquer coisa. Pode prestar ao uso tanto dos adversários quanto dos defensores dos tradicionais valores humanos. No fim, todos os conceitos básicos, esvaziados de seu conteúdo, vêm a ser apenas invólucros formais.

 

III- Conclusão

 

A Filosofia hoje deve enfrentar a questão de se o pensamento pode permanecer senhor de si mesmo nesse dilema e preparar assim a solução teórica ou se contentará em exercer o papel de metodologia vazia, apologética ilusória ou receita garantida, como o recente misticismo popular de Huxley, que se enquadra tão bem no admirável mundo novo quanto qualquer ideologia já conhecida. ( Max Horkheimer)

 

 

 

Referências

 

1) HORKHEIMER, Max; Eclipse da Razão. S.P., Ed. Centauro, 2010.

2) HUISMAN, Denis; Dicionário dos Filósofos. S.P. Ed. Martins Fontes, 2004.

3) HUISMAN, Denis; Dicionário de Obras Filosóficas. S.P. Ed. Martins Fontes, 2002.

4) LALANDE, André; Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. S.P., Ed. Martins Fontes, 1999.