sexta-feira, 23 de setembro de 2016

ESTÓICOS

  O TEMPO ESTOICO
  (por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

Resumo: Este artigo é uma apertada síntese do tempo do estoico que se encontra no livro “O ofício do filósofo estóico”da professora Rachel Gazzola. Nele constataremos que para os estóicos não há passado, nem futuro, apenas o instante.

O tempo da ética estóica obedece ao rítmico da vida universal, ou seja, é aquele que constitui a ação correta e está identificado com o instante, pois o futuro e o passado não existem, mas subsistem como incorpóreos. Qualquer regra exterior a ser seguida ( mandamentos religiosos, históricos…) não terá conotação ética, segundo a Stoa; não terá o peso que normalmente lhe damos. É na interioridade e no tempo dessa interioridade que a eticidade é edificada.   Proclo noticia:

“…com efeito,  o tempo é um de seus ( dos estóicos) incorpóreos que eles desprezam como coisas débeis, desprovidas de ser e só existindo nos simples pensamentos ( en einóiais hypistamena pschilais)…”(Proclo, Plat. Tim., 271 d.)

O instante é o “tempo" da Heimarméne ( Destino), da Prónoia ( Previdência), indicativo da escolha do agente moral. Ele adere à densidade e plenitude da eternidade dos deuses nos constantes estados de sua adesão. Só o sábio tem a virtude e a felicidade nessa perspectiva; só ele é um homem divino sempre. Os homens comuns vivem estados de virtude e felicidade e são sábios ao menos enquanto perduram tais estados. Goldschmidt comenta os estados passionais, distantes da sabedoria:

“… A perfeição não é solidária  do tempo que escoa e que parece inflar e alongar-se… o próprio da paixão é sujeitar-nos ao tempo irreal, em que o passado sobrevive para comunicar sua ‘existência'e seu conteúdo ao futuro”.  ( V. Goldschmidt, Le sytème stoicien et l'idée de temps, op. cit., pp.202 e 193.)

Esse belo comentário de Goldschmidt indica que, na saída do compasso universal, o insensato mergulha na temporalidade propriamente humana, perde-se no tempo agitador das paixões da alma, permanece servo da memória e da esperança, isto é, do passado e do futuro. Escravo das paixões, sua memória deseja o que não mais tem, do mesmo modo que lamenta o que ainda não obteve. Inalcançáveis ambos, passado e futuro, fica o presente dissolvido pelo peso das lembranças e esperanças.

As duas temporalidades, a dos deuses e a dos homens, enfrentam-se:
O tempo humano, de Tyche: da fortuna, do acaso, espaço da historicidade, da insensatez, das ações determinadas pela exterioridade;
O tempo divino, de Anánke: da Cosmópolis, do sábio, das ações pensadas na interioridade. A autarquia estóica situa o homem no “tempo”divino, no aion (eternidade).

É preciso frisar, todavia, que não há uma insensibilidade aos acontecimentos, uma altivez estóica ou frieza diante dos males, como passou a significar o adjetivo estóico. Há bem mais uma ausência de agitação violenta da alma, sinal da negação do tempo acumulador de desejos insaciáveis.

A apatia estóica, no rigor do termo, implica atividade que favorece a ação do lógos (pensamento), não, porém, para evadir-se das coisas que acontecem, bem ao contrário. Nesse sentido, a apatia não deve ser entendida como ausência de ação, e nem a ataraxia como alheamento diante da vida. É uma busca de estabilidade da alma diante de acontecimentos. Pode-se dizer que tais afirmações são contrárias ao que o senso comum pensa dos estóicos. Talvez se devam compreender os estados passionais desmedidos como acontecimentos que, lidos de certo modo, chegam aos olhos já comprometidos com o passado e com o futuro, que não são, dada a agitação da alma. Não se pode, comprometido que se está com a cronologia, enlaçar a escolha de modo a receber o que advém, como advém.

Não seria exatamente esse o modo como interpretamos as coisas que nos chegam, interpretações mergulhadas no passado e no futuro, o solo propício para a fuga do que acontece no presente? Assim sendo, há um inversão sui generis do que pensamos ser a evasão do estoico ( sua apatia) em sua postura diante do mundo.  Nós, instalados que estamos na cronologia, evadimo-nos do que acontece ao interpretar o que advém com os instrumentos comprometidos com o passado e futuro.

Referência


GAZOLLA, Rachel, “O ofício do filósofo estóico”, S.P., ed. Loyola, 1999.