terça-feira, 19 de julho de 2016

PUBLICAÇÃO DO LIVRO PODER CONSTITUINTE

É com muito orgulho e satisfação que anunciamos a publicação pela editora Lumen Juris do nosso livro "PODER CONSTITUINTE: Pressupostos para estruturar e manter um Estado Democrático de Direito".

Referido livro conta com a apresentação do Juiz Federal e professor Doutor Mássimo Palazzolo e com prefácio do Professor Doutor Pietro de Jesus Lora Alarcon.

Enfaticamente, assim sinalizamos a realização deste livro:

Trata-se de um trabalho (e porque não dizer a realização de um sonho) iniciado quando lecionávamos nos bancos universitários a matéria Direito Constitucional, oportunidade em que percebemos a importância do tema Poder Constituinte para a compreensão exata de referida matéria. Somos sinceros em reconhecer que referido tema ganhava contornos de dificuldade na sua compreensão pelos alunos; já que, dentre outros fatores, não havia bibliografia que aproximasse e convencesse-os da realidade e concretização de referido tema. Nesse cenário acadêmico, desenvolvemos nossas aulas que foram lapidadas quando da realização do nosso mestrado, momento em que nos arvoramos na sapiência dos professores que nos impulsionou quanto à intelecção da forma com que a matéria Direito Constitucional e, consequentemente, do tema Poder Constituinte, deveriam ser enfrentadas em aula e também no cenário jurídico. Para a obtenção do nosso título, dissertamos sobre referido tema, que agora foi revisado para didaticamente melhor atender o público acadêmico da graduação e pós-graduação; consagrando nossa meta estabelecida quando do primeiro dia de aula nos bancos acadêmicos. Para tanto, fizemo-lo calcado numa aproximação dos conceitos de Constitucionalismo e Constituição, apoiando-nos em teorias e filosofias do Direito Constitucional das quais acreditamos ter subsidiado a sedimentação concreta do tema Poder Constituinte num Estado Democrático de Direito. Ao final, com o objetivo de fixar as posições enfrentadas e defendidas, fizemos uma análise da Constituição Brasileira de 1988 de maneira a entendê-la nas dimensões apontadas no trabalho.

O livro poderá ser adquirido diretamente no site da editora: 
https://www.lumenjuris.com.br/produto/poder-constituinte-2016/

Estará à venda nas principais livrarias a partir da segunda quinzena do mês de agosto.

Aos nossos familiares, amigos, leitores e alunos agradecemos pelo incentivo.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

ARISTÓTELES - METAFÍSICA (PARTE II)


O MÉTODO DA METAFÍSICA - Parte II
(Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

RESUMO: Este artigo é uma continuação do artigo anterior, ou seja, trata-se de um resumo do Método da Metafísica de Aristóteles, neste são abordados: a demonstração elenktica     e        a teologia  ‘dialética. Encontrado no livro de Enrico Berti , " As Razões de Aristóteles”.
    

A demonstração elenktica

Entre as propriedades por si do ser enquanto ser , mencionadas no livro IV, não estavam apenas as categorias e os opostos, mas também os dois axiomas"comuns a todas as ciências, o princípio de não-contradição e o do terceiro excluído. Visto que valem, justamente, para todos os seres, a investigação sobre eles não cabe a nenhuma ciência particular, nem sequer à sica, mas apenas à “filosofia primeira”, à metafísica, e consiste em estabelecer se são verdadeiros ou não”(IV 3, 1005 a 30).

A propósito dos princípios em questão, o método da filosofia não será mais, como logo veremos, a análise semântica mas a discussão dialética, pela qual se verificarão não apenas as condições da verdade, mas também as condições do valor das palavras, ou seja, da própria análise semântica.

Aristóteles principia com a investigação sobre o princípio de não-contradição e, preliminarmente a ela, faz uma consideração de caráter metodológico, que logo esclarece o procedimento que ele se propõe a adotar. O princípio em questão, como se sabe, não pode ser demonstrado no sentido próprio do termo, porque é a condição de todas as demonstrações, segundo o que foi explicado nos Segundos analíticos.

Estamos diante de um procedimento singular, que é denominado demonstração”e, no entanto, é distinguido do demonstrar"puro e simples, isto é, da demonstração de tipo matemático, que, como sabemos, pressupõe os princípios. Pelo contrário, o demonstrar elenkticamentedeixa, por assim dizer, que esse erro lógico seja cometido por quem pretende contradizer o princípio: quando essa pessoa comete o erro, basta ressaltar isso, e com isso se o terá refutado. Contudo, a refutação de quem nega equivalerá à demonstração do princípio, porque mostrará que é impossível negá-lo, que é impossível que as coisas sejam diferentemente de como ele diz, o que dá lugar àquela necessidade caracterizada das conclusões de toda demonstração.

Vejamos quais as condições para que isto ocorra. Antes de tudo, que haja quem  contradiga o princípio; em seguida que quem contradiga fale, isto é, que se instaure uma situação de tipo dialético; enfim, que diga alguma coisa.

É supérfluo salientar ainda uma vez  o caráter dialético da situação: fala-se, com efeito, em pedir"e conceder"alguma coisa, que são os papéis respectivamente daquele que pergunta para refutar uma tese, e daquele que responde para defendê-la.

É necessário pedir a quem contradiz somente que signifique alguma coisa, que diga uma única palavra contanto que dotada de significado.

Se quem contradiz concede isto, ou seja, diz uma única palavra e admite que ela tenha um significado. haverá alguma coisa de definido, ele significará aquela coisa e não outra, admitindo com isso que aquela coisa e não outra, quer dizer, admitirá a oposição entre ser e não ser certa coisa, expressa pela oposição entre afirmação e negação, em que consiste o princípio de não-contradição.
É este um exemplo de como também a dialética pode produzir autêntica ciência, um exemplo de uso científico da dialética.

Contudo, Aristóteles não se limita a enunciar a fórmula geral desta demonstração, mas a desdobra articuladamente, tomando em exame as posições concretas de quantos negavam, direta ( alguns sofistas) ou indiretamente ( alguns filósofos pré-socráticos, ou sicos), o princípio de não contradição, e refutando-as uma a uma com argumentações inclusive de tipo pragmático”, isto é, que consistem em salientar uma diferença entre a tese sustentada pelos que negam o princípio e o seu comportamento prático.

         Aristóteles realiza operação análoga a propósito do princípio do terceiro excluído, no qual, no entanto, a situação já é diferente, porque permite pressupor o princípio de não contradição, não mais em questão , e portanto refutar os que negam o princípio do terceiro excluído, reduzindo à contradição a sua tese. Particularmente interessante, entre os argumentos em defesa do princípio do terceiro excluído, são aqueles contidos no último capítulo do livro IV, no qual Aristóteles especifica duas negações  entre si contrárias deste mesmo princípio e refuta ambas, reduzindo-as à  contradição, mas com isso termina por demonstrar a tese contraditória  em relação a ambas as teses refutadas. Vejamo-las de perto, porque configuram uma situação exatamente idêntica àquela que reaparecerá na doutrina Kantiana da razão. 

Uma primeira formulação das duas negações em questão, que são também negações do princípio  de não contradição, é aquela pela qual elas se configuram respectivamente como a tese de que todas as proposições são falsas”. Aristóteles denomina-as enunciações de sentido único e a respeito de todas as coisas, ou seja, poderíamos dizer, teorias unilaterais, totalizantes, fortes, no pior sentido do termo. Elas negam o princípio de não-contradição e do terceiro excluído, porque negam a própria oposição entre verdadeiro e falso, ou seja, admitem que duas posições entre si contraditórias podem ser ambas verdadeiras ( negação do princípio de não-contradição) ou ambas falsas ( negação do princípio do terceiro excluído).

         A essas duas teses Aristóteles apresenta duas refutações, uma baseada na exigência de dar um significado às palavras verdadeiro"e falso”, a qual mostra que isso é possível apenas com a condição de estabelecer entre elas uma oposição e, por isso, de renunciar às enunciações de sentido único; a outra baseada na observação de que tais enunciações se autodestroem. Vejamos esta última, a mais famosa:

"quem ,  com  efeito  ,  diz   que   são  verdadeiros  todos  os  discursos ,  torna verdadeiro também o discurso oposto ao seu, e por isso não-verdadeiro o seu ( visto que  o  discurso  oposto  diz  que  seu  discurso  o  é  verdadeiro )  , enquanto quem  diz  que  são todos falsos diz ele mesmo que  também  o  seu   próprio ( é falso) .  E  há  algumas  exceções ,  alguns dizendo que   apenas o         discurso  oposto  ao  seu não é verdadeiro, outros dizendo    que apenas o seu não  é  falso  ;  apesar de tudo, segue-se a eles dever postular   infinitos discursos verdadeiros e  falsos , visto que o discurso que diz que o discurso verdadeiro é verdadeiro é, ele mesmo, verdadeiro, e assim ao infinito ( 8, 1012 b 15-22)."

É esta a famosa refutação do ceticismo absoluto, e respectivamente do absoluto dogmatismo, que Heidegger declarou simplista, decorrente unicamente da necessidade de segurança”, pelo fato de que pressupõe um conceito proposicional"de verdade, antes de perguntar-se o que é a verdade e o que significa seu dar-se. Essa observação atinge, se muito, Husserl, do qual o próprio Heidegger cita logo depois as Investigações lógicas, certamente não Aristóteles, o qual, como Heidegger bem o sabe, explorou a fundo o que é a verdade.

Que a supramencionada refutação, pois, seja tudo menos formalista, é provado por sua imediatamente sucessiva aplicação a duas teses de enorme densidade metafísica, aquela que afirma tudo está em repouso, ou seja, o eleatismo, e aquela que afirma tudo está em movimento, ou seja, o heraclitismo.

Aristóteles é perfeitamente consciente, e, com efeito, prossegue ( e conclui o livro dedicado à defesa do princípio do terceiro excluído) com esta afirmação:

mas também não é possível que as coisas em certo momento estejam todas em repouso ou todas em movimento, pois há alguma coisa que  sempre    move as coisas movidas, e isso é o primeiro motor imóvel ( 1012 b 29-31)."

A impossibilidade de que as coisas estejam ora todas em repouso e ora todas em movimento segue-se da refutação das hipóteses precedentes: ela é, com efeito, por assim dizer, a soma de duas impossibilidades. Contudo, sua consequência é que alguma coisa é sempre imóvel ( o ato puro, isto é, Deus) e alguma coisa é sempre movimento ( o céu, isto é, o universo em seu complexo, que, segundo Aristóteles, é eterno e gira incessantemente sobre si mesmo), ou seja, uma metafísica da transcendência. 

A teologia  ‘dialética

no fim do livro IV da Metafísica, encontramos uma alusão à parte teológicadesta ciência, a que trata de Deus. Ela constitui o desenvolvimento posterior da parte propriamente ontológica, da teoria do ser enquanto ser, de seus múltiplos significados e de suas propriedades por si, e é exposta detalhadamente nos últimos livros da obra, os de número XII-XIII-XIV. Para dizer a verdade, a ordem na qual tais livros foram transmitidos não parece corresponder à intenção de Aristóteles. A ordem lógica autêntica dos três últimos livros é, portanto, XIII-XIV-XII.

O motivo da nova exposição é claro: a tarefa da filosofia primeira é, efetivamente, procurar os princípios, isto é, o primeiro" entre os sentidos do ser, que é a substância, e o primeiro entre os sentidos da substância, a substância primeira, que é a forma, enquanto causa ( formal, isto é, imanente) das substâncias sensíveis. Se porém, existe também uma substância imóvel, esta será “primeira"com mais forte razão, porque anterior às substâncias móveis tomadas em seu complexo, enquanto causa, como veremos, motora e, por isso, transcendente. A esse novo significado de substância primeira” Aristóteles alude já no livro IV, no qual distingue tal substância da natureza, e posteriormente sobretudo no livro VI, no qual indica em seu estudo o motivo pelo qual a ciência do ser enquanto ser pode ser denominada também ciência teológica”( isto é, teologia científica, ou filosófica, e não teologia mítica, como a dos poetas, a de Homero e de Hesíodo) e filosofia primeira, ciência suprema (  1, 1026 a 18-32).

É claro que essa nova substância primeira”não é primeira em relação às substâncias sensíveis, do ponto de vista lógico-epistemológico. Ou melhor, se ela é primeira, o é apenas por si”, isto é, por natureza, vale dizer, na ordem do ser, não para nós”, isto é, na ordem do conhecimento, ou antes porque deste último ponto de vista são primeiras as substâncias sensíveis, enquanto mais próximas às sensações”. Por isso o método para investigá-la não poderá ser mais a análise semântica, como o era na parte "ontológica"da metafísica, mas outro método, que agora examinaremos.

O método proposto por Aristóteles: antes de tudo, discutir as opiniões alheias, mas com o objetivo de ver o que há de verdadeiro e de falso nelas, exatamente segundo o uso filosóficoda dialética ( o terceiro mencionado nos Tópicos), em particular da peirástica ( isto é, do exame crítico das opiniões alheias). A esse exame crítico são inteiramente dedicados os livros XIII e XIV, dois entre os três livros teológicos”.

Contudo, na teologia aristotélica não existe apenas a parte crítica, mas também uma parte positiva, contida no livro XII, cujo vínculo com o XIII e, especialmente, com o XIV foi reconhecido por vários estudiosos desde o século XIX e definitivamente confirmado pelo maior aristotelista do nosso século, Werner Jaeger. Aqui Aristóteles, retornando à investigação sobre a substância, antes de tudo expõe três possíveis tipos de substâncias, a móvel corruptível ( as substâncias terrestres), a móvel incorruptível ( as substâncias celestes) e a imóvel, observando que a existência das duas primeiras é admitida por todos, porque atestada pelas sensações, enquanto a da terceira é admitida apenas por alguns ( os platônicos), mas, evidentemente por insuficiência dos argumentos adotados por eles, requer uma investigação posterior.

A existência da substância imóvel é demonstrada  por Aristóteles  no célebre capítulo sexto do livro XII, no qual ele, antes de tudo, recorda a prioridade da substância sobre as outras realidades, compreendido o movimento, mas também a eternidade deste último ( e do tempo), o que o leva a admitir a necessidade de uma substância que faça as vezes de substrato para o movimento eterno: trata-se do céu, que gira eternamente sobre si mesmo ( 1071 b 3-11). Neste ponto, na verdade, Aristóteles observa que é necessário admitir um princípio capaz de mover o céu, o que não podem fazer as Ideias ou outras substâncias a elas semelhantes: é clara, aqui, a polêmica contra os platônicos.   Daí ele acrescentar que esse princípio deve ser em ato, isto é, deve estar efetivamente movendo pois, se fosse apenas em potência, poderia também não existir, o que contradiz sua eternidade ( 1071 b 12-17).

Até este ponto, contudo, o papel de princípio do movimento poderia também ser deduzido da alma do mundo, como sustentava Platão no Timeu e, sobretudo, na Leis.

         Aqui se põe em ação a refutação de Aristóteles, que é, ainda uma vez, polêmica contra Platão. A eternidade  do movimento do céu exige, um princípio cuja substância seja o ato, isto é , que seja puro ato, porque, se não fosse assim, graças ao aspecto pelo qual ele é também em potência, ele poderia não passar a ato e, portanto, não mover. Pode-se dizer, em certo sentido, que também esta é uma demonstração dialética, um demonstrar por meio de refutação (elenkticamente”).

Um caráter ainda mais marcadamente dialético tem a demonstração posterior do movente imóvel contida no capítulo sétimo, no qual Aristóteles expõe quatro possíveis combinações dos termos movente” e movido”, isto é, movido não-movente”, movido movente”, movente não-movido”e não-movente não-movido”. À quarta combinação não corresponde nada de real. Ao contrário, à primeira correspondem às substâncias terrestres, à segunda corresponde ao céu, portanto conclui Aristóteles, à terceira combinação, é puro ato.

Os desdobramentos posteriores do discurso são conhecidos, e são menos interessantes do ponto de vista do método, ainda que o sejam do ponto de vista do conteúdo teológico”.

         No capítulo oitavo, pois, Aristóteles permite-se também uma crítica da religião tradicional, isto é, da teologia mítica. Depois de ter demonstrado que os princípios imóveis são muitos, precisamente tantos quantas são as esferas celestes que giram eternamente sobre si mesmas, ele acrescenta uma verdadeira crítica, no sentido literal de discernimento, da tradição religiosa, visto que parte dela, aquela demonstrável racionalmente, é acolhida, enquanto outra, a mais mítica e ditada por objetivos práticos, é deixada de lado. A muitos ainda impressiona esse politeísmo"de Aristóteles, porque se esquecem de que ele era de fato um grego antigo. Contudo, não obstante tal politeísmo, Aristóteles não hesita em afirmar, e com bons argumentos, que entre os muitos motores imóveis há um que é “primeiro”, isto é, o motor da primeira esfera celeste ( 1074 a 31-38): este, portanto, pode ser denominado Deus"com a inicial maiúscula ( acredita-se ou não em sua existência, como se faz com “Zeus”).

         É somente desse Deus, desse primeiro motor imóvel , que Aristóteles diz, em seguida (cap.9), que é “ pensamento de pensamento, que é o bem supremo e transcendente, causa do bem imanente, isto é, da ordem do universo ( cap.10). Significativo que o livro XII encerre-se com a enésima discussão contra os outros filósofos. O método reivindicado é ainda o dialético  de desdobrar as aporias, isto é, o terceiro uso da dialética teorizada nos Tópicos, que consiste em deduzir as consequências das afirmações opostas, para ver quais são absurdas e quais, ao contrário aceitáveis.  Também no livro XII  da Metafísica, portanto, dedicado à exposição positiva de sua teologia, Aristóteles não sabe renunciar à discussão e, com efeito, no breve movimento deste último capítulo consegue opor-se a todas as teologias "dos filósofos a ele precedentes, para criticá-las todas. No final, igualmente, não sabe renunciar nem sequer a um expediente retórico, e termina com a famosa citação de Homero: “ É mau que muitos comandem; um só tenha o posto supremo(citação que redimensiona notavelmente o seu politeísmo”).


Bibliografia:

BERTI, Enrico, As Razões de Aristóteles. São Paulo.  Edições Loyola, 2002.