quinta-feira, 15 de abril de 2010

MODERNIDADE LIQUIDA: UMA REFLEXÃO SOBRE O CONSTITUCIONALISMO

Pretendemos nessas breves linhas, tecer algumas considerações críticas sobre o constitucionalismo. Para tanto levaremos em conta a obra “Modernidade Líquida”, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, bem como, pensamentos do insigne professor Daniel Sarmento.

Sendo assim, passemos ao que se pretende.

É notório as escalas de progresso que a humanidade vive. Fato esse que podemos visualizar da seguinte maneira:

A primeira fase desdobrou-se entre os séculos XVI a XVIII, período das grandes navegações, da descoberta do Novo Mundo, do renascimento cultural e da Reforma Protestante, primeiro estímulo ao individualismo, fazendo um paralelo com as Gerações dos Direitos Fundamentais, temos aqui a Primeira Geração dos Direitos Fundamentais, ou seja, a fase de limitar o poder Estatal, delineando prestações negativas ao Estado, fazendo e preocupando-se com que este, não invada a esfera privada do indivíduo; logo, as liberdades públicas ficaram consagradas.

Ademais, na primeira metade do século XX, restou notório o Iluminismo inaugurando uma segunda etapa da modernidade, caracterizado pela universalização da razão e pelo primado do indivíduo e de sua liberdade. Onde refletiu-se a Segunda Geração dos Direitos Fundamentais. Essa fase restou caracterizada principalmente pela revolução industrial, onde os trabalhadores pleiteavam seus direitos, logo, nessa Geração, o Estado teve que resguardar os Direitos Sociais. Vale destacar que, é justamente com base nessa fase que sedimentamos e construímos Princípios como o da Reserva do Possível e o do Mínimo Existencial.

Desse modo e continuando a demonstrar essa frenética evolução, temos a partir da segunda metade do século XX uma nova era, marcada por uma total ruptura com o passado, provocando mudanças fundamentais no terreno das relações sociais, da ciência, da filosofia, da educação, da moral e da economia. Esse cenário foi denominado e marcado pela Terceira Geração dos Direitos Fundamentais, conhecidos como Direitos a Fraternidade e Solidariedade, ou seja, direitos relacionados a qualidade de vida e relacionamento entre os povos. Tais direitos foram intitulados como Direitos Transindividuais, já que, fazem parte do indivíduo, mas transcendem sua esfera privada.

É nessa pressurosa transição de tempos em tempos que o autor Zygmunt Bauman trata das características, significados e contradições da modernidade, desenvolvendo a “Modernidade Líquida”. E explica-se: Líquida, por ser uma era com as principais particularidades dos fluídos: a inconstância e a mobilidade. Logo, e o autor ressalva que não se trata de transformações clássicas (modernidade sólida), ou seja, adventos de conjuntos estáveis de valores e modos de vida cultural e político. Mas sim de que, tudo é volátil, as relações humanas não são mais tangíveis e a vida em conjunto, familiar, de casais, de grupos de amigos, de afinidades políticas, não possuem consistência e estabilidade, gerando um processo de individualização (é um tempo de liberdade, juntamente com insegurança.). Aliás, é nesse contexto que podemos visualizar a Quarta Geração dos Direitos Fundamentais, tema muito bem sedimentado na doutrina do prof. Paulo Bonavides.

Sendo assim, fica fácil compreender que o Ordenamento Jurídico não poderia ficar de fora desse fenômeno, onde, pensamos e pretendemos provar que um dos maiores fatores a ser atingido por tal, está relacionado na concepção de Estado e sociedade. Isso porque, se pararmos para refletir (e esse é o propósito), hoje, tais concepções estão em xeque.

Leia-se e perceba: Houve a redução do tamanho do Estado. Houve a diminuição de direitos. Por quê? Porque se o Estado tinha um “charme emancipatório”, o mesmo Estado começou a ser visto por muitos não mais como redentor, mas sim, como uma força do atraso.

Entenda-se: Essa retração do Estado deu-se com as mudanças nas técnicas na área de computação, na área de transporte, na área de telecomunicações, as fronteiras foram perdendo importâncias. Hoje um brasileiro nato pode estar fora de seu continente e fazer transações. É nisso que a “modernidade liquida” se sedimenta, ou seja, inconstância e mobilidade.
Fato é que, o poder, de certa maneira, se desterritorializou e o modelo de constitucionalismo se baseia em uma territorialização do poder. A Constituição é a Constituição do Estado. Ela está ali para limitar o Estado. Contudo, é notório que, muitas vezes a Constituição tem pouca força para enfrentar esses agentes econômicos transnacionais, essas entidades supranacionais.

Relembremos o fato marcante que ocorreu depois da II Guerra Mundial, qual seja, a superação do modelo da Paz de Vestfália (rememorando: a Paz de Vestfalia foi um tratado celebrado no século XVII pelos Estados Europeus, pelo qual cada um reconhecia a soberania do outro). Onde, com a II Guerra Mundial, se viu que o Estado é um violador de direitos e não pode, com isso, ser o único responsável pela proteção dos direitos (prova disso é a evolução das gerações dos direitos fundamentais).

Sendo assim, tem-se hoje no Ordenamento Jurídico um movimento de internacionalização de direitos, traduzindo-se em tratados internacionais, na criação de agências de monitoramento, de instâncias jurisdicionais, como a Corte Européia, bem como no Tribunal Penal Internacional (reforça-se: perfeitamente explicável pela “Modernidade Liquida” pelo ponto da insegurança que ela gera.).

Ou seja, começamos a ter direitos que estão fora do âmbito do Estado. Alguns associam isso ao advento de uma espécie de “Constitucionalismo Global”. Aliás, um exemplo claro dessa situação encontra-se na Europa onde se discutia uma Constituição Européia. Fato olvidado devido às derrotas dos plebiscitos na França e na Holanda. Agora, passa-se em reflexão: Como é que se convive, na Europa, com uma União Européia forte que tem um parlamento que tem um poder judiciário que tem poder executivo que faz normas que se aplicam diretamente aos Estados com o conceito de Constituição soberana?
Ademais, dentro desse aspecto, vale consignar que o constitucionalista português Canotilho fala que hoje não é mais possível pensar na Constituição como a instância hierárquica superior de um ordenamento. Hoje, se tem o modelo de Constituição em rede. Destarte, aquela imagem cômoda da Constituição que vem no vértice superior da pirâmide dificilmente é uma descrição apurada na realidade super complexa que temos hoje.

Pergunta-se: Aonde isso vai dar? Impossível responder por estarmos no meio da história, onde, o que pretendemos aqui nesse contexto, é chamar a atenção para essa fluidez da modernidade atingindo as áreas política, jurídica, econômica e seus impactos sobre o constitucionalismo.