Atendendo as solicitações de colegas em vista da palestra feita na ACADEPOL de Campinas/SP, estou postando algumas considerações pontuais sobre a Lei 12.403/11 e a figura do Delegado de Polícia.
Lei 12.403/11 e a atividade de Polícia Judiciária.
O Delegado de Polícia, modernamente, tem por papel principal garantir os Direitos Humanos do cidadão. Possui por objetivo, conceder aplicabilidade ao Ordenamento Jurídico fazendo valer as Leis, para assim, e somente assim, dar subsídio investigativo acerca de autoria e materialidade delitiva para uma ação penal.
Essa assertiva ganhou destaque e comprovação com a aprovação da Lei 12.403/11 e sua conseqüente vigência no dia 04/07/2011, visto que, uma mudança substancial de paradigmas ocorreu. O propósito da Lei 12.403/11 é justamente de adequar o Código de Processo Penal ao preceituado no Código Penal, qual seja, a aplicação do Direito Penal como última ratio, leia-se, o reconhecimento expresso de medidas cautelares restritivas (e não privativas) da liberdade, aproximou-se do que já vinha sendo preceituado no Código Penal (conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direito ou multa), concedendo assim, uma harmonia entre Leis substantiva e adjetiva, e assim, no Ordenamento Jurídico (fato que começou com a norma programática estabelecida na CF de 1988 – art. 98, I, e posteriormente, em 1995, concretizada com a entrada em vigor da Lei 9.099).
A linha decisória a ser adotada, doravante pelo Delegado de Polícia sobre a real necessidade do encarceramento de alguém, passa obrigatoriamente por uma interpretação sistêmica da própria Constituição Federal de 1988 aonde , a dignidade da pessoa humana (art.1º, inciso III da CF) a presunção da inocência (art. 5º, inciso LVII da CF) e outros princípios estampados na Lei Maior ganham contornos de máxima efetividade. Não podemos olvidar que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos também integram o rol de ferramentas da atuação do Delegado de Polícia e que este, somente se utilizará da prisão quando outra forma de realização da atividade de polícia judiciária já não for eficaz ou quando os requisitos de uma prisão estiverem evidentemente tatuados nos fatos para assim serem solucionados, sempre em caráter residual. A preocupação em foco não é a diminuição de população carcerária, mas sim a garantia da Dignidade da Pessoa Humana. Se para tanto houver a necessidade de se privar a liberdade de alguém, isso será feito.
1. PRISÃO EM FLAGRANTE:
Cumpre ressaltar de início que, a Lei 12.304/11, com relação ao corpo do auto de prisão em flagrante, nada mudou, acrescentando-se somente o fato da obrigatoriedade da remessa dos autos ao Ministério Público (art. 306 do CPP).
Aqui cabe uma advertência, analisada em vista do prazo de 24 horas que o auto de prisão em flagrante deve ser encaminhado ao juiz e se o indiciado não informar o nome do advogado, a Defensoria Pública (§1º); Certo, pois, que a Lei não determinou esse prazo de envio ao Ministério Público (o caput do art.306 somente utiliza o termo "imediatamente"). Nesse sentido, entendemos que por ser o Ministério Público o titular da ação penal pública e fiscal da lei, também no prazo de 24 horas os autos de prisão em flagrante a ele deverá ser remetido.
A alteração mais substancial verificada pela nova lei foi realizada no sentido de se encarar a natureza jurídica da prisão em flagrante, pois, a mesma, de acordo com o artigo 306, parágrafo único do CPP conforme relatado acima deverá ser remetida ao juiz em 24 horas que poderá adotar uma das seguintes possibilidade (art. 310 do CPP):
a) Relaxar o flagrante quando a prisão for ilegal;
b) Converter a prisão em flagrante em prisão preventiva se presentes os requisitos do art. 312 do CPP, ou, em outra medida cautelar que não a prisão; e
c) Conceder liberdade provisória com ou sem fiança.
Dessa feita, a lei posicionou-se no sentido de a prisão em flagrante possuir natureza jurídica de medida pré-cautelar tanto em ordem administrativa como também judicial. A natureza administrativa do auto de prisão em flagrante está demonstrada em torno do ato vinculativo do poder de polícia exercido pelo Delegado de Polícia no inquérito policial, por ser o auto de prisão em flagrante, a peça iniciadora do inquérito policial. Por seu turno o outro fundamentando ao lado de uma medida pré-cautelar de natureza administrativa, é o de deter o auto de prisão em flagrante, um aspecto judicial, uma vez que, a decisão da Autoridade Policial vem carreada de um fundamento jurídico para fundamentar tecnicamente o auto de prisão em flagrante. Aliás, esse é um dos pontos justificadores da função do Delegado de Polícia como operador do Direito e garantidor do Ordenamento Jurídico e da Dignidade da Pessoa Humana concedendo subsidio para o devido processo legal.
Podemos afirmar que, diante dessa natureza jurídica, somente o Delegado de Polícia poderá formalizar o auto de prisão em flagrante (leia-se, único agente do Estado investido desse ofício). Dessumindo-se a propósito outra afirmação: Por ser o auto de prisão em flagrante a peça iniciadora de um inquérito policial e ambos somente competir ao Delegado de Polícia para com o exercício da atividade de polícia judiciária, o prazo para terminar tal inquérito policial continua sendo contado do momento da lavratura do auto de prisão em flagrante e não do momento da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva.
Outro aspecto sobre a Prisão em Flagrante é digno de nota: A chamada apresentação espontânea face à revogação do art. 317 do CPP (na verdade outro instituto de natureza diversa foi colocado no art. 317 do CPP – prisão domiciliar). A pergunta que emerge diz respeito ao posicionamento atual do Delegado de Polícia frente a apresentação espontânea do autor de uma infração penal. O direcionamento que pensamos ser viável, é no sentido de a Autoridade Policial analisar os fatos e tomar a atitude que entender cabível naquele momento. Ou seja, poderá lavrar o auto de prisão em flagrante, onde utilizar-se-á do fundamento legal extraído da expressão “acaba de cometer a infração penal” insculpida no artigo 302, II do CPP e encaminhar os autos ao Magistrado representando pela prisão preventiva do autor ou por outra medida cautelar distinta da prisão; Ou então, de instaurar o Inquérito Policial fazendo o indiciamento de quem se apresenta, apurando-se melhor os fatos para posteriormente e com melhor convicção do que está-se noticiando, representar por alguma medida cautelar, ou, simplesmente relatar o inquérito policial.
2. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO:
A figura principal que a Lei 12.304/11 trouxe foi as Medidas Cautelares restritivas de direito. Nesse sentido, cumpre de inicio afirmar que o CPP já possuía medidas cautelares restritivas de direito, contudo utilizava-se da nomenclatura Medidas Assecuratórias. Aliás, valido consignar que a Lei 11.340/06 consagrou também um rol de Medidas Protetivas (leia-se, cautelares) distintas da prisão para os casos envolvendo violência doméstica ou familiar contra a mulher. Sendo assim, o que se altera não é a introdução das Medidas Cautelares Restritivas de Direito, mas sim, os destaques que as mesmas ganharam com a Lei 12.304/11 onde o CPP consagrou expressamente a nomenclatura Medidas Cautelares e, principalmente, o caráter de regra geral que a mesma ganhou no Ordenamento Jurídico.
O que se está por afirmar é que, a Medida Cautelar Privativa de Liberdade, leia-se Prisão Preventiva, somente será aplicada se não for cabível Medida Cautelar Restritiva de Direito (art. 282, §6º do CPP).
Nesse sentido, os requisitos das Medidas Cautelares Restritivas de Direito, ao lado do requisito básico para se existir um indiciamento ou uma ação penal, diga-se, suposição mínima de autoria e materialidade delitiva, são os seguintes:
1- Requisitos alternativos:
NECESSIDADE:
a) Para a aplicação da lei penal; ou;
b) Para a investigação ou instrução criminal; ou;
c) Nos casos expressamente previstos para evitar a prática de infrações penais.
2- Requisitos cumulativos:
ADEQUAÇÃO:
a) Da medida à gravidade do crime;
b) Da medida à grávida do fato; e;
c) Da medida à condições pessoais do indiciado ou acusado.
3- Requisito imprescindível:
a) O DELITO SER APENADO COM PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE (art. 283, §1º do CPP).
Destarte, alguns outros direcionamentos ainda podem ser abstraídos da nova lei:
i- A regra é o Magistrado primeiro analisar se é caso de aplicação de medidas cautelares distintas da prisão, para só assim, e se cabível, aplicar a prisão (art. 282, §§4º e 6º do CPP);
ii- As medidas cautelares poderão ser aplicadas sozinhas ou cumulativamente (art. 282, §1º do CPP);
iii- As medidas cautelares são regidas pela cláusula rebus sic stantibus, ou seja, a(s) medida(s) aplicada(s) somente valerá(ão) se os fatos ensejadores da(s) mesma(s) permanecerem – Princípio da Eficácia concreta das Medidas Cautelares (art. 282, §5º do CPP);
iv- Como regra a aplicação das medidas cautelares restritivas de direitos, seguirão o princípio do contraditório, que se necessário e devidamente fundamentado poderá ser diferido (art. 282, §3º do CPP).
v- Cumpre destacar ainda que se o investigado (agora na condição de indiciado) romper com o cumprimento de alguma medida cautelar, ao mesmo será imposto, em “último caso” a prisão preventiva (arts. 282, §4º c/c 312, parágrafo único do CPP). Contudo, advirta-se que a Lei somente legitimou o MP, Assistente e querelante, silenciando-se quanto a atuação do Delegado de Polícia que por ofício é o principal encarregado de analisar o cumprimento das medidas cautelares. Assim, é tranqüilo concluir que, se o Delegado de Polícia pode o mais que é representar pela prisão preventiva diretamente ou outra medida cautelar (arts. 282, §2º e 311 do CPP), também poderá o menos, ou seja, diante do não cumprimento de uma medida cautelar, representar pela prisão ou conversão por outra medida cautelar ao juiz, concedendo assim, eficácia e credibilidade ao Ordenamento Jurídico e proteção a(s) vítima(s).
Fato é que, a par do legislador não ter colocado a possibilidade de representação do Delegado de Polícia no caso de descumprimento de medidas cautelares por outras medidas cautelares (restritivas ou privativa de liberdade) é um dissenso com o Ordenamento Jurídico. Aliás, não são poucos os equívocos cometidos pelo legislador ressaltando-se outra incongruência dentro da Lei 12.304/11 quando concede legitimidade ao assistente de acusação a requerer prisão preventiva na fase investigativa (art. 311 do CPP).
Por seu turno, o rol de Medidas Cautelares Restritivas de Direito encontra-se elencado no art. 319 do CPP, e pergunta-se: Trata-se de rol taxativo ou exemplificativo? Pode-se posicionar pelo entendimento de rol exemplificativo justamente para melhor adaptar a realidade do caso aos fins de proteção ao bem jurídico, não ocorrendo circunstâncias como a de representar pela prisão de alguém só pelo fato de não se adequar o caso concreto a alguma medida cautelar inscrita no rol do art. 319 do CPP.
A posição doutrinária que entende que o Princípio da Legalidade, mais especificamente seu sub-princípio da taxatividade impede de se ampliar o rol das medidas cautelares restritivas de direito olvidam-se que, na verdade, a Lei substantiva perderia seu fim protetor de bens jurídicos se a norma adjetiva sofresse impedimentos principiológicos correlacionados a norma substantiva.
Aliás, um fato não pode ser contestado, ninguém melhor que o Delegado de Polícia para conhecer das necessidades prementes dos fatos concretos em vista do Ordenamento Jurídico, posto que, diretamente ligado ao calor dos acontecimentos. Logo, plenamente justificável representar por medida cautelar restritiva de direito não constante do rol do art. 319 do CPP, justificando-se juridicamente, dentre outros fundamentos, pelo Poder Geral de Cautela que o Magistrado possui por ofício fortalecido pelo arcabouço probatório demonstrado pelo Delegado de Polícia para o caso (verdadeira essência da Polícia Judiciária).
Nesse sentido, é valido afirmar que os Delegados de Polícia devem motivar e fundamentar, em despacho interlocutório, a realidade dos fatos e representar pela adoção de medidas cautelares (restritivas ou privativas da liberdade), visto que, agindo assim, não se está colocando em cheque o sistema acusatório, posto que o Magistrado não agirá de ofício na fase investigativa (garantindo-se assim o princípio acusatório no processo penal).
Por oportuno, cabe destacar a Medida Cautelar Restritiva de Direito FIANÇA, uma vez que a mesma ganhou sua verdadeira natureza jurídica, qual seja de medida cautelar real autônoma (art. 319, inciso VIII do CPP).
Na verdade, o que se está a afirmar é que, não se pode mais fazer confusão que alhures era feita entre somente se conceder a Liberdade de alguém se cabível Fiança. A discrepância de tratamento entre a concessão de crimes afiançáveis e inafiançáveis fez inclusive o constituinte de 1988 pontuar de forma atécnica os institutos, posto que, dá análise do art. 5º, LXVI da CF situações desproporcionais hão de ser enfrentadas como o cabimento nos crimes hediondos de liberdade provisória sem fiança, contudo a crimes de menor gravidade caberá liberdade provisória apenas com fiança.
Sendo assim, cabe destacar alguns pontos acerca da FIANÇA e a atividade de polícia judiciária:
Autoridade Policial arbitrará fiança a crimes apenados com pena máxima de 4 anos (art. 322 do CPP);
REQUISITOS:
1- Não será concedida fiança: Aos crimes de racismo; Aos crimes de tortura, tráfico de drogas e terrorismo; Aos crimes hediondos; e aos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
2- Também não será concedida fiança: Aos que no mesmo processo tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, as obrigações de comparecimento perante a autoridade, toda vez que for intimado para atos de inquérito, instrução criminal e julgamento, bem como, mudar de residência, sem prévia autorização da autoridade processante, ou ausentar-se de sua residência por mais de 8 dias, sem comunicar a autoridade processante o lugar onde possa ser encontrado; Em caso de prisão civil ou militar; Quando presentes os motivos que autorizem a decretação da prisão preventiva estabelecidos no art. 312 do CPP.
3- Os valores de arbitramento da fiança, especificamente para o Delegado de Polícia (leia-se, somente caberá a fiança para crimes apenados até 4 anos), far-se-ão nos patamares de 1 a 100 salários mínimos (arts. 322 c/c 325, I do CPP). Para tanto, a Autoridade Policial levará em conta os seguintes requisitos para fixar o valor da fiança (art. 326 do CPP):
a) Natureza da infração;
b) Condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado;
c) Circunstâncias indicativas da periculosidade do acusado; e
d) Importância provável das custas do processo.
Uma pergunta pode ser feita: Se preenchido os requisitos para arbitramento da fiança, o Delegado de Polícia tem faculdade de não arbitrar? Alguns aplicadores do direito poderão fundamentar sua resposta no sentido de que, levando-se em conta uma interpretação literal do texto da Lei feita a Contrario sensu, isso porque, o art. 335 do CPP estabelece que: “Recusando ou retardando a autoridade policial a concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o juiz competente, que decidirá em 48 horas”.
Todavia, uma outra corrente (que podemos intitular como garantista) poderá fundamentar no sentido de que, se preenchido os requisitos de cabimento da fiança, estará a autoridade (delegado ou juiz) OBRIGADO a arbitrar a fiança por tratar-se de direito fundamental do ser humano, conforme mandamento contido no art. 5º, LXVI da CF.
Advirta-se ademais que, tratando-se de indiciado/réu pobre, somente o Juiz poderá conceder liberdade provisória sem fiança, conforme se depreende da análise do art. 350 do CPP.
Mais alguns questionamentos podem ser feitos sobre a concessão de fiança pelo Delegado de Polícia:
1- Caberá ao Delegado de Polícia analisar eventual concurso de crimes para fins de arbitramento de fiança? Alguns doutrinadores poderão sedimentar seus posicionamentos em decisões já consolidadas, principalmente no Superior Tribunal de Justiça (súmula 81), que determina a não concessão de fiança para os casos de concurso material, quando se somar as penas mínimas cominadas o patamar suplantar 2 anos de reclusão. Todavia, tal entendimento não mais se aplica, isso porque, o artigo que fundamentava a imposição de pena para fins de arbitramento da fiança (antigo art. 323, I do CPP) foi revogado pela Lei 12.304/11 (na mesma esteira, também foram revogados os incisos que proibiam a concessão de fiança para o réu vadio, para as contravenções penais dos arts. 59 e 60, para o reincidente em crime doloso e para os casos de crimes punidos com reclusão que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência ou grave ameaça a pessoa).
Sendo assim, fácil concluir que o legislador de 2011, quis dar razão à norma constitucional de 1988 que tratou da Fiança como um direito subjetivo público, conforme se depreende da análise dos art. 1º, III c/c art. 5º, LXVI, ambos da Constituição Federal. Portanto, levando-se em conta as interpretações histórica, teleológica e sistemática fatos contraditórios haveriam de ocorrer caso se entendesse pela aplicabilidade das regras do concurso de crimes em detrimento ao arbitramento da fiança, uma vez que, por exemplo, se os fatos ocorressem em momentos destacados de tempo, e cada qual fosse encaminhado à Delegacia de Polícia, certamente para cada crime afiançável, haveria um arbitramento; Ademais, uma analogia podemos trazer à tona, por tratar-se de institutos que apregoam a aplicação do Direito Penal como última ratio, qual seja, fazermos uso da Lei 9.099/95 (p. único do art. 60 com as alterações estabelecidas pela Lei 11.313/06), que determina a cisão do concurso de crimes quando houver crime comum e crime de menor potencial ofensivo. Lembremos por fim que, o concurso de crimes é uma ficção jurídica relacionada principalmente para fins de aplicação da pena, presumindo-se por isso o transcorrer de um devido processo legal para tal aplicação.
2- Na linha dos questionamentos: Caberá ao Delegado de Polícia analisar eventual privilégio ou diminuição de pena para fins de arbitramento da fiança? Exemplo: Um furto tentado qualificado caberia arbitramento de fiança? Ainda: Caberá ao Delegado de Polícia levar em conta qualificadora(s) ou causa(s) de aumento para fins de arbitramento de fiança? Para a mesma razão se seguirá a mesma interpretação. A Autoridade Policial, para o desempenho de suas atribuições necessita discernir e fundamentar sua decisão de compreender se um crime encontra-se consumado, ou se apenas se verificou a hipótese de tentativa. Todavia, podemos evoluir mais um pouco nesse tema: Pensemos no oferecimento de uma denuncia, o Ministério Público já em sua peça exordial demonstra a qualificadora do crime imputado, fato que ab inicio não pode ser contestado pelo Magistrado em vista de se transcorrer todo um processo para provar os mesmos. Nesse raciocínio, no inquérito policial o Delegado de Polícia tem a possibilidade de demonstrar ao Magistrado a possibilidade de se estar diante de uma causa de aumento ou diminuição de pena, ou ainda, de se estar diante de uma agravante e atenuante da pena; Ressaltando-se ainda que, se a Autoridade Policial, por determinação legal (art. 6º do CPP) deverá comparecer no cenário criminoso constatando as características do mesmo, determinando inclusive perícia para comprovação dos fatos, retirar a possibilidade do mesmo em reconhecer as circunstâncias criminosas, seria o mesmo que despir a Autoridade Policial de sua função de polícia judiciária.
Alguns doutrinadores até poderão dizer que o Delegado de Polícia deve primar pelo princípio do in dúbio pro societate, logo, aplicando sempre o entendimento mais grave. Contudo, tornamos a dizer que a Autoridade Policial possui por principal papel a garantia dos Direitos Humanos da pessoa investigada, por saber justamente que a mesma ainda passará pelo crivo de um devido processo legal. E é evidente que essa postura somente deverá ser tomada quando a Autoridade Policial realmente estiver convencida dos fatos, se não, aí sim a bandeira do princípio do in dubi pro societate deverá ser erguida.
3. PRISÃO PREVENTIVA:
Cumpre inicialmente advertir que, a prisão em decorrência de pronúncia e a prisão em decorrência de sentença condenatória antes do trânsito em julgado, que eram ao lado da prisão em flagrante, espécies de prisões provisórias, deixaram de existir com as Leis 11.689/08 e 11.719/08. Sendo assim, agora com a Lei 12.304/11, somente podemos falar em duas prisões provisórias, leia-se, duas Medidas Cautelares Privativas de Liberdade (art. 283 do CPP): Prisão temporária, que nenhuma alteração sofreu e Prisão Preventiva, onde pontos substanciais sofreram modificação, a começar pelas espécies e requisitos das prisões preventivas, a saber:
1 . Prisão preventiva propriamente dita (prisão preventiva autônoma):
A- Possui os seguintes requisitos básicos:
a) art. 312 do CPP - fumus comissi delicti, retratado pelos seguinte requisitos cumulativos:
1- Prova da existência do crime; e
2- Indícios suficientes da autoria;
b) SOMANDO-SE a um dos seguintes requisitos alternativos - Periculum libertatis:
1- Garantia da Ordem Pública (para tanto deverá se levar em conta, segundo jurisprudência consolidada a cumulação de duas dessas situações: Gravidade concreta do crime; repercussão social do crime; maneira peculiar de execução do crime; condições pessoas negativas do suposto autor do crime; e envolvimento com quadrilha ou bando ou organização criminosa); ou;
2- Garantia da Ordem Econômica; ou;
3- Conveniência da Instrução criminal; ou;
4- Aplicação da Lei penal.
B- Analisadas com uma das CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE previstas no art. 313 do CPP:
a) crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos;
b) reincidente em crime doloso, desde que não tenha havido consolidado o prazo depurador de 5 anos do art. 64, I do CP; e
c) se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas.
C- Sempre fundamentando a prisão preventiva (art. 315 do CPP) inclusive no que diz respeito do porque não se adotou medida cautelar restritiva de direito – princípio da subsidiariedade da prisão preventiva – art. 282, §6º do CPP. Onde, aliás, o Delegado de Polícia pode muito bem deixar demonstrado para o Magistrado que outra medida cautelar que não a privativa de liberdade faz-se necessário ao caso, já que o mesmo, como dito acima, esta em contato direito com o “calor” dos acontecimentos.
2. Prisão preventiva em decorrência da prisão em flagrante (prisão preventiva por conversão) – art. 310, II do CPP:
A lei trás somente como requisito o art. 312 do CPP.
Contudo o próprio art. 310, II do CPP consagra também para essa medida a subsidiariedade da prisão preventiva ao se utilizar das expressões: “se relevarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão”; logo, aqui também, e principalmente, já que o auto de prisão em flagrante é o instrumento de atuação do Delegado de Polícia, deverá deixar demonstrado para o Magistrado que outra medida cautelar que não a privativa de liberdade faz-se necessário ao caso (conclusão extraída da inteligência do art. 282, §2º que autoriza a representação da Autoridade Policial para fins de decretação de medidas cautelares que não a prisão; e, art. 311 do CPP que desautoriza o juiz a agir de ofício na fase investigativa para fins de decretação de prisão preventiva, todavia o próprio art. 311 autoriza a Autoridade Policial a representar pela mesma na fase investigativa).
3. Prisão preventiva por descumprimento de medida cautelar anteriormente imposta (prisão preventiva subsidiária):
Basta por si só esse requisito – arts. 282, §4º c/c 312, parágrafo único do CPP.
4. Prisão preventiva para identificação de pessoa (prisão preventiva utilitária) – art. 313, parágrafo único do CPP.
Uma ressalva deve ser feita: Tal prisão não se confunde com os objetivos da prisão temporária, uma vez que esta serve somente para orientar a fase investigativa, e possui dentre outros requisitos (inclusive o da dúvida quanto à identificação) um rol de crimes que poderão ensejar tal prisão.
Passado em revista as espécies de prisão preventiva, uma última observação deve ser feita, que inclusive valerá para toda e qualquer medida cautelar (restritiva ou privativa de liberdade): Doravante, toda medida cautelar deverá perdurar enquanto houver uma justificativa legal e constitucional a dar suporte para a mesma (isso é o terceiro aspecto do princípio da proporcionalidade, ou seja, proporcionalidade em sentido estrito). Dessa forma, não há mais que se falar em eternidade da medida cautelar, contudo, competirá ao réu ou indiciado demonstrar que a medida tornou-se ineficaz para o caso. Justificamos esse argumento pela premissa de que, quem alega um fato, deve demonstrá-lo orientado, como dito em outra oportunidade, pela cláusula rebus sic stantibus.
4. CONCLUSÃO:
Concluímos que, a Lei 12.304/11 encontra-se em perfeita sintonia com a atual Política Criminal brasileira. Sendo assim, posturas pontuais de se ver preso alguém que tenha cometido um crime deverão ser reinterpretadas. Por primeiro, a Constituição Federal tem como fundamento da República brasileira o princípio da Dignidade da Pessoa Humana; por segundo, a própria Lei Maior presume qualquer pessoa inocente até o transito em julgado de sua sentença condenatória; por terceiro, a Política Criminal Garantista vem fundamentando a atuação do Direito Penal na real (e não utópica) proteção dos bens jurídicos, onde somente se apenará o infrator com pena privativa de liberdade quando superado a intervenção mínima (e princípios correlacionados) do Direito Penal; por último, é evidente que o Processo Penal não poderia tratar de forma desproporcional situações que o Direito Penal prevê penas restritivas de direito e/ou multa, logo, a Lei 12.304/11 trouxe consonância, eficácia e credibilidade ao Ordenamento Jurídico.
Por fim, ressaltamos que, aos Delegados de Polícia competirá apoiar e fazer valer eficazmente seu ofício, onde, a figura do Delegado de Polícia truculento e autoritário detentor de um poder de polícia fundamentado única e somente na privação da liberdade de alguém, para, somente assim, conseguir alcançar o objetivo de seu ofício e por conseqüência, sua alta estima, não há mais fundamento no atual Ordenamento Jurídico.
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GOMES, Luiz Flávio (em coordenação com Ivan Luis Marques da Silva). Prisão e Medidas Cautelares. 1.ed.,SP: Revistas dos Tribunais, 2011.
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