De fato, excelente livro tanto para reflexões
acadêmicas quanto para as cotidianas e políticas.
Nesse sentido, DIMITRI após a tradução do cenário
contextual dos fatos (1ª parte do livro) traz pareceres sobre a interpretação
do caso (2ª parte do livro), chamando-nos a adotar uma posição e de fato
justificá-la.
Confesso que nunca tive coragem de escrever e
justificar minha posição. Até sinalizo algumas justificativas invocando as
características do Poder Constituinte Originário (inicial, autônomo, ilimitado,
incondicionado e poder de fato e político) todavia, estremeço-me frente as
características dos Direitos Humanos (destaco a universalidade,
indisponibilidade, aplicabilidade imediata, historicidade/proibição do
retrocesso e imprescritibilidade).
Aliás, até expresso minha opinião em sala de aula e
palestras, já que, “as palavras voam, os escritos permanecem - VERBA VOLANT, SCRIPTA MANENT ”.
Contudo, posso afirmar (não que seja minha opinião)
que fui (fomos) presenteado(s) com o parecer de um amigo – Dr. ADAUTO SUANNES, e
para ser fiel à verdade real dos acontecimentos, parecer este gerado graças a
ação de meu sogro Maurício Pazini Brandão que presenteou Adauto com o livro
traduzido por Dimitri (o desencadeamento dos fatos se deu quando meu pai, Jaime
Pimentel, indicou e emprestou o livro para Maurício que leu e adorou,
presenteando Adauto com um exemplar).
Peço vênia a nosso leitor, bem como e
principalmente a você ADAUTO, para publicar ipsis
litteris seu entendimento; e aproveito para agradecê-lo por brindar-nos com esta
leitura.
Lon Luvois Fuller,
nascido com o século passado, tornou-se professor de Direito na Universidade de
Harvard. Deixou um livrinho, que era um desafio a seus alunos e que muitos
estudantes brasileiros já foram instados a ler: “O caso dos exploradores de
cavernas”. A hipótese por ele trazida no livro foi tornada realidade tempos
depois, quando, havendo caído um avião com passageiros nos Andes, os
sobreviventes passaram a alimentar-se com a carne dos falecidos. Como você agiria se lá estivesse?
Em outro livrinho,
menos conhecido por aqui, Fuller inventa uma situação mais complexa: em certo
país, o governo é assumido por determinado partido, que tem maioria absoluta no
Poder Legislativo e muitos simpatizantes no Poder Judiciário. Ele poderia estar
falando da Alemanha nazista, do México do século passado, da Cuba atual, da
Venezuela ou do Brasil. Graças a esse poder, o tal partido faz aprovar leis
curiosas, como aquela que exige dos cidadãos que, quando perderem seu documento
de identidade, denunciem o fato às autoridades, em cinco dias, para
cancelamento, evitando-se, assim, que alguém, contrário ao regime, se utilize
desse documento para fins escusos. A desobediência a tal regra era sancionada
com a pena de morte, a ser imposta num processo judicial, por estar em risco a
segurança nacional.
Tal como aconteceu
na Alemanha pós-nazismo, na Espanha pós-Franco e no Portugal pós-Salazar, com a
morte do líder carismático e a eleição de novos governantes, aquelas leis foram
revogadas. Ficou, porém, uma “herança maldita”: aqueles que se consideravam
vítimas de leis injustas passaram a acionar o governo para pedir reparação dos
danos sofridos e a punição daqueles que deram cumprimento a tais “leis
injustas”, aí incluídos os juízes. No livro de Fuller, são consultados cinco
membros do Legislativo, dando cada qual seu parecer sobre o assunto. Cabia aos
alunos adotar uma dessas opiniões, refutando os argumentos das outras quatro.
O professor Dimitri
Dimoulis, da Fundação Getúlio Vargas, vem de lançar a tradução do livro,
acrescentando, por sua conta, a opinião de cinco juristas, tão fictícios como
os deputados de Fuller, cada qual dando seu parecer sobre o tema. Ao finalizar
o livro, Dimoulis recomenda a seus alunos: a partir da argumentação dos
juristas, tome partido, aderindo a um dos pareceres. Mas, diz ele, “explique o
porquê”.
E diz mais:
“Defenda bem e detalhadamente a sua opinião. Só se esta for convincente a
solução contará com o apoio dos demais”. O que me faz inventar um sexto
jurista, o prof. Suarez, que pede licença para por sua colher de plástico nesse
caldeirão de polenta.
Em primeiro lugar,
quando se diz, como enfatiza o Prof. Satene, que não podemos falar em “violação
do direito” sem antes definirmos o que entendemos por direito, pois “todos
usamos esse termo mas cada um entende algo diferente”, está-se a dizer que
nenhuma definição de Direito logra dizer exatamente o que é aquilo que
se busca definir. O que me faz lembrar do estudante de Teologia que, passeando
pela praia, viu uma criança a fazer um buraco onde, segundo revelou ao futuro
santo, pretendia enfiar toda a água do mar. Agostinho, esse o nome do
seminarista, deu um tapa na nesta e limitou-se a exclamar “É isso!”, referindo-se
à impossibilidade de o homem conceituar Deus.
“Putas quid est
Jus?” poderemos indagar, parafraseando o santo. Acaso
imaginas poder entender o que é o Direito? Falas em Justiça como se fosse
possível ao homem equiparar-se a Deus que, justo embora, a mais não ser,
consegue julgar-nos com tal benevolência que temos a certeza de estarmos longe
da Geena. Sendo, por hipótese, absoluto e detentor de toda a verdade, a ponto
de desafiar seu julgador, permite a nossa inteligência o atrevimento de
tentarmos alcançá-la. Como pode?
“Quid est
Veritas?” indaguemos a qualquer juiz e tudo o que ele nos
dirá é: “É aquilo que ficar provado no processo.” Vejamos, então, uma
historieta: alguém é processado criminalmente sob a acusação de haver furtado a
bolsa de A, a caneta de B e o relógio de C. Condenado pelo juiz singular, apela
ao tribunal, sendo seu recurso submetido, como é a regra, a três juízes. O
primeiro juiz, relator do processo, reconhece que a prova demonstra apenas a
ocorrência do furto da bolsa, devendo o apelante ser absolvido das demais
acusações; o segundo juiz, revisor do processo, reconhece que a prova demonstra
apenas a ocorrência do furto da caneta, devendo o apelante ser absolvido das
demais acusações; e o terceiro juiz, vogal, como se diz no foro, reconhece que
a prova demonstra apenas a ocorrência do furto do relógio, devendo o apelante
ser absolvido das demais acusações. Quatro juízes chegam a esta verdade: ali
está um ladrão. Ele, no entanto, deverá ser absolvido, pois nenhuma das três
teses foi sufragada por, pelo menos, dois juízes do tribunal. Que verdade e
essa?
Em segundo lugar,
tenho também por inconsistentes os reclamos de minhas colegas do gênero
feminino, como é de bom tom dizer hoje em dia. Se o caso sob julgamento alude
apenas a homens é porque a hipótese versava sobre o comportamento de homens. O
reclamo denuncia o complexo de inferioridade que tem a maioria das mulheres,
incapazes de reconhecer as diferenças, físicas e psíquicas, existentes entre
elas e os homens. Quem atribuiu ao casamento o nome de matrimônio (mater +
munus) tinha em mente um fato social: com a união de um homem e uma mulher,
é a ela que compete cuidar da prole e da casa. Ao homem compete obter os
recursos para formar o patrimônio do casal (pater + munus). Isso,
certamente, não foi inventado por uma só pessoa.
Por fim, last
but not the least, tenho por risível a responsabilização, civil ou
criminal, do homem que levou o marido de sua amante à morte. Se eu vir meu
desafeto a atravessar a rua, certamente rezarei com todas as minhas forças a
Deus pedindo-lhe que mande um caminhão em alta velocidade para tirar deste
mundo aquele canalha. Se Deus me atender, acaso merecerei ser chamado de
homicida? Eles que se entendam lá em cima (ou lá embaixo). Sendo Deus, por
hipótese, o dono da vida, que nos empresta por prazo que só Ele conhece, se,
naquele caso concreto, Ele a reivindicou manu militari, se assim posso
dizer sem cometer heresia, certamente porque não confia nos nossos juízes, que
culpa me cabe?
Tenho, Senhor
Ministro, por equivocadas as conclusões de alguns deputados e alguns de meus
colegas, exatamente porque partem de premissas inaceitáveis.
Para não
alongar-me em demasia, digo que, a meu aviso, certos fatos sociais, embora
produzidos por seres humanos, são apenas manifestações das forças da natureza,
algo que as apólices de seguro chamam, atrevidamente, de “atos de Deus”. Um
grupo de leões foge de um zoológico e caça pessoas, matando-as e matando,
também, sua natural fome. Ondas do mar encapelam-se e invadem a praia num tsunami,
matando gente e destruindo tudo o que encontram pela frente. Um doente mental
empunha uma arma de fogo e mata, sem motivo objetivo algum, dezenas de pessoas.
Um vulcão entra em erupção. Qual a providência judicial que restabelecerá a paz
social quebrada por esses acontecimentos? Certamente nenhuma.
De outra parte, e
para finalizar, qual a função do juiz criminal senão a de chamar para si o
desejo de vingança diante de alguém que, mercê de seu atrevimento, causa danos
a pessoas específicas ou ao conjunto dos moradores da sociedade? Ao menos é
isso que as “pessoas de bem” esperam dele. Um psicopata, cuja insensibilidade
ética (o que quer que seja isso) impede-lhe que tome consciência do mal que
causa, por ação ou omissão, àqueles que com ele se relacionam, poderá ser
impedido de assim agir? Ele tem escolha? Certamente não. O mesmo se diga com
relação aos membros da classe política, que, como regra, confundem seus
interesses particulares com os interesses da população que dizem representar.
Se a finalidade da condenação criminal é a “ressocialização” dos criminosos,
que medidas devem ser tomadas para que esses políticos abram mão de uma
característica que parece ser-lhes própria?
O mesmo se diga
dos arroubos patrióticos. Como é geralmente sabido, o hoje idolatrado Walt
Disney era um patriota como tantos outros, que, por isso, não se negava a
indicar ao senador Joseph McCarthy o nome de pessoas suspeitas de simpatizar com
o comunismo. Muitos colegas dele perderam o emprego por isso. Durante a II
guerra, os EUA tinham um espinho na garganta. Ou, melhor, dois: Getúlio Vargas,
no Brasil, e Juán Domingo Perón, na Argentina. Ambos simpatizavam com o
nazismo, valendo lembrar que, encerrada a guerra, um número enorme de nazistas
fugiu para esses países, como Adolph Eichmann e Josef Menguele. Os EUA sempre
procuraram cativar os países da América latina, desenvolvendo, para isso, o
projeto da The Good Neighbor Policy, que criou e alimentou vários
ditadores, cuja conduta jamais veio a ser questionada pelo alimentante. Naquela
época (antes do fim da II Guerra Mundial), Disney foi chamado para ser um dos
embaixadores desse estreitamento. Daí, por exemplo, o engajado filme "Alô Amigos".
Os políticos não brincam em serviço.
Quando se diz que
a possibilidade da pena de prisão inibe a prática de crimes faz-se uma
afirmação que a realidade desmente. O criminoso cuja ação é descoberta, por
força de mera falta de sorte, algo que os criminólogos chamam de “chiffre
noir”, mesmo que venha a ser condenado e cumprir efetivamente a pena, na
maioria dos casos não se “ressocializa”. Se for inteligente, na próxima vez
procurará deixar menos rastros.
Em conclusão,
tenho por absoluta perda de tempo voltarmos os olhos para o passado. Isso não
elimina os efeitos de um tsunami nem traz de volta à vida quem daqui foi
levado. É vivermos o presente, da melhor maneira que pudermos (o que quer que
nos diga a Ética, a Religião ou a nossa consciência) e procurarmos criar
condições para que os fatos desagradáveis do passado não se repitam.
Outrossim, a idéia
de que, defendendo bem e detalhadamente a minha opinião e tornando convincente
a solução proposta, contarei com o apoio dos demais juristas é também pura
ingenuidade. O que a experiência mostra é que a vaidade, em tais discussões,
fala mais alto, impedindo que a razão coteje com imparcialidade os argumentos
opostos.
Sei que alguns dos
meus colegas me chamarão de cínico. Eu prefiro que me chamem de pragmático.
A
propósito, permita-me Vossa Excelência, Senhor Ministro, uma pergunta final: é
possível fechar a boca de um vulcão?