( por
Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
RESUMO: Este artigo
pretende apresentar a Política de Aristóteles, destacando os oito livros que a
compõem e focando no tema principal de cada livro.
1.1 Ciência da felicidade humana
Nos capítulos iniciais da Ethica Nicomachea (Ética
a Nicômaco),
Aristóteles aplica o
termo Política ao tema único – a ciência da felicidade humana[1] – subdividido em duas partes: a primeira é
a Ética e a segunda
é a política propriamente dita. Ao examinar a diferença entre, o que ele
nomeia, ciências poiētikai (produtivas) e praktikai (práticas),
conclui que, além de as práticas serem superiores ás produtivas, a Política é
superior à Ética. A Política, diz o filósofo orienta a Ética, pois o homem só é
verdadeiramente autárquico na pólis, é a Política que orienta, também,
as ciências produtivas ou as technai (artes), pois somente a Politeía
(Cidade) diz o que deve ser produzido para o bem de cada um e de todos,
isto é, ao tò koinòn (bem comum).
A
Política é, assim, aquela ciência praktikai (prática) cujo fim é
“o bem propriamente humano”e esse fim é o bem comum. Por isso a Política
é a ciência prática arquitetônica, isto é, aquela que estrutura as ações e as
produções humanas.
Note-se
que, para Aristóteles, a felicidade humana
consiste em uma certa
maneira de viver, e a vida de um homem é o resultado do meio em que ele existe,
das leis, dos costumes e das instituições adotadas pela comunidade à qual ele
pertence[2].
Na Política de Aristóteles o homem é classificado como um “animal social por natureza”, que
desenvolve suas potencialidades na vida em sociedade, organizada adequadamente
para seu bem-estar. Como em 1253a, livro I, capítulo I, §9:
Estas considerações deixam claro que a cidade é uma criação natural, e que o homem é por natureza um animal social, e um homem que por
natureza, e não
por acidente, não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima da humanidade (como o "sem clã,
sem leis, sem lar" de que Homero fala com escárnio, pois ao mesmo tempo ele é ávido de combates), e se poderia compará-lo a uma peça isolada do
jogo de gamão.
Agora é evidente que o homem, muito mais que a abelha ou outro
animal gregário,
é um animal social. Como costumamos dizer, a
natureza nada faz sem propósito, e o homem é o único entre os animais que tem o dom da fala.[...] [3]
A
meta, portanto, é descobrir a
maneira de viver que leva à felicidade humana, e estudar a forma de governo e as instituições
sociais capazes de assegurar aquela maneira de viver.
A primeira tarefa leva ao estudo do éthos
(caráter), objeto da Ética a Nicômaco; a última conduz ao estudo das constituições das Politeías, objeto da Política. Esta, portanto, é uma sequência da Ética, e é a segunda parte de um tratado único. Aliás, já na geração anterior a Aristóteles, Platão, seu mestre, havia abrangido as duas partes do assunto
em um só diálogo – A República.
1.2
Ciência prática por excelência
Em sua maior parte, as obras de Aristóteles assemelham-se
a compilações de várias“ lições” no Liceu acerca dos diferentes aspectos
do assunto em exame, reunidas às vezes sem muita clareza para formar o conjunto de
um tratado. Esta observação se aplica especialmente à Política, aparentemente constituída de três grupos de “lições”, ou exposições.
Os três grupos seriam em linhas gerais, os seguintes: primeiro, os livros I,
II e III, à guisa de introdução, uma teoria da Politeía, em geral, e a classificação de suas várias espécies; segundo, os livros IV, V e VI, que
tratam da Política prática, natureza das
constituições existentes e dos princípios para seu bom funcionamento; terceiro,
livros VII e VIII, que examinam a forma da política ideal, a estrutura da melhor cidade, inacabados.[4]
Temos, então, que no esquema das ciências segundo Aristóteles,
a Política pertence ao grupo das ciências práticas, que buscam o conhecimento como um meio para a ação,
à diferença das ciências teóricas (a
metafísica e a teologia, por exemplo), cujo conhecimento é um fim em si mesmo.
As ciências práticas se subdividem por sua vez, de conformidade com a sistemática dicotômica de Aristóteles, em dois
grupos: as ciências poiéticas (produtivas), que nos ensinam a produção
de coisas, e as ciências práticas propriamente tais, que nos mostram como melhor
agir. As primeiras visam
a algum produto ou resultado, enquanto que as práticas implicam conhecimento adquirido nas
ações e seus fins, pressupondo escolhas. As primeiras incluem as profissões e os ofícios e as últimas abrangem as
chamadas “belas artes” (a música e a dança, por exemplo), que são
em si mesmas um fim.
A
ciência prática por excelência é a Política, isto é, a ciência do bem-estar e da
felicidade dos homens como um todo. Ela é práxis,
pois estuda não
somente o que é a felicidade (assunto também da Ética) mas a maneira de obtê-la; ao
mesmo tempo leva à
demonstração de que a felicidade não
é o resultado de ações, mas é em si
mesma uma certa maneira de agir.
1.3 Sobre os livros da Política
Seguindo
a proposta de classificação de Francis Wolff para os oito livros da Política
de Aristoteles,
temos:
1.3.1 Livro I – A cidade e a família
Neste livro, Aristóteles discerne o fundamento e a essência de
toda vida política, recolocando-a no interior de outras formas, mais
elementares, de vida social. Estudos particulares importantes pontuam a
sequência do livro, notadamente a comentada defesa da escravidão
(caps. 4 a 7), ou as
famosas análises de “economia política” dos caps. 8 a 11, que serão retomadas por Marx no livro I de O
Capital.
Marx reconhece sua dívida para
com Aristóteles: “o grande pensador que foi o primeiro a analisar a forma valor, bem como
tantas outras formas, seja de pensamento, seja de sociedade, seja de natureza.[5]”
Aqui, temos os seguintes temas:
A) A cidade, a melhor das comunidades
humanas (caps.1-2)
B)
A família
(caps.3-13)
1. As relações de poder que constituem
a família (cap.3)
2. A escravidão
(caps.4-7)
3. A gestão familiar (“ economia”) (caps.8-11)
4. As outras relações familiares (caps.12-13)
1.3.2 Livro II – Estudo crítico das melhores constituições
Neste
livro, Aristóteles, concentra suas análises na melhor
maneira de viver politicamente, isto é, sobre a melhor politeia, a melhor “constituição”, e contenta-se com uma análise crítica de constituições existentes, aquelas que apresentam projetos dos grandes reformadores políticos, e entre os quais está Platão, e os que estão efetivamente em vigor nas cidades reputadas como as mais bem governadas
à época. Mas existem, aqui e ali, estudos
particulares, bem como outras tantas inserções que merecem atenção. Por exemplo,
a passagem do Cap.8 (1268 b 25-1269 a 28), tão estimulante, e em certos
aspectos tão moderna, em que Aristóteles pergunta-se se é “melhor mudar as leis, quando se vê – ou quando se acredita ver – um meio
de melhorá-las”, ou se é “preferível deixá-las como são, ainda que pelo fato de que são leis”. Eis o plano geral do livro:
A) As constituições ideais em teoria
(caps.1-8)
1. A da República de Platão (caps.1-5)
2. A das Leis de Platão
(cap.6)
3.
A de Faléias (cap.7)
4.
A de Hipódamo
(cap.8)
B) As constituições reais reputadas
como as melhores (caps.9-12)
1. Esparta (Cap.9)
2.
Creta (Cap.10)
3.
Cartago (Cap.11)
4. Alguns grandes legisladores (Cap.12)
1.3.3 Livro III – A cidade, o cidadão e os diferentes regimes políticos
possíveis
Este livro, contrariamente ao Livro I não busca os
fundamentos da vida política (por que se vive politicamente?), mas, tomando
essa vida política como dada, interroga suas formas, isto é, como diz
Aristóteles na primeira frase, "a essência e as propriedades dos diferentes regimes políticos”.
Essa análise é importante como reconhecimento de que ele tem em mão para
considerar qual é, para ele, a melhor forma de governo. Eis o plano de conjunto:
A) Questões prévias ao exame dos regimes (caps.1-5)
1. O que é um cidadão? (caps.1 e 2)
2. O que é a cidade? (Cap.3)
3. A virtude política (Cap.4)
4. Limites da cidadania (Cap.5)
B) Os diferentes regimes (caps. 6-8)
1.
Princípio de
classificação dos regimes (Cap.6)
2.
Classificação dos regimes
(Cap.7)
3.
Definição da oligarquia
e da democracia (Cap.8)
C) O problema da justiça
política (caps. 9-13)
1. O fim da cidade (Cap.9)
2. Os diversos pretendentes ao governo
(Cap.10)
3. O governo do povo é justo?
(Cap.11)
4. Sobre a justiça
política (caps. 12-13)
D) O problema da realeza (caps. 14 a
17)
Recapitulação (Cap.18)
1.3.4 Livro IV – Tipos de regime
Neste
livro há a opinião do que tradicionalmente é chamado de “bloco
realista” (livros IV-V-VI),
em que predomina a obstinada advertência quanto a diversidade dos fatos. Aqui o
biólogo ganha do metafísico. W. Jaeger e outros depois dele viram nesta mudança
de perspectiva a consequência das pesquisas fomentadas por Aristóteles no
Liceu, que lhe permitiram inventariar e descrever 158 “constituições”, das
quais somente uma chegou até nós, a de Atenas. É desse modo que, na
classificação completamente conceptual dos regimes, no Capítulo III, 7,
opõem-se as precisões empíricas do Capítulo IV, 3. Os critérios a priori
co Capítulos III, 8 dão lugar, quando se trata de retomar uma análise comparada
da oligarquia com a democracia (em IV, 4-6), a critérios econômicos, sociais ou
étnicos. Aristóteles, no conjunto do livro, preocupa-se com "nuances sociológicas”, muitas vezes em
tom relativista, e
uma de suas conclusões é que o melhor regime varia de acordo com os povos
considerados (Cap.12).
O
plano de conjunto do livro é anunciado no final do Capítulo 2 (1289 b 12-26), e
projeta um programa em cinco pontos, os quatro primeiros dos quais são
sucessivamente abordados neste livro, ficando o quinto reservado para o livro
seguinte. Eis o plano geral
do livro:
A) Objetivos do estudo dos regimes
(caps.1-2)
B) A variedade dos tipos de regimes
(caps.3-10)
1. Fundamentos dessa variedade (cap.3)
2.
Análise da
democracia e da oligarquia (caps.4-6)
3.
Análise da
aristocracia e do regime constitucional (caps.7-9)
4.
A tirania (Cap.10)
C) O melhor regime acessível
(Cap.11)
D) O regime adaptado ao tipo de cidade
(caps.12-13)
E) Os três “poderes” constitucionais (caps.14-16)
1. O poder deliberativo (Cap.14)
2. O poder executivo (Cap.15)
3. O poder judiciário (Cap.16)
1.3.5 Livro V – Aquilo que preserva e que destrói os regimes
Este livro é a
sequência lógica do precedente. Aborda o último ponto do programa
anunciado no Livro IV, 2: “Expor quais
são os modos de corrupção e de
salvaguarda das constituições, tanto aqueles que lhes são comuns, quanto os que
são próprios a cada uma
delas, e por quais causas ocorrem da maneira mais natural ” (1289
b 22-6). Como escreve J.
Aubonnet, na Nota de sua edição: “Este Livro V torna-se assim aquele manual prático do “Homem de Estadono
qual Maquiavel provavelmente se
inspirou para o seu O Príncipe e os Discursos sobre a
primeira década de Tito Lívio.[6]”
Com frequência aparentando indiferença
para com a natureza do regime, em parte, cuja salvaguarda se trata de assegurar, Aristóteles múltipla os conselhos destinados aos dirigentes para se
protegerem contra sedições e revoluções, na segunda parte deste livro. O plano
do conjunto do livro é:
A) Causas gerais das sedições
(caps.1-4)
B) Causas das sedições de acordo com o
regime e a maneira de se resguardar contra elas (caps.5-12)
1. Como morrem as democracias (Cap.5)
2. Como morrem as oligarquias (Cap.6)
3. Como morrem as aristocracias (Cap.7)
4. Como preservar os diferentes regimes
(caps.8-9)
5. Como morrem as monarquias (realeza e
tirania) e como preservá-las (caps.10-11)
6.
Exame crítico da concepção
platônica das revoluções
(Cap.12)
1.3.6 Livro VI – Como estabelecer os diferentes regimes
Este
livro, que parece complementar mais as análises do Livro IV do que as do Livro
V, supõe, no entanto, que o estudo do livro precedente, sobre as causas da
morte dos regimes, tenha sido feita, uma vez que agora se preocupa em como
fundá-los da melhor maneira. Aqui, o destinatário dessas páginas será menos o
dirigente ou o "Homem de Estado" do que o “ legislador”,
isto é, o fundador da
cidade, encarregado de lhe conferir as instituições iniciais mais seguras. Eis
a proposta geral do livro:
Introdução: Generalidades sobre a variedade de
constituições e as constituições mistas (Cap.1)
A) As democracias: o que são elas
(caps. 2-4) e como estabelecê-las (Cap.5)
B) As oligarquias e como estabelecê-las (caps.6-7)
C) As magistraturas (Cap.8)
1.3.7 Livro VII – A cidade “ideal”
Os livros VII e VIII , que formam um
todo, geralmente são
considerados como a parte mais antiga da Política, e supõem uma função do discurso político oposta à dos três livros precedentes, mas que é comum a numerosos autores da
Antiguidade: a descrição da cidade “ideal”. Durante a leitura desse livro, que não se trata de uma “utopia” (se entendermos por isso um país imaginário em que tudo existe para o melhor)
é antes, um modelo de uma cidade possível para um
“ legislador” empreendedor. Eis os temas do livro:
A) A vida melhor (caps.1- 3)
B) Descrição da melhor cidade (caps.4-7)
1. Densidade demográfica (Cap.4)
2.
Extensão territorial
(Cap.5)
3. Acesso ao mar (Cap.6)
4. Povoamento e nacionalidade (Cap.7)
C)
Organização da melhor
cidade (caps.8 a 17)
1. As classes sociais e suas funções
(caps.8-10)
2. Urbanismo (caps.11- 12)
3.
Educação
(caps.13 a 15)
4.Controle dos casamentos, nascimentos
e da primeira idade (caps.16-17)
1.3.8 Livro VIII – A educação na cidade ideal
Este Livro é a sequência do tratado sobre a educação
iniciado no Capítulo 13 do livro precedente. Como observa,
ainda, J. Aubonnet: “compõe-se essencialmente de respostas dadas às três questões colocadas no final
do Livro VII [...], a saber: 1) A educação das crianças deve ser objeto de uma regulamentação?; 2) Essa educação deve ser pública
ou privada? 3) Sob que forma deve ser feita?[7]
Eis o plano geral do Livro:
A)
A educação em geral
(caps.1 a 3)
B) A ginástica (Cap.4)
C)
A música (caps.5 a 7)
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