A FILOSOFIA DE NIETZSCHE
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
RESUMO: Este artigo pretende abordar alguns temas que sobressaem na filosofia de Nietzsche, são eles: vontade de poder, teoria das forças, eterno retorno, dionisíaco e perspectivismo. Impossível é resumir toda riqueza e potência do pensamento nietzschiano.
1. Introdução
Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), nascido em Röcken (Prússia/Baixa Saxônia), filho de pastores protestantes.
Dedicou-se inicialmente à filologia, sendo professor dessa disciplina na Universidade da Basiléia.
Influenciado pela filosofia de Schopenhauer e pela música de Richard Wagner, escreve sua primeira obra filosófica: A origem da tragédia no espírito da música, na qual estão esboçados os temas que o acompanharão ao longo de sua carreira.
Sua filosofia é provocadora, põe em questão nossa maneira de pensar, sentir e agir. Pluralista propõe não uma, mas múltiplas provocações. Contestador, polêmico, crítico, incomodativo, desconfortante.
Seus escritos acabaram-se por sentir nas mais diversas áreas: na literatura, nas artes plásticas, na música, na psicanálise, nas chamadas ciências humanas, seus textos deixaram marcas indeléveis em nossa cultura.
Conhecido sobretudo por filosofar a golpes de martelo, desafia normas e destrói ídolos. Nietzsche, um dos pensadores mais controvertidos, continua no centro do debate filosófico.
Insiste em apresentar-se como um filólogo, dirá ele:
Perdoem este velho filólogo, que não resiste à maldade de pôr o dedo sobre artes de interpretação ruins.
Não hesita em recorrer a diferentes meios para atrair seus leitores, para provocá-los, deseja que leiam seus textos:
lentamente, profundamente, olhando para trás e para diante, com segundas intenções, com as portas abertas, com dedos e olhos delicados…
Pensa que o filólogo não deve se restringir a atuar como um especialista, mas deve ter em certa medida alma de artista.
2. Vontade de poder
Nietzsche apresenta, pela primeira vez, em "Assim falou Zarathustra”, sua concepção de vontade de poder, é com ela que passa a identificar a vida. Concebe a vontade de poder como vontade orgânica; ela é própria de todo ser vivo, não só do homem, e mais: exerce-se nos órgãos, tecidos e células, nos numerosos seres vivos microscópicos que constituem o organismo.
Atuando em cada elemento, encontra empecilhos nos que o rodeiam, mas tenta submeter os que a ela se opõem e colocá-los a seu serviço.
É por encontrar resistência que ela se exerce.
A luta desencadeia-se de tal forma que não há pausa ou fim possíveis; mais ainda, ela propicia que se estabeleça hierarquias, jamais definitivas .
(…) A pulsão de aproximar-se e a pulsão de repelir algo são a ligação tanto no mundo inorgânico quanto no orgânico. (…). A vontade de poder em cada combinação de força, defendendo-se contra o mais forte, abatendo-se sobre o mais fraco, é mais exata. N.B.Os processos [Prozesse] como “essência” [Wesen].
3. Teoria das forças
Em escritos posteriores a Assim falou Zarathustra, Nietzsche elabora sua teoria das forças, tal teoria consiste em que a força só existe no plural, não é em si, mas em relação a, não é algo, mas um agir sobre.
A força simplesmente é um efetivar-se. Atua sobre outras, resiste a outras, é um querer-vir-a-ser-mais-forte.
Luta-se por mais poder. Insaciável luta de forças, não há trégua, nem termo. Continua-se a exercer a vontade de poder.
A cada momento, as forças relacionam-se de modo diferente e a vontade de poder vencendo resistências, supera a si e, nessa auto-superação, faz surgir novas formas.
Toda força motora é vontade de poder, não existe fora dela nenhuma força física, dinâmica ou psíquica.
A vontade de poder é a qualidade dada a toda força, aos quanta dinâmicos, ela é um pathos:
Não um ser, não um vir-a-ser, mas um pathos, é o fato mais elementar, do qual resulta um vir-a-ser, um efetivar-se…
Isso não significa que constitua um ente metafísico ou um princípio transcendente. Qualidade de todo acontecer, diz respeito ao efetivar-se da força.
É fenômeno universal.
Esse mundo é a vontade de poder - e nada além disso!
4. Eterno Retorno
Na sequência de sua visão do mundo, Nietzsche cria a doutrina do eterno retorno, que aparece relacionada com à teoria das forças e ao conceito de vontade de poder .
Admitindo que a soma das forças permanece constante no mundo, Nietzsche afirma que , embora múltiplas , elas são finitas.
Num tempo infinito, só haveria, então, duas possibilidades: ou o mundo atingiria um estado de equilíbrio durável ou os estados por que passasse se repetiriam .
Assim, dadas as suas concepções acerca do mundo, o filósofo não pode aceitar que ele chegue a um estado final.
Se o mundo tivesse algum objetivo, já o teria atingido; se tivesse alguma finalidade, já a teria realizado .
Mundo finito, mas eterno, é o que basta para a doutrina do eterno retorno, ou seja, finitas são as forças, finito é o número de combinações entre elas, porém eterno é o tempo.
Daí segue-se que, tudo já existiu e tudo tornará a existir. Se o número dos estados por que passa o mundo é finito e se o tempo é infinito, todos os estados que hão de ocorrer já ocorreram no passado.
Para Nietzsche o mundo é um processo e não uma estrutura estável, é um vir-a-ser contínuo, a cada mudança segue-se outra, a cada estado atingido sucede-se outro.
O mundo subsiste ; não é nada que vem a ser, nada que perece. Ou antes: vem a ser, perece, mas nunca começou a vir a ser e "nunca cessou de perecer- conserva-se em ambos… Vive de si próprio: seus excrementos são seu alimento”
A doutrina do eterno retorno também põe o ser humano diante de um desafio, o de viver esta vida, tal como ela é, ainda uma vez, e inúmeras vezes; o de dizer sim ao mundo, tal como é “sem desconto, exceção e seleção” .
5. Dionisíaco
Apaixonado por aquilo que ele próprio define como “espírito trágico”, também chamado por Nietzsche de dionisíaco, seria a síntese do apolíneo e do dionisíaco, tanto no campo da arte como no campo da filosofia.
O apolíneo e o dionisíaco são apresentados como duas forças ou os impulsos fundamentais da natureza, cuja síntese fez nascer o espírito trágico grego.
Nietzsche retoma com plenitude o pensamento dos primeiros gregos, que segundo ele, seriam os únicos que não teriam sofrido a influência decadente da metafísica socrático-platônica.
Com a palavra “dionisíaco” exprimi-se: um ímpeto de unidade, um açambarcar de pessoa, quotidiano, sociedade, realidade, como abismo do esquecimento, o transbordar apaixonado e doloroso em estados mais escuros, mais plenos, mais esvoaçantes: um arrebatado dizer sim ao caráter total da vida, como àquilo que é igual em toda mudança, igualmente poderoso, igualmente bem aventurado; o grande compartilhamento da alegria e a grande compaixão panteísta, que santificam e abençoam inclusive as mais terríveis e mais problemáticas propriedades da vida a partir de uma eterna vontade de engendramento, de fertilidade, de eternidade: como sentimento de unidade da necessidade do criar e do aniquilar…
Nietzsche se diz, também, em vários momentos de sua obra “um discípulo do filósofo Dionísio”.
Quer afirmar este mundo tal como ele é:
esse meu mundo dionisíaco do eternamente-criar-a-si-próprio e do eternamente destruir-se-a-si-próprio, esse mundo secreto da dupla volúpia, esse meu ‘para além do bem e do mal’ .
6. Perspectivismo
Uma das características que sobressai no pensamento nietzschiano é o seu perspectivismo, com isso impedem-se a busca na sua filosofia de um conceito fundamental, que constituiria o seu eixo ou serviria como fio condutor para o seu desenrolar.
"Penso que hoje estamos longe, pelo menos, da ridícula imodéstia de decretar a partir de nosso ângulo que só se deveria ter perspectivas a partir desse ângulo.
O mundo, ao contrário, tornou- se para nós ‘infinito' uma vez mais: na medida em que não podemos recusar que ele encerra infinitas interpretações".
O perspectivismo parece estar também relacionado ao experimentalismo, são vários os textos em que Nietzsche convida o leitor à experimentação.
Em Além do bem e do mal , ele se refere aos filósofos que estão por vir como os experimentadores, os que têm o dever “das cem tentativas, das cem tentaçōes da vida”.
Em seus escritos, a intenção de fazer experimentos com o pensar encontra tradução em perseguir uma ideia em seus múltiplos aspectos, abordar uma questão a partir de vários ângulos de visão, tratar de um tema assumindo diversos pontos de vista, enfim, refletir sobre uma problemática adotando diferentes perspectivas.
6.1 Conhecimento e interpretação
Sobre o conhecimento questiona:
que pode ser simplesmente o conhecimento? - ‘interpretação’, não ‘ explicação’ .
Assim para Nietzsche o conhecimento humano é, antes de mais nada, interpretação.
São nossas necessidades que interpretam o mundo , nossos instintos e seus prós e contras.
Cada instinto é uma espécie de busca de dominação, cada um possui a sua perspectiva que quer
impor como norma a todos os outros instintos .
Entende o filósofo que não só o homem interpreta, mas as diferentes formas de vida também o fazem.
A vontade de poder interpreta ; quando um órgão se forma , trata-se de uma interpretação […] O processo orgânico pressupõe um perpétuo interpretar .
E mais, engana-se, quem supõe que apenas o vivente interpreta; no limite, toda existência é interpretativa.
As interpretações expressão forças que se relacionam de certa maneira.
Não se deve perguntar: quem pois interpreta ? , ao contrário, o próprio interpretar , enquanto forma de vontade de poder, tem existência ( contudo, não como um ‘ser’, mas como um processo, um vir-a-ser) enquanto um afeto .
Nietzsche entende o interpretar no contexto de sua visão de mundo. Na medida em que as configurações de forças se sucedem, surgem sempre outras perspectivas e, portanto, outras interpretações.
É preciso levar em conta:
o perspectivismo necessário mediante o qual cada centro de forças - e não unicamente o homem - constrói a partir de si mesmo todo o resto do mundo, isto é, mede segundo sua força, tateia, dá forma …
O pensador considera que, sendo o mundo um conjunto de relações, o homem poderia apreendê-lo, adotando perspectivas em sintonia com as espécies de relações que o constituem.
Ele poderia assim chegar a uma interpretação mais compatível com esse mundo em permanente mudança.
Nunca lhe seria dado, porém, transcender a condição humana.
o que permite ter em seu poder seu pró e seu contra e combiná-los de diferentes formas, de modo que se saiba tornar utilizável para o conhecimento a diversidade mesma das perspectivas de ordem afetiva .
Mas, neste momento surge a questão de saber como o filósofo distingui entre as boas e as más interpretações?
Para Nietzsche é preciso dispor de um critério, para avaliar as avaliações, para interpretar as interpretações.
E este critério, para ele, é a vida. A vida é o único critério que impõe por si mesmo.
É preciso estender os dedos , completamente, nessa direção , e fazer o ensaio de captar essa assombrosa finesse - de que o valor da vida não pode ser avaliado. Por um vivente não, porque este é parte interessada, e até mesmo objeto de litígio, e não juiz; por um morto não, por uma outra razão .
O filólogo, que concebe o mundo como um texto a ser decifrado, parece interessar-se em interpretar as interpretações.
Então o filólogo se converte em filósofo genealogista.
A noção de valor se acha intimamente ligada à de vida, no quadro do procedimento genealógico.
Tanto é assim que, no prefácio à Genealogia da moral, Nietzsche expõe desta forma o problema de que pretende tratar:
sob que condições inventou-se o homem aqueles juízos de valor, bom e mau? E que valor têm eles mesmos? Obstruíram ou favoreceram até agora o prosperar da humanidade? São um signo de estado de indigência, de empobrecimento, de degeneração da vida? Ou, inversamente, denuncia-se neles a plenitude, a força, a vontade de vida, seu ânimo, sua confiança, seu futuro?
Moral, política, religião, ciência, arte, filosofia, qualquer apreciação de qualquer ordem deve ser submetida a um exame, deve passar pelo crivo da vida.
E a vida é vontade de poder. Se a vida é vontade de poder, isto não significa necessariamente que a vontade de poder se restrinja à vida.
Afinal, segundo Nietzsche:
Esse mundo é a vontade de poder - e nada além disso!
Por um lado, o texto a ser decifrado que é o mundo se converte, segundo a interpretação de Nietzsche, num feixe de interpretações; por outro, são essas mesmas interpretações que se apresentam através de sua própria interpretação.
Quando falamos de valores, falamos sob a inspiração, sob a ótica da vida: a vida mesmo nos coage a instituir valores; a vida mesma valora através de nós, quando instituímos valores…
Nietzsche vê o mundo como um texto a ser decifrado e com sua técnica interpretativa, singular e extraordinária, resgata o texto que é o mundo e pratica sua arte de ler bem, a tal ponto que exprime em seu texto, em sua interpretação.
Zarathustra se diz:
o porta voz da vida, o porta-voz do sofrimento, o porta-voz do círculo .
Tal como seu alter ego, Nietzsche se quer o porta-voz do mundo.
Tal como seu alter ego, Nietzsche se quer o porta-voz do mundo.
REFERÊNCIAS
1) ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de Filosofia, editora Martins Fontes – 2012.
2) HUISMAN, Denis, Dicionários dos Filósofos, editora Martins Fontes, 2004.
3) HUISMAN, Denis, Dicionário de Obras Filosóficas, trad. Ivone Castilho Benetti, editora Martins Fontes, São Paulo, 2012.
4) JASPERS, Karl, Introdução a filosofia de Friedrich Nietzsche, S.P., Forense Universitari 2015.
5) KOSSOVITCH, Leon, Signos e Poderes em Nietzsche, S.P., Azougue Editorial, 2004.
6) MÜLLER-LAUTER,Wolfgang Nietzsche sua filosofia dos antagonismos e os antagonismos de sua filosofia, trad. Clademir Araldi, S.P., Unifesp, 2011.
7) NIETZSCHE,Friedrich, Obras Incompletas, trad.Rubens Torres Filho, 1ªedição, editor: Victor Civita-1974.
8) NIETZSCHE, F., A vontade de poder. trad. Marcos Sinézio Pereira Fernandes e Francisco José Dias de Moraes, R.J., Contraponto, 2011.
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10) NIETZSCHE, F., A gaia ciência, trad. Paulo César de Souza, S.P., Cia de Bolso, 2012.
11) NIETZSCHE, F., Assim falou Zarathustra, trad. Paulo César de Souza, Cia das Letras, 2011.
12) NIETZSCHE, F., Sabedoria para depois de amanhã, trad.Karina Janini, S.P., Martins Fontes, 2005.
13)NIETZSCHE, F., O Nasimento da tragédia, trad. J. Guinsgurg, S.P.,Companhia de Bolso, 2010.
14) NIEMEYER, Christian (org.), Léxico de Nietzsche, S.P., Ed. Loyola, 2014.
15) MARTON, S., Nietzsche: das forças cósmicas aos valores humanos, B.H., Humanitas, 2000.