(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
RESUMO: Este artigo é
um resumo de O Método da Metafísica de Aristóteles, nele são tratados, nesta Parte I: O procedimento diaporético e
A semântica ontológica. Encontrado
no livro de Enrico Berti , As Razões de Aristóteles.
Parte I
O procedimento
diaporético
Na obra
intitulada pelos editores Metafísica, Aristóteles
denominava “filosofia primeira”, a ciência
mais elevada, superior a qualquer outra, tanto por causa da universalidade como
pela dignidade de seu objeto. No livro
I, o autor declara querer procurar a “sabedoria (sophía),
entendendo por esse nome, a forma suprema de conhecimento, e portanto também a mais
elevada entre as ciências. Ele a define como “ciência dos
princípios e das causas primeiras”.
A metafísica tem
por objeto também Deus, o motor imóvel do céu,
porque Deus é uma entre as causas primeiras. Já a física seu
objeto é constituído pelas
realidades naturais e móveis.
A metafísica,
todavia situa-se em uma relação de
estreita continuidade com a física. Efetivamente, no momento em que
define as causas primeiras, ou seja, os gêneros de causas
no interior dos quais devem ser investigadas as causas primeiras, Aristóteles
remete explicitamente à Física,
declarando que lá tais causas já foram
teorizadas suficientemente, e limita-se a acrescentar àquela
sua teorização uma espécie de confirmação histórica, ou seja, a célebre
exposição das doutrinas dos filósofos
precedentes, que constitui a primeira história da
filosofia já escrita.
Em uma primeira
parte, com efeito. Aristóteles mostra que
cada um dos quatro gêneros de causas por ele
especificados foi, de algum modo, reconhecido por alguns dos filósofos
precedentes: a causa material pelos jônicos, a
motora por Empédocles, a formal pelos pitagóricos e,
sobretudo, por Platão, a final por Anaxágoras, e mostra
que nenhum deles especificava outras, o que soa como uma confirmação da validez
de sua doutrina. Na segunda parte, ao
contrário, passa a criticar cada uma das filosofias
precedentes, mostrando que nenhuma entendeu adequadamente o tipo de causa
descoberto por ela e, sobretudo, que nenhuma especificou todas as quatro
simultaneamente.
O livro II, o
famoso “a minúsculo”, não pertencia
originariamente à série constitutiva da obra, mas
servia mais como uma introdução metodológica à física. A
verdadeira exposição metafísica tem início
somente no livro III, onde Aristóteles ilustra o
método que pretende seguir. Uma
primeira fase desse método é ilustrada
nos seguintes termos:
"é necessário, em relação à ciência
investigada, que examinemos, antes de tudo,
as coisas que devem estar em aporia
(aporésai):estas são todas aquelas em
torno das quais houve opiniões diferentes, mas também aquelas que eventualmente tiverem
sido esquecidas além destas
( III 1, 995 a 24-27).”
Logo em seguida
Aristóteles ilustra três
momentos: 1) a “aporia”, que literalmente significa falta de
caminho, de direção; 2) o “devolver a aporia”; 3) a “euporia”,
literalmente o bom caminho, a direção justa, a solução da aporia. A aporia é comparada
a uma cadeia que impede de caminhar, a condição de quem se encontra nela é comparada
à dos prisioneiros amarrados, com clara reminiscência da
alegoria da caverna platônica.
O segundo
momento é indicado por meio da mesma expressão com
a qual, nos Tópicos, se
ilustrava o terceiro “uso"da dialética,
aquele relativo às “ciências
filosóficas”: diaporésai. O método, portanto, que aqui Aristóteles
propõe para a metafísica coincide com o terceiro uso da dialética, o “científico”, isto é, ainda
uma vez um método dialético, que denominaremos, por
comodidade, procedimento “diaporédico”.
Contudo, a
ilustração do método em questão prossegue: “por
isso, é necessário estudar todas as dificuldades,seja pelas
razões ditas, seja porque aqueles que investigam sem ter
anteriormente examinado as aporias
são semelhantes àqueles que ignoram em qual direção devem caminhar, e, além disso
porque não sabem
se encontram ou
não o que procuravam; para
estes , com efeito, o fim não é claro, enquanto o é para quem examinou anteriormente as aporias (995 a 33-b 2)."
Note-se a insistência na
necessidade de examinar “todas" as dificuldades, as
objeções, as argumentações opostas, as possíveis soluções,
para que o método por eliminação
possa dar resultados seguros; em seguida, a recomendação renovada de examinar
as aporias. Platão resolvia o problema mediante sua teoria da reminiscência (
conhecer significa reconhecer o que já se conhecia, e
que posteriormente foi esquecido), mas Aristóteles o
resolve mediante a aporia, que indica a alternativa entre duas direções
opostas, das quais já se sabe que a boa evita a contradição,
enquanto a ruim depara com ela; e, sobretudo, mediante o procedimento diaporético,
que permite ver qual das duas hipóteses conduz à contradição e
qual, ao contrário, não.
Enfim, ele
recorre também aqui, como já no De
caelo, a comparação com o debate judiciário.
Ainda uma vez Aristóteles
ressalta a necessidade de ouvir “todos"os
argumentos opostos, e compara o filósofo àquele
que , posteriormente, julga quais são válidos e quais,
ao contrário, não.
O resto do livro
III é dedicado primeiramente à enumeração de quinze
aporias concernentes ao objeto da metafísica, ou seja, àquilo do
que ela procura os princípios, mas também à natureza
dos princípios investigados, isto é, às causas
primeiras, e em seguida ao desdobramento de cada aporia, que é precisamente
o procedimento diaporético anunciado no início do
livro.
Em geral no
livro III Aristóteles não indica explicitamente a
solução das aporias, ainda que com frequência permita
claramente compreender para qual hipótese ele tende.
A solução das aporias no livro III é apresentada
por Aristóteles nos livros posteriores da Metafísica, todos
reconduzidos a uma unidade justamente pela referência
às aporias: isso vale para os mais
importantes: o IV, o VI, o grupo unitário VII-VIII-IX,
e o grupo dos três últimos, XII-XIII-XIV. Permanecem fora da
série apenas o livro V e o livro XI, que é um
resumo, provavelmente inautêntico, dos livros III-IV-VI, e de
uma parte da Física, portanto
certamente estranho ao conjunto.
Vale a pena
assinalar, na exposição das aporias, um aceno
que Aristóteles faz aos “dialéticos”, útil para
compreender a relação por ele estabelecida entre dialética e
filosofia:
“ além disso,
sobre o idêntico e o diferente, o semelhante e o dessemelhante, e a
oposição, e
sobre o anterior e o posterior e todos os outros objetos deste tipo, sobre
os quais os dialéticos se submetem à prova (
peiróntai)
de investigar realizando
sua investigação a partir de cada éndoxa, (deve discutir) sobre qual ciência tem
a tarefa de tratar de todos eles; e, além disso, (tratar) de todas as propriedades que lhes pertecem por
si, e não apenas o que é cada um destes,
mas também se uma única coisa é oposta a
uma só (1,995 b 20-27)."
Os dialéticos
aqui mencionados só podem ser os que têm a “força dialética” mencionada
na Metafísica XIII 4, 1078 b 25-27.
Ora, como vimos,
os que têm a “força dialética “, aquela
que, segundo o que Aristóteles afirma na Metafísica XIII 4,
no tempo de Sócrates ainda não existia, eram os platônicos,
isto é, o próprio Platão e os outros
acadêmicos; e também os “dialéticos"dos
quais Aristóteles fala na Metafísica III 1,
os quais investigam o idêntico e o diferente, o semelhante
e o dessemelhante, o anterior e o posterior.
Contudo, ao
mesmo tempo Aristóteles refere-se também à dialética por
ele mesmo descrita nos Tópicos, que,
como sabemos, desenvolve as aporias na direçäo oposta e investiga até os princípios
partindo justamente dos éndoxa: entre
as duas dialéticas, a descrita por Aristóteles e
a praticada por Platão, não há nenhuma diferença quanto
à estrutura argumentativa e ao conteúdo: a única
diferença está na avaliação que
lhe davam Platão e Aristóteles. Para
Platão, com efeito, a dialética era já por si
mesma ciência, ou melhor, a única verdadeira
ciência, enquanto para Aristóteles ela é somente
crítica, “peirástica”, isto é, não é de per si uma ciência,
mas apenas um método.
A resposta que
Aristóteles dará a esta aporia no
livro IV será, como veremos, que a tarefa de tratar cientificamente,
cabe à filosofia primeiramente, ou seja, à metafísica.
Poder-se-ia
dizer, por essa razão, também da
metafísica aristotélica o que Hegel diz da filosofia
em geral no início de sua Enciclopédia das ciências
filosóficas. Também para
Hegel, a filosofia deve passar pelas representações , quer dizer, pelos éndoxa , para
chegar ao conceito, ou seja, à ciência, e
este, e não outro, é o seu método,
isto é, a sua própria investigação,
que também Hegel, mesmo que o entenda em um sentido diferente
de Aristóteles, denomina dialética.
A semântica
ontológica
A parte central da Metafísica, é
dedicada à análise semântica do
que constitui o objeto de tal disciplina, “o ser
enquanto ser e as propriedades que lhe pertencem por si”. Aristóteles
especificou esse objeto como o único capaz de tornar a compreender em si
a totalidade do real para o qual a natureza, objeto da física ,
se revelara inadequada por causa da existência de uma
realidade imóvel. Desse novo objeto, portanto, devem
ser procurados os princípios e as causas primeiras, e a ciência
à qual cabe esse dever, a metafísica, restará a mais
universal e simultaneamente a mais elevada, por isso terá o
direito de ser denominada “filosofia primeira”.
O método com
o qual são procurados as causas
primeiras do ser enquanto ser e das "propriedades que lhe pertencem por si” , não é o da
demonstração, mas a análise dos
significados do ser e de suas propriedades, que podemos denominar “análise semântica”. Esse método, no
entanto, é significativamente especificado e
enriquecido justamente no livro IV da Metafísica.
Nesse referido livro IV ,
especificamente em 2, 1004 a 28-31, parece que são distinguidas três operações
sucessivas: 1) antes de tudo, a distinção entre os muitos significados de um
mesmo termo, isto é, aquela que denominamos “análise semântica”, e que
vimos ser um dos instrumentos do qual se serve a dialética; 2)
a distinção do “primeiro"entre ele, daquele
do qual os outros dependem, é precisamente o que confere
unidade ao conjunto; 3) do tipo de dependência que eles têm em
suas relações. Não há dúvida de que , se
a primeira operação está entre as
praticadas pela dialética , a segunda e a terceira
configuram-se como propriamente científicas,
ou seja, cognitivas. Mas também não
há
dúvida de que elas mantém o caráter de
análise
fundamentalmente semântica, o que as aparenta notavelmente
com as operações próprias da dialética.
A distinção
entre os muitos significados do ser já fora realizada
por Aristóteles nas obras “dialéticas”, isto é, lógicas, e
o livro V da Metafísica, mas também em uma
obra “científica”como a Física, e
mostrara que tais significados
correspondem às dez categorias. No livro IV da Metafísica, Aristóteles
realiza a operação posterior, mostra que o primeiro entre eles é a substância
( ousía) e que a relação intercorrente entre a substância e
as outras categorias é a assim chamada “homonímia em
relação a um”: as realidades
pertencentes às outras categorias são denominadas entes, e por
isso constituem, da mesma maneira, significados do ser. A substância, portanto, é princípio e causa
de todas as categorias, ou seja, do ser enquanto ser.
Contudo, a própria
operação, acrescenta Aristóteles, deverá ser
feita também para as propriedades por si do ser: 1) para o uno,
o qual, por sua vez, resultará dizer-se em muitos sentidos, correspondentes
às categorias do ser, 2) para os seus opostos, 3) para os vários
tipos de oposição, 4) enfim, para outros tipos de relação. Desse modo,
será resolvido a aporia mencionada no livro III a propósito dos
“dialéticos”, isto é, dos
platônicos. A esse respeito, Aristóteles
esclarece a diferença entre o modo de tratar próprio da
filosofia primeira e aquele próprio da dialética, em
2, 1004 b 8-10.
Para Aristóteles,
aqueles que se ocupam do idêntico, do diferente etc. fazem
filosofia, são “filósofos”, mesmo tendo
sidos anteriormente ( a saber, no livro III) por ele chamados de “dialéticos, o
que demonstra que as duas caracterizações não se excluem,
ou melhor, em certa medida coincidem, e indica-se a posterior confirmação de
que se trata dos platônicos, que usavam também eles a
dialética com intenções filosóficas. O que
neles critica Aristóteles
é somente a falta de reconhecimento do primado da substância e,
implicitamente, da distinção entre os muitos sentidos nos quais
se dizem os objetos em questão. Mas isso significa, a seus olhos, que os platônicos se
impedem um verdadeiro conhecimento de tais objetos, ou seja, que sua posição
permanece a de simples dialéticos, críticos
das opiniões alheias e privados da verdadeira filosofia.
Os dialéticos
que discutem o idêntico, o diferente etc., “porque
estes são próprios da filosofia”, são os
dialéticos que têm uma intenção filosófica,
não os simples amantes da discussão, portanto só podem
ser os platônicos. Mas eles não conseguem, segundo Aristóteles
fazer boa filosofia, isto é, conhecer, porque se limitam a
discutir as opiniões, ou seja, a criticar, sem dizer nada da substância,
isto é, sem praticar a análise semântica e procurar
o verdadeiro princípio do ser e também dos
objetos em questão, aos quais o ser é comum. Bem diferente é o caso
dos sofistas, o quais querem parecer sábios sem o ser
realmente, porque escolheram um modo de viver caracterizado pelo amor à riqueza,
não pelo amor à verdade.
Os platônicos
faziam, com efeito, do ser e do uno um princípio separado,
sem distinguir seus muitos sentido e sem, portanto, diferenciar o primeiro
deles, isto é, o verdadeiro princípio, que para
alguns deles, a saber, para as várias categorias,
é a substância em geral, da qual as outras categorias dependem
todas diretamente na base da “homonímia em
relação a um”, e para outros, isto é, como
veremos, para os diferentes sentidos da substância, ele é um tipo
particular de substância, a “substância
primeira”, da qual os outros tipos de substância
dependem “consecutivamente”, quer dizer, em
série. Isso confirma ainda uma vez que o método da
metafísica é, para Aristóteles, a
análise semântica e
a distinção do significado primeiro.
Este é o motivo
pelo qual os editores da Metafísica nela
inseriram, depois do livro IV, aquele que agora é conhecido
como o livro V, o tratado que distingue os muitos significados de alguns entre
os mais importantes termos filosóficos: princípios,
causa, elemento, natureza, uno, ser, substância, idêntico, diferente,
opostos, etc. Do ser por acidente e do
ser como verdadeiro Aristóteles trata no
livro VI, enquanto do primeiro entre os significados correspondentes às
categorias ele trata nos livros VII e VIII,
que estão, por essa razão, entre os mais importante de toda a obra.
No livro VII,
Aristóteles mostra, antes de tudo, que a substância
é primeira, em relação às outras categorias. é princípio ou “causa
primeira”das outras categorias, seja do ponto de vista lógico-epistemológico,
seja do ponto de vista ontológico. Isso
demonstra como um procedimento dialético, como a análise semântica, é capaz de
estabelecer também a dependência não apenas
das palavras, mas das coisas mesmas.
Na parte mais
importante do livro VII, Aristóteles
chega a concluir que a “substância primeira” é
a forma, a causa formal, não entendida como forma separada, mas como forma de
um composto material ( “todo”), por ex. a
alma como forma do animal. São ao contrário substância em
sentido derivado o composto mesmo, em relação ao qual a forma é “causa do ser”, isto é, causa
formal, e substrato a causa material. Não são substância de
nenhum modo os universais, ou seja, os gêneros e as espécies,
que, mesmo nas Categorias, eram denominados “substâncias
segundas”.
No livro VIII,
Aristóteles aperfeiçoa o discurso já feito,
assimilando respectivamente a matéria ao ser em potência e a
forma em ato, e mostrando que a passagem de uma substância da
potência ao ato requer uma causa motora. No livro IX, ele analisa estes últimos
dois significados, isto é, a potência e o
ato.
Enfim, no livro
X, o autor analisa os significados do
uno e do múltiplo, do idêntico e do diferente, do
semelhante e do dessemelhante, mas também dos
opostos em geral, estabelecendo em cada caso qual deles é o primeiro:
trata-se sempre da análise semântica anunciada
no livro IV. Este, portanto, é o modo no qual Aristóteles,
na parte central da Metafísica, estabelece os
princípios e as causas do ser enquanto ser.
Bibliografia:
BERTI, Enrico,
As Razões de Aristóteles. São Paulo. Edições Loyola, 2002.