O TEMPO ESTOICO
(por Ândrea Cristina Pimentel
Palazzolo)
Resumo: Este artigo é uma apertada síntese
do tempo do estoico que se encontra no livro “O ofício do filósofo estóico”da
professora Rachel Gazzola. Nele constataremos que para os estóicos não há passado,
nem futuro, apenas o instante.
O tempo da ética estóica obedece ao rítmico
da vida universal, ou seja, é aquele que constitui a ação correta e está identificado
com o instante, pois o futuro e o passado não existem, mas subsistem como incorpóreos.
Qualquer regra exterior a ser seguida ( mandamentos religiosos, históricos…) não
terá conotação ética, segundo a Stoa; não terá o peso que normalmente lhe
damos. É na interioridade e no tempo dessa interioridade que a eticidade é edificada. Proclo noticia:
“…com efeito, o tempo é um de seus ( dos estóicos) incorpóreos
que eles desprezam como coisas débeis, desprovidas de ser e só existindo nos
simples pensamentos ( en einóiais hypistamena pschilais)…”(Proclo, Plat. Tim.,
271 d.)
O instante é o “tempo" da Heimarméne
( Destino), da Prónoia ( Previdência), indicativo da escolha do agente
moral. Ele adere à densidade e plenitude da eternidade dos deuses nos
constantes estados de sua adesão. Só o sábio tem a virtude e a felicidade nessa
perspectiva; só ele é um homem divino sempre. Os homens comuns vivem estados de
virtude e felicidade e são sábios ao menos enquanto perduram tais estados.
Goldschmidt comenta os estados passionais, distantes da sabedoria:
“… A perfeição não é solidária do tempo que escoa e que parece inflar e
alongar-se… o próprio da paixão é sujeitar-nos ao tempo irreal, em que o
passado sobrevive para comunicar sua ‘existência'e seu conteúdo ao futuro”. ( V. Goldschmidt, Le sytème stoicien et l'idée
de temps, op. cit., pp.202 e 193.)
Esse belo comentário de Goldschmidt
indica que, na saída do compasso universal, o insensato mergulha na
temporalidade propriamente humana, perde-se no tempo agitador das paixões da
alma, permanece servo da memória e da esperança, isto é, do passado e do
futuro. Escravo das paixões, sua memória deseja o que não mais tem, do mesmo
modo que lamenta o que ainda não obteve. Inalcançáveis ambos, passado e futuro,
fica o presente dissolvido pelo peso das lembranças e esperanças.
As duas temporalidades, a dos deuses e
a dos homens, enfrentam-se:
O tempo humano, de Tyche: da
fortuna, do acaso, espaço da historicidade, da insensatez, das ações
determinadas pela exterioridade;
O tempo divino, de Anánke: da
Cosmópolis, do sábio, das ações pensadas na interioridade. A autarquia estóica
situa o homem no “tempo”divino, no aion (eternidade).
É preciso frisar, todavia, que não há uma
insensibilidade aos acontecimentos, uma altivez estóica ou frieza diante dos
males, como passou a significar o adjetivo estóico. Há bem mais uma ausência de
agitação violenta da alma, sinal da negação do tempo acumulador de desejos
insaciáveis.
A apatia estóica, no rigor do termo,
implica atividade que favorece a ação do lógos (pensamento), não, porém,
para evadir-se das coisas que acontecem, bem ao contrário. Nesse sentido, a
apatia não deve ser entendida como ausência de ação, e nem a ataraxia como
alheamento diante da vida. É uma busca de estabilidade da alma diante de
acontecimentos. Pode-se dizer que tais afirmações são contrárias ao que o senso
comum pensa dos estóicos. Talvez se devam compreender os estados passionais
desmedidos como acontecimentos que, lidos de certo modo, chegam aos olhos já comprometidos
com o passado e com o futuro, que não são, dada a agitação da alma. Não se
pode, comprometido que se está com a cronologia, enlaçar a escolha de modo a
receber o que advém, como advém.
Não seria exatamente esse o modo como
interpretamos as coisas que nos chegam, interpretações mergulhadas no passado e
no futuro, o solo propício para a fuga do que acontece no presente? Assim
sendo, há um inversão sui generis do que pensamos ser a evasão do
estoico ( sua apatia) em sua postura diante do mundo. Nós, instalados que estamos na cronologia,
evadimo-nos do que acontece ao interpretar o que advém com os instrumentos
comprometidos com o passado e futuro.
Referência
GAZOLLA, Rachel, “O ofício do filósofo
estóico”, S.P., ed. Loyola, 1999.