SOBRE
OS MITOS
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
Resumo:
Este artigo tem por objetivo abordar o tema do mito. Nesta primeira parte
constataremos que as palavras não foram o único veículo usado para
transmitir os mitos,
foram contados,
também, através da arte sacra, gravações em
pedra, danças, música e rituais.
Introdução:
Todos
os mitos são histórias, mas num sentido particular. Não são contos realistas,
nem histórias de pessoas que fazem coisas normais num mundo normal. Bem pelo
contrário. Frequentemente, tratam de personagens extraordinários num mundo
diferente da nossa realidade, um mundo por vezes cheio de magia, de deuses e
deusas, onde a terra tem vida e os animais falam. A maior parte dos mitos são
histórias que decorrem num tempo que não pode ser medido pelo relógio, ou numa
era anterior ao início dos tempo, quando o sofrimento profundo e o prazer
infinito podiam durar uma eternidade. São como que contos que podiam começar “Era uma vez” exceptuando o fato de os contos
costumarem ter um final feliz, enquanto a maior parte dos mitos mundiais
terminarem em tragédia.
Os
mitos são histórias importantes para as respectivas culturas e cujo significado
é muitas vezes transmitido ao longo dos séculos e muito para além da cultura
original. Os mitos atravessam todas as culturas, sendo cedidos, recontados e
revividos em novos imaginários. São as histórias dos primórdios culturais,
sobre a forma como as pessoas viviam e os modos como os pensamentos eram
adaptados, e que ainda hoje contribuem para modelar a forma como as pessoas se
vêem a si mesmas e ao mundo.
Objetivo
dos Mitos:
Alguns
mitos são explicativos, colocando questões e propondo respostas às dúvidas
filosóficas. Como foi o início da vida? Como surgiram os seres humanos? O que
sucede depois da morte? Existe deuses e desusas, e, em caso afirmativo, que
aspecto têm e como é que os seres humanos se devem comportar em relação a eles?
Como irá acabar o mundo? Qual a melhor forma de morrer? Estas questões não
podem ter uma resposta puramente racional, e grandes filósofos recorreram à linguagem
mitológica para as abordarem.
Alguns
mitos são etiológicos, explicando as causas e origens de determinado fenômeno.
Por que razão a montanha tem aquela forma? Quem ou o quê escavou este lençol de
água? Como é que este rio brota neste local? O que provoca os eclipses? O que
representa as constelações? Muitos mitos etimológicos propõem respostas que a
ciência rejeita, visto que esta tem as suas explicações racionais para os
visitantes celestes como os cometas e os eclipses, fenômenos relacionados com a
meteorologia, formações geológicas e outros, mas estes mitos continuam a provar
uma verdade da imaginação, ainda que não a verdade científica que pode ser
pesada, calculada e prevista.
Alguns
mitos legitimam um determinado povo, ou uma família reinante, e estão entre os
mais mutáveis, logo que as dinastias reinantes se alterem e os impérios se
desenvolvam e se desmoronem. Nas culturas que cultivam os mitos, os governantes
são frequentemente legitimados por uma descendência direta de um deus. Os mitos
dão aos povos do mundo razões para rituais, e exigem determinados
comportamentos sociais prometendo favores divinos e reais ameaças de punição
divina. Especialmente nas culturais tribais, os mitos são utilizados como meios
poderosos de socialização das crianças nos comportamentos do povo. Os mitos
estabelecem regras importantes, por exemplo, a atitude correta perante os
animais que caçam, ou constituem os alicerces de um sistema legal. Não existe
nenhum setor da vida tradicional que não seja afetado pelo mito.
Autores
da maioria dos mitos são anônimos, já que muitas das narrativas são anteriores à
invenção da escrita, e são muito poucos os que podem ser atribuídos a um
narrador original. Nos tempos anteriores à ampla difusão da literacia, antes da
invenção da imprensa, essas histórias eram contadas e recontadas
indefinidamente. Algumas culturas
consideram as palavras exatas dos seus mitos como textos sagrados, que lhes
foram transmitidas pelos deuses e que eles deverão recontar exatamente da mesma
forma, pelo que os contadores das histórias mitológicas eram sujeitos a um
programa rigoroso de treino de memorização palavra por palavra. Outras culturas
gostavam de variar os elementos da história, pelo que cada vez que o mito era
contado, era ligeiramente diferente, para delícia dos ouvintes que consideravam
as alterações como parte do prazer de escutarem uma versão particular do
tradicional. Raramente se encontra apenas uma versão correta dos mitos gregos e
romanos, ou arturianos, por exemplo.
Com
a introdução da escrita impressa, os mitos foram agrupados e escritos de uma
forma determinada o que ajudou a fixá-los numa versão, em lugar de imensas
variantes da transmissão oral. Mas as palavras não foram o único veículo usado
para transmitir os mitos. Foram igualmente contados através da arte sacra ou
das gravações em pedra, pelas danças ou pela música, e pelos rituais. Para
algumas mitologias, as palavras apenas exprimem parcialmente a evocação de um
mito que pode ser evocado através do canto, do toque de tambores, decoração do
corpo e dança. Foi através destas participações corporais, utilizando todos os
sentidos, que os celebrantes de um mito específico atuaram no sentido da experiência
mítica de tempo e espaço.
Tal
como evocam um espaço mítico, para lá do ocupado pela nossa realidade vulgar,
muitos mitos indicam uma localização real e específica, num tempo mítico. Aqui,
nesta rocha foi onde o herói salvou a donzela. Esta montanha foi em tempos um
gigante. Este vulcão encarcerava um monstro, e a erupção da lava é devida ao
esforço da criatura para se libertar. Este bosque ou este campo gelado abrigava
um ser sobrenatural, sendo muito perigoso para os seres humanos encontrá-lo. Estas
histórias podem dar um duplo prazer a quem as escuta e que conhece bem a
paisagem abrangida pelo poder mítico. Para estes mitos, o sobrenatural está por
todo o lado e o que aconteceu no tempo e no espaço mítico ecoa aqui e agora.