domingo, 1 de outubro de 2017

PARTE II - MITOLOGIA

SOBRE OS MITOS
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)


Compreender os Mitos:

Tem havido imensas tentativas de explicar os mitos em termos racionais. Talvez alguns dos heróis mitológicos celebrem a memória distante e distorcida dos seres humanos que viveram noutras épocas. Se assim for, a explicação histórica não elucida a razão pela qual os mitos se desenvolveram de determinada forma, por que motivo foram estes personagens e não outros que evoluíram para figuras mitológicas. Alguns mitos glorificam um reino ou uma cidade, dão sanção divina à conquista e à colonização, mas isso não explica como é que tais mitos podem ter ultrapassado a duração de um reino ou de um império em milênios.

Existe  algo de poderoso nos mitos que transcende tanto a razão quanto as fronteiras de uma cultura. Talvez a verdade esteja na sede que todos os povos tem de penetrar nos mistérios da vida, desde a origem da consciência até ao fim do mundo. Os mitos parecem ter um poder estável por não limitarem o mundo a fatos e figuras estatisticamente verificáveis, por povoarem o mundo familiar com milagres e prodígios, e porque cruzam a humanidade com o mundo dos animais e o dos deuses. Explorar o universo dos mitos é descobrir uma série de crenças acerca do mundo, do estóico ao pessimista, do trágico ao cômico - sem nunca passar pelo intermédio. Alguns mitos celebram o impostor, outros o herói; todos eles ampliam a nossa forma de ver o mundo e têm o poder de nos elevar  dos nossos hábitos mentais. Num planeta repleto de medos, de solidão e alienação, os mitos podem dar consolo através de histórias de um tempo mais heróico, mais cavalheiresco, uma época em que era muito mais fácil determinar a diferença entre o bem e o mal no coração dos seres humanos, e em que animais e pessoas eram seres da mesma espécie e podiam comunicar entre si. Os mitos sempre responderam às pessoas no seu anseio em conhecer o significado, um desejo que é especialmente premente, talvez, numa sociedade acentuadamente laica, como parece ser o caso da sociedade Ocidental.

A Teoria do Mito de Jung:

Carl Jung  fala das verdades psicológicas do mito, que ele assegura serem universais e necessárias a saúde da psique humana. Segundo ele, necessitamos das histórias dos mitos para que haja sentido na confusão reinante na nossa sociedade e nos nossos espíritos. Os mitos dão voz as verdades do nosso inconsciente, e ele crê que os deuses, deusas e heróis da mitologia corporizam aspectos da criatividade, inteligência, dor, alegria, agressividade e êxtase. Os monstros míticos são na verdade monstros da mente; as tragédias e os triunfos do mito refletem os modos pelos quais parecemos ser sacudidos psicologicamente de um lado para o outro por forças que estão fora do controle. Os seres humanos são criadores de mitos por natureza, sempre curiosos, sempre vivendo psicologicamente fora dos padrões do mito ou sendo ultrapassados por eles. Em termos psicológicos, segundo esta teoria, estamos sempre num ou noutro padrão mítico, e a nossa liberdade de escolha como seres humanos conscientes é a liberdade de dançar em vez de caminhar aos tropeções ao longo da maior história do mundo - a vida.

A criação de novos mitos tornou-se menos possível quando a imprensa passou a ter uma maior divulgação, devido à sua capacidade de fixar uma certa forma da história como a versão correta. Com o advento do rádio, do cinema, da televisão e do vídeo mais histórias foram fixadas o que desencorajou a arte de contar e recontar histórias tradicionais indefinidamente. A internet, com suas várias opções, reverteu esta tendência e o mito pode voltar a florescer, numa escala muito para além das de antigamente. Como é que esses novos mitos podem ser reconhecidos? Será necessário que passem séculos para determinar quais histórias, se é que há algumas, que perdem e ganham a ressonância cultural dos mitos antigos? Talvez alguns mitos potencialmente potentes possam ser detectados no processo de desenvolvimento, mesmo na atualidade.


Até nos séculos mais laicos ocorreram exemplos míticos da antiguidade. A popular obra de ficção do século XX, O Senhor dos Anéis, de J. R.R. Tolkien, pega em muitos elementos da mitologia germânica e finlandesa e reformula-os, imaginando-os de novo para reexaminar novamente as questões do herói e da procura. Os mitos não são só histórias antigas de espanto e glória; são, na sua gênese, acerca de nós.