SOBRE
OS MITOS
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
Compreender
os Mitos:
Tem
havido imensas tentativas de explicar os mitos em termos racionais. Talvez
alguns dos heróis mitológicos celebrem a memória distante e distorcida dos
seres humanos que viveram noutras épocas. Se assim for, a explicação histórica
não elucida a razão pela qual os mitos se desenvolveram de determinada forma,
por que motivo foram estes personagens e não outros que evoluíram para figuras
mitológicas. Alguns mitos glorificam um reino ou uma cidade, dão sanção divina à
conquista e à colonização, mas isso não explica como é que tais mitos podem ter
ultrapassado a duração de um reino ou de um império em milênios.
Existe algo de poderoso nos mitos que transcende
tanto a razão quanto as fronteiras de uma cultura. Talvez a verdade esteja na
sede que todos os povos tem de penetrar nos mistérios da vida, desde a origem
da consciência até ao fim do mundo. Os mitos parecem ter um poder estável por não
limitarem o mundo a fatos e figuras estatisticamente verificáveis, por povoarem
o mundo familiar com milagres e prodígios, e porque cruzam a humanidade com o
mundo dos animais e o dos deuses. Explorar o universo dos mitos é descobrir uma
série de crenças acerca do mundo, do estóico ao pessimista, do trágico ao cômico
- sem nunca passar pelo intermédio. Alguns mitos celebram o impostor, outros o
herói; todos eles ampliam a nossa forma de ver o mundo e têm o poder de nos
elevar dos nossos hábitos mentais. Num
planeta repleto de medos, de solidão e alienação, os mitos podem dar consolo
através de histórias de um tempo mais heróico, mais cavalheiresco, uma época em
que era muito mais fácil determinar a diferença entre o bem e o mal no coração
dos seres humanos, e em que animais e pessoas eram seres da mesma espécie e
podiam comunicar entre si. Os mitos sempre responderam às pessoas no seu anseio
em conhecer o significado, um desejo que é especialmente premente, talvez, numa
sociedade acentuadamente laica, como parece ser o caso da sociedade Ocidental.
A
Teoria do Mito de Jung:
Carl
Jung fala das verdades psicológicas do
mito, que ele assegura serem universais e necessárias a saúde da psique humana.
Segundo ele, necessitamos das histórias dos mitos para que haja sentido na
confusão reinante na nossa sociedade e nos nossos espíritos. Os mitos dão voz
as verdades do nosso inconsciente, e ele crê que os deuses, deusas e heróis da
mitologia corporizam aspectos da criatividade, inteligência, dor, alegria,
agressividade e êxtase. Os monstros míticos são na verdade monstros da mente;
as tragédias e os triunfos do mito refletem os modos pelos quais parecemos ser
sacudidos psicologicamente de um lado para o outro por forças que estão fora do
controle. Os seres humanos são criadores de mitos por natureza, sempre
curiosos, sempre vivendo psicologicamente fora dos padrões do mito ou sendo
ultrapassados por eles. Em termos psicológicos, segundo esta teoria, estamos
sempre num ou noutro padrão mítico, e a nossa liberdade de escolha como seres
humanos conscientes é a liberdade de dançar em vez de caminhar aos tropeções ao
longo da maior história do mundo - a vida.
A
criação de novos mitos tornou-se menos possível quando a imprensa passou a ter
uma maior divulgação, devido à sua capacidade de fixar uma certa forma da história
como a versão correta. Com o advento do rádio, do cinema, da televisão e do vídeo
mais histórias foram fixadas o que desencorajou a arte de contar e recontar
histórias tradicionais indefinidamente. A internet, com suas várias opções,
reverteu esta tendência e o mito pode voltar a florescer, numa escala muito
para além das de antigamente. Como é que esses novos mitos podem ser
reconhecidos? Será necessário que passem séculos para determinar quais histórias,
se é que há algumas, que perdem e ganham a ressonância cultural dos mitos
antigos? Talvez alguns mitos potencialmente potentes possam ser detectados no
processo de desenvolvimento, mesmo na atualidade.
Até
nos séculos mais laicos ocorreram exemplos míticos da antiguidade. A popular
obra de ficção do século XX, O Senhor dos Anéis, de J. R.R. Tolkien,
pega em muitos elementos da mitologia germânica e finlandesa e reformula-os,
imaginando-os de novo para reexaminar novamente as questões do herói e da
procura. Os mitos não são só histórias antigas de espanto e glória; são, na sua
gênese, acerca de nós.