terça-feira, 2 de setembro de 2014

LEIBNIZ

LEIBNIZ E A MONADOLOGIA
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

Resumo: Este trabalho sobre Teoria do Conhecimento na Filosofia, tem como objetivo tratar A Monadologia de Leibniz. Desenvolvido em suas últimas décadas de vida, a ideia central do sistema metafísico leibniziano é a de que há no plano ontológico fundamental, em sentido estrito, unicamente substâncias simples de natureza espiritual, denominadas mônadas.
Introdução:

 Gottfried Wilhelm von Leibniz (Leipzig 1646- Hanôver 1716) escreveu em 1714, Monadologia, mas foi publicada bem mais tarde em 1721 a tradução latina; em 1840 a versão original francesa. Ao contrário das intenções que animam os textos anteriores, sua preocupação maior não é mais justificar a bondade divina e a necessidade de o homem fazer o bem, temas de Ensaios de teodicéia, de 1710, nem mesmo provar que a criação de Deus constitui “o melhor dos mundos possíveis”, em especial Da Origem Radical das Coisas, de 1697. Seu projeto nessa obra lembra os primeiros textos, nos quais Leibniz tentava explicar a organização do mundo, tanto do ponto de vista mecânico quanto do metafísico. Mas não se pode negar que nos primeiros ensaios seu sistema estava ainda na fase de esboço, ainda que, em seu Discurso de Metafísica, de 1686, ele já mencionasse a noção de “substância”, e não se distinguia nitidamente das teorias de Descartes, assim como não se pode negar que esse texto, em sua tecnicidade, constitui a obra maior da metafísica leibniziana, onde podemos encontrar alguns aspectos das filosofias de Plotino e Spinoza.
Leibniz, para explicitar seu sistema filosófico, expõe sua teoria por um novo ângulo, o da Mônada.

A Monadologia:  
Leibniz assim começa  A Monadologia:

1. A Mônada, de que falaremos aqui, é apenas uma substãncia simples que entra nos compostos. Simples, quer dizer: sem partes.

2. Visto que há compostos, é necessário que haja substâncias simples, pois o composto é apenas a reunião ou aggregatum dos simples.

3. Ora, onde há partes, não há extensão, nem figura, nem divisibilidade possíveis, e, assim, as Mônadas são os verdadeiros Átomos da Natureza, e, em uma palavra, os Elementos das coisas. (Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, Os Pensadores)

4. Tampouco há dissolução a temer e não há como se conceber um modo pelo qual uma

substância simples possa perecer naturalmente (T. § 89).

5. Pela mesma razão, não há modo pelo qual uma substância simples possa começar

naturalmente, já que não pode ser formada por composição.

6. Portanto, pode dizer-se que as Mônadas só podem começar e acabar

instantaneamente, isto é, que só podem começar por criação e acabar por aniquilamento,

ao passo que o composto começa e acaba por partes.
Tal noção aparece como basilar de sua doutrina. Pois, num primeiro momento, ele define a Mônada como uma substância simples, ou seja, uma unidade (do grego mona) primeira da qual todos os objetos seriam compostos. Essa simplicidade é por definição sem partes, remetendo, portanto, ao caráter único e absoluto de toda existência; inversamente, a realidade concreta e fenomênica do mundo só existe na forma de compostos de várias mônadas. Em outras palavras, essas substâncias simples constituem “ os Elementos das coisas (…) os verdadeiros Átomos da Natureza”.

 Assim: Mônadas são substâncias simples, desprovidas de partes, sendo, em função disso, inextensas. Elas são dotadas de estados representacionais internos, as percepções, que se alteram constantemente graças a uma força de modificação, as apetições. As mônadas não mantém nenhum tipo de relação causal entre si, sendo, dessa maneira, todas as suas modificações produzidas unicamente a partir delas mesmas. Porém cada mônada é como que um espelho do universo, expressando através de seus estados internos tudo o que ocorre a todas as outras mônadas. Assim, apesar de não haver vínculos causais entre as diversas mônadas, suas representações encontram-se harmonizadas entre si, formando o que Leibniz chamava de sistema de harmonia preestabelecida. ( Os Filósofos Clássicos da Filosofia    vol. I)

Indivisíveis, elas não participam de nada que esteja fora de si mesmas; são, portanto, incorporais, imutáveis, inalteráveis, imortais, e “só poderiam começar por criação  e acabar por aniquilação”de Deus. Por isso, cada mônada é diferente qualitativamente de cada outra mônada; é preciso então aceitar que essas unidades contém em si princípios de mudança que permitem distingui-las, princípios internos, pois nada as afeta de fora. Essa mudança natural é, aliás, necessária em si, pois só Deus não contém em seu Ser graus de evolução.  Na  Monadologia Leibniz discorre:
8. Todavia, as Mônadas precisam ter algumas qualidades, do contrário nem mesmo seriam entes. E se as substâncias simples não diferissem por suas qualidades, não haveria modo de apercebermos qualquer modificação nas coisas, já que aquilo que está no composto só pode vir de seus ingredientes simples, e se as Mônadas carecessem de qualidades, seriam indistinguíveis umas das outras, já que também não diferem em quantidade; e, conseqüentemente, suposto o pleno, cada lugar receberia sempre, no movimento,só o Equivalente do que antes havia tido, e um estado de coisas seria indiscernível de outro.

9. É mesmo necessário que cada Mônada seja diferente de qualquer outra. Pois nunca há, na natureza, dois seres que sejam perfeitamente idênticos e nos quais não seja possível encontrar uma diferença interna, ou fundada em uma denominação intrínseca.

10. Dou também por aceito que todo ser criado está sujeito à mudança, e,conseqüentemente, também a Mônada criada e inclusive que tal mudança é contínua em cada uma delas. . (Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, Os Pensadores)
Segundo Leibniz, essas substâncias simples imateriais são as entidades últimas constituidoras da realidade, devendo ser, portanto, os corpos, enquanto entidades ontologicamente derivadas e secundárias, de alguma maneira redutíveis a elas e delas dependentes. Os corpos são caracterizados por Leibniz como produtos da agregação de mônadas, o que significa dizer que eles são, de alguma forma, constituídos por elas. Essa relação de constituição não deve ser compreendida, contudo, como sendo uma relação de composição, análoga àquela que vigora entre um todo e suas partes. As substâncias indivisíveis não são partes das quais o corpo seja composto, mas sim mais propriamente um requisito interno e essencial para a existência deles, pois não se pode conceber a existência do múltiplo - todo corpo é múltiplo por ser divisível ao infinito - sem a existência da unidade.

Há duas determinações diversas dessa relação de redução ou de dependência, nos textos Leibnizianos, ou seja, os corpos podem ser caracterizados quer como fenômenos bem fundados, quer como agregados de mônadas.
No sistema leibniziano, atribuir aos corpos uma natureza fenomênica significa considerar que eles não são por si um ser uno, dependendo, ao contrário, sua unidade da maneira como eles são percebidos. Para Leibniz, algo é um fenômeno na medida em que a consideração dele como uma unidade depende de um modo de percepção de alguma coisa dele distinta. Isso implica dizer que o ser do fenômeno enquanto fenômeno depende do ser do ente que percebe o fenômeno como uma unidade. Exclusivamente os entes, cuja unidade esteja fundada na sua própria natureza, podem ser tomados como seres reais, sendo considerados como fenômenos todos aqueles entes cuja unidade repouse sobre um determinado modo de representação que se faça deles. A atribuição aos corpos de uma natureza meramente fenomênica deve ser compreendida, dessa maneira, como uma negação de que eles sejam por si entes dotados de percepção. Isso significa que eles são percebidos como unos, mas que não são unos independentemente dessa percepção deles como unos. Se a unidade dos corpos repousa sobre sua percepção como unos, então a realidade dos corpos depende da realidade dos entes percipientes  que os percebem como unos, vale dizer, a realidade dos corpos depende da realidade das mônadas. Esse é o primeiro sentido da dependência ontológica dos corpos relativamente às mônadas.

Entretanto, na produção dessa unidade ôntica, essa dependência não se esgota. Em função da divisibilidade ao infinito de tudo que é extenso, os corpos, além de não constituírem por si uma unidade, também não podem ser considerados como múltiplos formados a partir de outras unidades corpóreas mais fundamentais, uma vez que todo o corpóreo é extenso e, por conseqüência, múltiplo. Aplicando o princípio metafísico, segundo o qual toda multiplicidade pressupõe as unidades a partir das quais ela se constitui, Leibniz conclui que a atribuição de realidade aos corpos implica a suposição de unidades incorpóreas constituidoras desses corpos. Sem recorrer à ideia dessas unidades incorpóreas constituidoras não seria possível, de acordo com Leibniz, tornar inteligível a ideia da multiplicidade corpórea, quer dizer, a ideia mesma de corpo.
Assim, a ontologia leibniziana da maturidade caminha de uma concepção hilemórfica das substâncias individuais, segundo a qual há substâncias corporais constituídas pela ligação de formas substanciais a porções da matéria, para uma concepção de um viés fortemente idealista, de acordo com a qual essas formas ou mônadas são as únicas substâncias existentes, constituindo-se os corpos, mesmo os vivos, em fenômenos bem-formados ou produtos da agregação de mônadas.  

Para Liebniz,  essas substâncias são “Enteléquias”, ou seja, realizações que tendem à perfeição.  Assim define A Monadologia:

18. Poder-se-ia dar o nome de Enteléquia a todas as substâncias simples ou Mônadas criadas, pois contêm em si uma certa perfeição ( échousi tò entelés ); e têm uma suficiência ( autárkeia ) que as torna fontes de suas ações internas e, por assim dizer, Autômatos incorpóreos (T. § 87). (Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, Os Pensadores)

Elas são o elo entre um Deus perfeito e todas as criaturas perfectíveis. É preciso compreender essa “apetição”, esse desejo de perfeição, como princípio interno de evolução da mônada, no sentido de tendência a uma percepção do mundo cada vez mais distinta. Isto porque os múltiplos estados da evolução de uma mônadas são percepções novas: cada ser de nosso mundo recebe uma infinidade de percepções; mas se o animal não se lembra da percepção precedente e só tem conhecimento confuso e inconsciente, o homem, pelo caráter de sua alma, detentora de memória, é capaz de associar suas diversas percepções. Assim, a alma humana, que é uma mônada enquanto substância indivisível, tende a realizar esse desejo de perfeiçāo. Tal é, aliás, o papel da razão que permite que o homem tenha consciência de si, portanto que se conheça e reconheça seu desejo pelo perfeito.     
Portanto, o espírito que percebe de maneira inata a exigência de verdade eternas, deve admitir a necessidade da existência de um Ser superior e perfeito, cuja representação e expressão em nosso mundo são as mônadas. Pensando Deus, devemos admitir, por um lado, que ele existe, pois se ele é perfeito, contém em si a existência, que é uma perfeição, e por outro lado que ele constitui a “Razão suficiente” da existência de qualquer coisa. Ele é sábio, conhece as Ideias eternas, bom, escolhendo o melhor dos mundos possíveis e poderoso, dando-lhe a existência. Por isso, cada mônada é reveladora do universo harmonioso criado por Deus.

Conclusão:
Para o homem, então, compreender seu lugar na “Cidade de Deus”é perceber o universo através de sua substância individual, sua mônada, que é sua alma racional. Pois se cada mônada tem um lugar determinado, percebendo, portanto, o mundo de um “ponto de vista particular”, todas estão interligadas por “séries” que “se encontram em virtude da harmonia preestabelecida”. Por exemplo, a alma e o corpo são duas séries totalmente distintas que se cruzam, permitindo que o homem conheça sua finalidade; o corpo, “olho da alma”, descobre para a razão a beleza da “República Universal”, e dá ao homem o sentido de seu lugar no mundo: amar a Deus admirando sua criação.

86. Esta cidade de Deus, esta Monarquia verdadeiramente universal, é um Mundo Moral no Mundo Natural e o que de mais elevado e mais divino há nas obras de Deus. E nisto consiste, verdadeiramente, a glória de Deus, pois Ele nunca a teria, se Sua grandeza e bondade não fossem conhecidas e admiradas pelos Espíritos; é também com relação a esta cidade divina, que Ele tem propriamente bondade, ao passo que Sua sabedoria e Seu poder em tudo se manifestam (Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, Os Pensadores).
Referências:

1) Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, Os Pensadores, editor Victor Civita, São Paulo, 1974, trad. Marilena de Souza Chauí Berlinck;

2) Huisman Denis, Dicionário de Obras Filosóficas, editora Martins Fontes, São Paulo, 2012, trad. Ivone Castilho Benetti;

3) Pecoraro Rossano (org.), Os Filósofos Clássicos da Filosofia, vol.I, editora Vozes, Petrópoles-RJ, 2008;

4) Huisman Denis, Dicionário dos Filósofos, Martins Fontes, São Paulo,2004, trad. Ivone Castilho Benetti, Eduardo Brandão, Cláudia Berliner e Maria Ermantina Galvão;

5)Abbagnano Nicola, Dicionário de Filosofia, editora Martins Fontes – 2012.