LEIBNIZ E A
MONADOLOGIA
(por
Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
Resumo: Este trabalho sobre Teoria do Conhecimento na Filosofia,
tem como objetivo tratar A Monadologia de Leibniz. Desenvolvido em suas últimas
décadas de vida, a ideia central do sistema metafísico leibniziano é a de que
há no plano ontológico fundamental, em sentido estrito, unicamente substâncias
simples de natureza espiritual, denominadas mônadas.
Introdução:
A Monadologia:
Leibniz assim começa
A Monadologia:
1. A Mônada, de que
falaremos aqui, é apenas uma substãncia simples que entra nos compostos.
Simples, quer dizer: sem partes.
2. Visto que há
compostos, é necessário que haja substâncias simples, pois o composto é apenas
a reunião ou aggregatum dos simples.
3. Ora, onde há
partes, não há extensão, nem figura, nem divisibilidade possíveis, e, assim, as
Mônadas são os verdadeiros Átomos da Natureza, e, em uma palavra, os Elementos
das coisas. (Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, Os
Pensadores)
4. Tampouco há
dissolução a temer e não há como se conceber um modo pelo qual uma
substância simples
possa perecer naturalmente (T. § 89).
5. Pela mesma razão,
não há modo pelo qual uma substância simples possa começar
naturalmente, já que
não pode ser formada por composição.
6. Portanto, pode
dizer-se que as Mônadas só podem começar e acabar
instantaneamente,
isto é, que só podem começar por criação e acabar por aniquilamento,
ao passo que o
composto começa e acaba por partes.
Tal noção aparece como basilar de sua doutrina. Pois, num
primeiro momento, ele define a Mônada como uma substância simples, ou seja, uma
unidade (do grego mona) primeira da qual todos os objetos seriam compostos.
Essa simplicidade é por definição sem partes, remetendo, portanto, ao caráter
único e absoluto de toda existência; inversamente, a realidade concreta e
fenomênica do mundo só existe na forma de compostos de várias mônadas. Em
outras palavras, essas substâncias simples constituem “ os Elementos das coisas
(…) os verdadeiros Átomos da Natureza”.
Indivisíveis, elas não participam de nada que esteja fora de
si mesmas; são, portanto, incorporais, imutáveis, inalteráveis, imortais, e “só
poderiam começar por criação e acabar
por aniquilação”de Deus. Por isso, cada mônada é diferente qualitativamente de
cada outra mônada; é preciso então aceitar que essas unidades contém em si
princípios de mudança que permitem distingui-las, princípios internos, pois
nada as afeta de fora. Essa mudança natural é, aliás, necessária em si, pois só
Deus não contém em seu Ser graus de evolução.
Na Monadologia Leibniz discorre:
8. Todavia, as
Mônadas precisam ter algumas qualidades, do contrário nem mesmo seriam entes. E
se as substâncias simples não diferissem por suas qualidades, não haveria modo de
apercebermos qualquer modificação nas coisas, já que aquilo que está no
composto só pode vir de seus ingredientes simples, e se as Mônadas carecessem
de qualidades, seriam indistinguíveis umas das outras, já que também não
diferem em quantidade; e, conseqüentemente, suposto o pleno, cada lugar
receberia sempre, no movimento,só o Equivalente do que antes havia tido, e um
estado de coisas seria indiscernível de outro.
9. É mesmo necessário
que cada Mônada seja diferente de qualquer outra. Pois nunca há, na natureza,
dois seres que sejam perfeitamente idênticos e nos quais não seja possível
encontrar uma diferença interna, ou fundada em uma denominação intrínseca.
10. Dou também por
aceito que todo ser criado está sujeito à mudança, e,conseqüentemente, também a
Mônada criada e inclusive que tal mudança é contínua em cada uma delas. .
(Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, Os Pensadores)
Segundo Leibniz, essas substâncias simples imateriais são as
entidades últimas constituidoras da realidade, devendo ser, portanto, os
corpos, enquanto entidades ontologicamente derivadas e secundárias, de alguma
maneira redutíveis a elas e delas dependentes. Os corpos são caracterizados por
Leibniz como produtos da agregação de mônadas, o que significa dizer que eles
são, de alguma forma, constituídos por elas. Essa relação de constituição não
deve ser compreendida, contudo, como sendo uma relação de composição, análoga
àquela que vigora entre um todo e suas partes. As substâncias indivisíveis não
são partes das quais o corpo seja composto, mas sim mais propriamente um
requisito interno e essencial para a existência deles, pois não se pode
conceber a existência do múltiplo - todo corpo é múltiplo por ser divisível ao
infinito - sem a existência da unidade.
Há duas determinações diversas dessa relação de redução ou
de dependência, nos textos Leibnizianos, ou seja, os corpos podem ser
caracterizados quer como fenômenos bem fundados, quer como agregados de
mônadas.
No sistema leibniziano, atribuir aos corpos uma natureza
fenomênica significa considerar que eles não são por si um ser uno, dependendo,
ao contrário, sua unidade da maneira como eles são percebidos. Para Leibniz,
algo é um fenômeno na medida em que a consideração dele como uma unidade depende
de um modo de percepção de alguma coisa dele distinta. Isso implica dizer que o
ser do fenômeno enquanto fenômeno depende do ser do ente que percebe o fenômeno
como uma unidade. Exclusivamente os entes, cuja unidade esteja fundada na sua
própria natureza, podem ser tomados como seres reais, sendo considerados como
fenômenos todos aqueles entes cuja unidade repouse sobre um determinado modo de
representação que se faça deles. A atribuição aos corpos de uma natureza
meramente fenomênica deve ser compreendida, dessa maneira, como uma negação de
que eles sejam por si entes dotados de percepção. Isso significa que eles são
percebidos como unos, mas que não são unos independentemente dessa percepção
deles como unos. Se a unidade dos corpos repousa sobre sua percepção como unos,
então a realidade dos corpos depende da realidade dos entes percipientes que os percebem como unos, vale dizer, a
realidade dos corpos depende da realidade das mônadas. Esse é o primeiro
sentido da dependência ontológica dos corpos relativamente às mônadas.
Entretanto, na produção dessa unidade ôntica, essa
dependência não se esgota. Em função da divisibilidade ao infinito de tudo que
é extenso, os corpos, além de não constituírem por si uma unidade, também não
podem ser considerados como múltiplos formados a partir de outras unidades
corpóreas mais fundamentais, uma vez que todo o corpóreo é extenso e, por
conseqüência, múltiplo. Aplicando o princípio metafísico, segundo o qual toda
multiplicidade pressupõe as unidades a partir das quais ela se constitui,
Leibniz conclui que a atribuição de realidade aos corpos implica a suposição de
unidades incorpóreas constituidoras desses corpos. Sem recorrer à ideia dessas
unidades incorpóreas constituidoras não seria possível, de acordo com Leibniz, tornar
inteligível a ideia da multiplicidade corpórea, quer dizer, a ideia mesma de
corpo.
Assim, a ontologia leibniziana da maturidade caminha de uma
concepção hilemórfica das substâncias individuais, segundo a qual há
substâncias corporais constituídas pela ligação de formas substanciais a
porções da matéria, para uma concepção de um viés fortemente idealista, de
acordo com a qual essas formas ou mônadas são as únicas substâncias existentes,
constituindo-se os corpos, mesmo os vivos, em fenômenos bem-formados ou
produtos da agregação de mônadas.
Para Liebniz, essas
substâncias são “Enteléquias”, ou seja, realizações que tendem à
perfeição. Assim define A Monadologia:
18. Poder-se-ia dar o
nome de Enteléquia a todas as substâncias simples ou Mônadas criadas, pois
contêm em si uma certa perfeição ( échousi tò entelés ); e têm uma suficiência
( autárkeia ) que as torna fontes de suas ações internas e, por assim dizer,
Autômatos incorpóreos (T. § 87). (Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia
ditos A Monadologia, Os Pensadores)
Elas são o elo entre um Deus perfeito e todas as criaturas
perfectíveis. É preciso compreender essa “apetição”, esse desejo de perfeição,
como princípio interno de evolução da mônada, no sentido de tendência a uma
percepção do mundo cada vez mais distinta. Isto porque os múltiplos estados da
evolução de uma mônadas são percepções novas: cada ser de nosso mundo recebe
uma infinidade de percepções; mas se o animal não se lembra da percepção
precedente e só tem conhecimento confuso e inconsciente, o homem, pelo caráter
de sua alma, detentora de memória, é capaz de associar suas diversas
percepções. Assim, a alma humana, que é uma mônada enquanto substância
indivisível, tende a realizar esse desejo de perfeiçāo. Tal é, aliás, o papel da razão
que permite que o homem tenha consciência de si, portanto que se conheça e
reconheça seu desejo pelo perfeito.
Portanto, o espírito que percebe de maneira inata a
exigência de verdade eternas, deve admitir a necessidade da existência de um
Ser superior e perfeito, cuja representação e expressão em nosso mundo são as
mônadas. Pensando Deus, devemos admitir, por um lado, que ele existe, pois se
ele é perfeito, contém em si a existência, que é uma perfeição, e por outro
lado que ele constitui a “Razão suficiente” da existência de qualquer coisa.
Ele é sábio, conhece as Ideias eternas, bom, escolhendo o melhor dos mundos
possíveis e poderoso, dando-lhe a existência. Por isso, cada mônada é
reveladora do universo harmonioso criado por Deus.
Conclusão:
Para o homem, então, compreender seu lugar na “Cidade de
Deus”é perceber o universo através de sua substância individual, sua mônada,
que é sua alma racional. Pois se cada mônada tem um lugar determinado,
percebendo, portanto, o mundo de um “ponto de vista particular”, todas estão
interligadas por “séries” que “se encontram em virtude da harmonia
preestabelecida”. Por exemplo, a alma e o corpo são duas séries totalmente
distintas que se cruzam, permitindo que o homem conheça sua finalidade; o
corpo, “olho da alma”, descobre para a razão a beleza da “República Universal”,
e dá ao homem o sentido de seu lugar no mundo: amar a Deus admirando sua
criação.
86. Esta cidade de
Deus, esta Monarquia verdadeiramente universal, é um Mundo Moral no Mundo
Natural e o que de mais elevado e mais divino há nas obras de Deus. E nisto
consiste, verdadeiramente, a glória de Deus, pois Ele nunca a teria, se Sua
grandeza e bondade não fossem conhecidas e admiradas pelos Espíritos; é também
com relação a esta cidade divina, que Ele tem propriamente bondade, ao passo
que Sua sabedoria e Seu poder em tudo se manifestam (Leibniz Newton, Os
Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, Os Pensadores).
Referências:
1) Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia ditos A
Monadologia, Os Pensadores, editor Victor Civita, São Paulo, 1974, trad.
Marilena de Souza Chauí Berlinck;
2) Huisman Denis, Dicionário de Obras Filosóficas, editora
Martins Fontes, São Paulo, 2012, trad. Ivone Castilho Benetti;
3) Pecoraro Rossano (org.), Os Filósofos Clássicos da
Filosofia, vol.I, editora Vozes, Petrópoles-RJ, 2008;
4) Huisman Denis, Dicionário dos Filósofos, Martins Fontes,
São Paulo,2004, trad. Ivone Castilho Benetti, Eduardo Brandão, Cláudia Berliner
e Maria Ermantina Galvão;
5)Abbagnano Nicola, Dicionário de Filosofia, editora Martins
Fontes – 2012.
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