sexta-feira, 3 de abril de 2015

ESTÉTICA - ODISSÉIA - BENJAMIN

Parte I - Odisséia : Resistir às sereias
Parte II - Odisséia: Papel  do aedo
Parte III -Noção de distância e experiência em Benjamin   
 

 
 (por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
 

Resumo: Este artigo dividido em três partes, pretende nas duas primeiras, fazer uma breve análise sobre o episódio das sereias e o papel do aedo, na Odisséia de Homero, respectivamente, e na última parte, tratar sobre a noção de distância e experiência na arte de narrar, em Walter Benjamin.

 

Parte I - Análise do episódio das sereias

 

As sereias, na Odisséia de Homero, são pássaros-mulheres, elas representam ao mesmo tempo o apelo do desejo de saber, a atração erótica,  são a sedução em pessoa, e a morte.

Ulisses goza da qualidade de ser um sujeito autocrático, tem poder sobre si, tem esse poder interior e também possui o poder externo, sobre a natureza.

Ulisses também está de “ mãos dadas” com a astúcia, é como se astúcia e Ulisses se confundissem numa mesma pessoa.

Com tais qualidade Ulisses vence as Sereias e as demais aventuras da Odisséia e se torna um herói vivo.

Podemos interpretar o triunfo de Ulisses sobre as Sereias como o de uma forma emergente de racionalidade sobre o mito, mais precisamente, como a transformação da magia em arte.

Ulisses figura como sujeito de identidade  racional e determinada.

O significado de Ulisses amarrado a seu mastro é a imagem da auto-repressão, pois ele reprimi suas pulsões de vida mais originais e autênticas para se constituir a si mesmo.

Ulisses, o chefe, só pode escutar o canto das sereias porque tapou os ouvidos de sua tripulação, condenada a trabalhar sem nenhum gozo, e porque pediu para ser atado ao mastro, escolheu sua própria prisão.

Assim sendo, constata-se, uma dupla repressão, do dominador sobre os dominados e do dominador sobre si mesmo.

 

Parte II - Análise sobre o papel do aedo na Odisséia de Homero

 

O aedo/poeta  representa um papel importante nessa civilização, uma vez que, uma sociedade onde não havia escrita o aedo é a memória “ viva” das histórias e estórias, “ in casu “ da Odisséia.

As várias formas de narração literária se desdobram segundo vários modos históricos de memória e memorização.

A poesia épica, aqui tratada na Odisséia, é inseparável de sua fonte de memória popular e oral, representada pelo aedo Demódoco e também o próprio Ulisses, no seu papel de aedo.

A memória significa manter a palavra, as histórias, os cantos que ajudam os homens a se lembrarem do passado e também não se esquecerem do futuro.

Podemos constatar aqui que a  “ conditio sine qua non” do aedo é a memória.

Ressalte-se também que o papel do poeta sobre as narrações de Ulisses, indica uma autorreflexão poética da parte de Homero.

Constata-se que pode haver, por meio da narração e da auto narração, uma auto-constituição do sujeito que não se confunde necessariamente com a renúncia ao próprio desejo.

A única coisa a fazer, então, não é esperar por uma vida depois da morte ( esse consolo somente virá com os Pitagóricos e com Platão), mas sim tentar manter viva, para os vivos e através da palavra do poeta, a lembrança gloriosa dos mortos, nossos antepassados outrora vivos e sofredores como nós. Essa é a função secreta, mas central, de Ulisses, figura no próprio poema, do poeta, daquele que sabe lembrar, para os vivos, os mortos.

Temos então, assim, uma definição de ” cultura” - reconhecer nossa condição de mortais, condição tão incontornável como a exigência que ela implica: cuidar da memória dos mortos para os vivos de hoje. ( Jeanne Marie Gagnebin, Lembrar escrever esquecer, ed.34.2014)

 

Parte III-  Sobre a noção de  distância e de experiência em Walter Benjamin

 

Segundo Benjamin a arte de narrar caminha para o fim e uma das causas deste fenômeno é de que a experiência caiu na cotação.

Para Benjamin, a experiência,  que anda de boca em boca é a fonte onde beberam todos os narradores. E, entre os que escreveram histórias, os grandes são aqueles cuja escrita menos se distingue do discurso dos inúmeros narradores anônimos. Entre estes últimos, aliás, há dois grupos que certamente se cruzam de maneira diversa. Quando alguém faz uma viagem, então tem alguma coisa para contar, diz a voz do povo e imagina o narrador como alguém que vem de longe. Mas não é com menos prazer que se ouve aquele que, vivendo honestamente do seu trabalho, ficou em casa e conhece as histórias e tradições de sua terra. Se se quer presentificar estes dois grupos nos seus representantes arcaicos então um está encarnado no lavrador sedentário e o outro no marinheiro mercante.  A extensão real do âmbito das narrativas em sua pelintre histórica total, não pode ser pensada sem a mais íntima interpenetração destes dois tipos arcaicos.

Benjamin entende a noção de “ distância” no sentido de “ longínquo” ( “Ferne”)   como a possibilidade da verdadeira narração, pois quando alguém faz uma viagem, tem alguma coisa para contar.

A experiência (Erfahrung) designa uma experiência comum, compartilhada por muitos e, portanto, comunicável, oferecendo uma mediação linguística entre os homens a partir de suas vidas diversas. Ela portanto pode ser transmitida de geração em geração e oferece a matéria-prima das histórias que a humanidade se conta a si mesma.

Assim a “ distância” e a “ experiência” é uma junção adequada a condição de possibilidade da verdadeira narração.

Na Idade Média, em particular, alcançou-se essa interpenetração através do estatuto dos artesãos. O mestre sedentário e os aprendizes volantes laboravam juntos nas mesmas oficinas e todo mestre fora aprendiz volante antes de se haver estabelecido em sua terra ou fora dela. Se camponeses e homens do mar tinham sido os velhos mestres da narração, a condição de artífice era sua academia. Nela se unia o conhecimento do lugar distante, como o traz para casa o homem viajado, com o conhecimento do passado, da forma como este se oferece de preferência ao sedentário.

 
Referências:

 

    1)        ADORNO e HORKHEIMER. Dialética do Esclarecimento. RJ.ed. Zahar. 2006.

    2)        BENJAMIN Walter. I Obras Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. SP. ed brasiliense. 2014.

    3)        GAGNEBIN Jeanne Marie. Lembrar escrever esquecer. RJ. ed.34. 2014.

    4)        HOMERO.Odisséia. trad. Trajano Vieira. RJ. ed.34. 2012.

    5)        VERNANT Jean-Pierre. O Universo, Os Deuses, Os Homens. Mitos Gregos Contados por Jean-Pierre Vernant. SP.  Cia das Letras. 2014.