Parte II - Odisséia: Papel
do aedo
Parte III -Noção de distância e experiência em Benjamin
(por
Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
Resumo: Este artigo dividido em três partes, pretende nas
duas primeiras, fazer uma breve análise sobre o episódio das sereias e o papel
do aedo, na Odisséia de Homero, respectivamente, e na última parte, tratar
sobre a noção de distância e experiência na arte de narrar, em Walter Benjamin.
Parte I - Análise do
episódio das sereias
As sereias, na Odisséia de Homero, são pássaros-mulheres,
elas representam ao mesmo tempo o apelo do desejo de saber, a atração
erótica, são a sedução em pessoa, e a
morte.
Ulisses goza da qualidade de ser um sujeito autocrático, tem
poder sobre si, tem esse poder interior e também possui o poder externo, sobre
a natureza.
Ulisses também está de “ mãos dadas” com a astúcia, é como
se astúcia e Ulisses se confundissem numa mesma pessoa.
Com tais qualidade Ulisses vence as Sereias e as demais
aventuras da Odisséia e se torna um herói vivo.
Podemos interpretar o triunfo de Ulisses sobre as Sereias
como o de uma forma emergente de racionalidade sobre o mito, mais precisamente,
como a transformação da magia em arte.
Ulisses figura como sujeito de identidade racional e determinada.
O significado de Ulisses amarrado a seu mastro é a imagem da
auto-repressão, pois ele reprimi suas pulsões de vida mais originais e
autênticas para se constituir a si mesmo.
Ulisses, o chefe, só pode escutar o canto das sereias porque
tapou os ouvidos de sua tripulação, condenada a trabalhar sem nenhum gozo, e
porque pediu para ser atado ao mastro, escolheu sua própria prisão.
Assim sendo, constata-se, uma dupla repressão, do dominador
sobre os dominados e do dominador sobre si mesmo.
Parte II - Análise
sobre o papel do aedo na Odisséia de Homero
O aedo/poeta
representa um papel importante nessa civilização, uma vez que, uma
sociedade onde não havia escrita o aedo é a memória “ viva” das histórias e
estórias, “ in casu “ da Odisséia.
As várias formas de narração literária se desdobram segundo
vários modos históricos de memória e memorização.
A poesia épica, aqui tratada na Odisséia, é inseparável de
sua fonte de memória popular e oral, representada pelo aedo Demódoco e também o
próprio Ulisses, no seu papel de aedo.
A memória significa manter a palavra, as histórias, os
cantos que ajudam os homens a se lembrarem do passado e também não se
esquecerem do futuro.
Podemos constatar aqui que a
“ conditio sine qua non” do aedo é a memória.
Ressalte-se também que o papel do poeta sobre as narrações
de Ulisses, indica uma autorreflexão poética da parte de Homero.
Constata-se que pode haver, por meio da narração e da auto
narração, uma auto-constituição do sujeito que não se confunde necessariamente
com a renúncia ao próprio desejo.
A única coisa a
fazer, então, não é esperar por uma vida depois da morte ( esse consolo somente
virá com os Pitagóricos e com Platão), mas sim tentar manter viva, para os
vivos e através da palavra do poeta, a lembrança gloriosa dos mortos, nossos
antepassados outrora vivos e sofredores como nós. Essa é a função secreta, mas
central, de Ulisses, figura no próprio poema, do poeta, daquele que sabe
lembrar, para os vivos, os mortos.
Temos então, assim,
uma definição de ” cultura” - reconhecer nossa condição de mortais, condição
tão incontornável como a exigência que ela implica: cuidar da memória dos
mortos para os vivos de hoje. ( Jeanne Marie Gagnebin, Lembrar escrever
esquecer, ed.34.2014)
Parte III- Sobre a noção de distância e de experiência em Walter Benjamin
Segundo Benjamin a arte de narrar caminha para o fim e uma
das causas deste fenômeno é de que a experiência caiu na cotação.
Para Benjamin, a experiência, que anda de boca em boca é a fonte onde
beberam todos os narradores. E, entre os que escreveram histórias, os grandes
são aqueles cuja escrita menos se distingue do discurso dos inúmeros narradores
anônimos. Entre estes últimos, aliás, há dois grupos que certamente se cruzam
de maneira diversa. Quando alguém faz uma viagem, então tem alguma coisa para
contar, diz a voz do povo e imagina o narrador como alguém que vem de longe.
Mas não é com menos prazer que se ouve aquele que, vivendo honestamente do seu
trabalho, ficou em casa e conhece as histórias e tradições de sua terra. Se se
quer presentificar estes dois grupos nos seus representantes arcaicos então um
está encarnado no lavrador sedentário e o outro no marinheiro mercante. A extensão real do âmbito das narrativas em
sua pelintre histórica total, não pode ser pensada sem a mais íntima
interpenetração destes dois tipos arcaicos.
Benjamin entende a noção de “ distância” no sentido de “
longínquo” ( “Ferne”) como a
possibilidade da verdadeira narração, pois quando alguém faz uma viagem, tem
alguma coisa para contar.
A experiência (Erfahrung) designa uma experiência comum,
compartilhada por muitos e, portanto, comunicável, oferecendo uma mediação
linguística entre os homens a partir de suas vidas diversas. Ela portanto pode
ser transmitida de geração em geração e oferece a matéria-prima das histórias
que a humanidade se conta a si mesma.
Assim a “ distância” e a “ experiência” é uma junção
adequada a condição de possibilidade da verdadeira narração.
Na Idade Média, em particular, alcançou-se essa
interpenetração através do estatuto dos artesãos. O mestre sedentário e os
aprendizes volantes laboravam juntos nas mesmas oficinas e todo mestre fora
aprendiz volante antes de se haver estabelecido em sua terra ou fora dela. Se
camponeses e homens do mar tinham sido os velhos mestres da narração, a
condição de artífice era sua academia. Nela se unia o conhecimento do lugar
distante, como o traz para casa o homem viajado, com o conhecimento do passado,
da forma como este se oferece de preferência ao sedentário.
Referências:
1) ADORNO e HORKHEIMER. Dialética do Esclarecimento. RJ.ed. Zahar.
2006.
2) BENJAMIN Walter. I Obras Escolhidas.
Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre literatura e história da
cultura. SP. ed brasiliense. 2014.
3) GAGNEBIN Jeanne Marie. Lembrar escrever esquecer. RJ. ed.34.
2014.
4) HOMERO.Odisséia. trad. Trajano Vieira. RJ. ed.34.
2012.
5) VERNANT Jean-Pierre. O Universo, Os
Deuses, Os Homens. Mitos Gregos Contados por Jean-Pierre Vernant. SP. Cia das Letras. 2014.
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