(por Ândrea Cristina
Pimentel Palazzolo)
RESUMO:
Este artigo tem como objetivo discutir a noção de verdade, baseado em
Alfred Tarsk, ou seja, a noção lógica de verdade.
A noção de verdade
pode ocorrer em diversos contextos. Neste artigo nos interessa a noção lógica
de verdade. Assim, o termo verdadeiro será interpretado restritivamente.
Precisamente o
significado do termo “verdadeiro”, quando usado com referência a sentença.
Esclarecendo também que, as sentenças serão aqui tratadas como objetos
lingüísticos e que quando falarmos de sentença, estaremos tratando das
sentenças declarativas.
Quando o termo é
extraído da linguagem cotidiana, a explicação, pode variar, conforme o caso,
senão vejamos:
Na explicação
descritiva, ela descreve como o termo é de fato utilizado na linguagem. ‘In
casu’ pode-se questionar se é de fato correta ou incorreta, certa ou errada.
Na normativa é feita
uma sugestão de como o termo deve ser usado.
Ela pode ser avaliada do ponto de vista de sua utilidade ou inutilidade,
adequação ou inadequação, mas não de sua correção.
Mas a explicação que
trataremos será de certa forma mista, ou seja, como sugestão de uma maneira
definida de usar o termo “verdadeiro” com a crença de que está de acordo com o
uso mais comum dele.
Tal entendimento da
noção de verdade, harmoniza-se com as várias explicações dela na Filosofia.
Há começar da
Metafísica de Aristóteles:
Dizer
do que é que não é, ou do que não é que é, é falso, enquanto que dizer do que é
que é, ou do que não é que não é, é verdadeiro.
Quanto a formulação
Aristotélica embora pareça clara, fica a desejar quanto a precisão e correção
formal. A formulação deveria ser mais geral.
Na filosofia moderna,
foram oferecidas outras formulações, mas a de Aristóteles ainda parece ser mais
clara.
Oportuna, agora, é a
pergunta:
O que é a concepção clássica de verdade ou concepção semântica de verdade?
É a concepção de
verdade que encontra sua expressão na formulação aristotélica.
Mas o que é semântica
em lógica?
Informalmente, são as
relações entre os objetos lingüísticos, como as sentenças, e aquilo que é
expresso por eles.
Também a teoria da
correspondência da verdade é baseada na concepção clássica.
O objetivo é de uma
explicação mais precisa da concepção clássica de verdade.
Algumas técnicas da
lógica contemporânea serão utilizadas.
Quanto à linguagem em
cujas sentenças trataremos, por enquanto, será o português comum.
Primeiro um exemplo
simples: a sentença ‘a neve é branca’. Denominaremos essa sentença por ‘S’, de
tal forma que ‘S’ passa a ser o nome da sentença.
Assim, conforme a
formulação aristotélica, quando falamos que S é verdadeira, queremos dizer que
a neve é branca e, quando falamos que S é falsa, queremos dizer que a neve não
é branca.
Temos, então, as seguintes formulações, eliminando o símbolo
‘S’:
(1) ‘ a neve é
branca’ é verdadeira se e somente se a neve é branca.
(1’) ‘ a neve é
branca’ é falsa se e somente se a neve não é branca.
(1) e (1’) são
definições parciais dos termos verdadeiro e falso, pois dizem respeito a uma
sentença particular.
Ambas possuem a forma
de equivalência lógica.
Mas o que é a forma
de equivalência lógica?
É a forma onde há
dois lados: o direito e o esquerdo da equivalência combinados pelo conectivo ‘
se e somente se’.
O lado esquerdo é o definiendum, a frase que contém a
definição.
O direito é o definiens, a frase da explicação.
Vejamos:
Definiendum: ‘a neve é
branca’ é verdadeira;
Definiens: a neve é
branca.
Alguém pode pensar
que (1), como definição, possui uma falha essencial, o círculo vicioso. Porém,
isto não ocorre.
Passo a explicação:
Tanto o definiendum como o definiens são setenças e a palavra neve ocorre em ambos os lados,
porém no definiendum ela ocorre como
parte, mas não como parte sintática, ao contrário do definiens, que ela é parte sintática, é o sujeito. E as palavras
que não são partes sintáticas do definiendum
não podem criar círculo vicioso.
Observe-se que, o
sujeito do definiendum é o nome do definiens, que é feito colocando o definiens entre aspas.
Assim, para evitar
uma possível confusão, recorreremos a outra forma.
Quando se formulou
(1) colocamos a expressão entre aspas, para formar o nome
de uma sentença ou de qualquer outra expressão.
Então, tentemos outro
método o (2), que será caracterizado como uma descrição letra por letra de uma
expressão.
Essa formulação é
menos clara que a antiga, porém tem a qualidade de não criar a aparência de um
círculo vicioso.
Definições parciais
de verdade análogas a (1) ou a (2) podem ser feitas para outras sentenças. Cada
uma delas tem a forma:
(3) ‘p’ é verdadeira se e somente se p.
Onde ‘p’ será
substituído nos dois lados pelas sentenças para a qual a definição é
construída. Ressalte-se que, a sentença
substituída no lugar de ‘p’ tiver a palavra ‘verdadeiro’ como parte sintática a
equivalência (3) correspondente não pode ser vista como uma definição parcial
de verdade, pois possuiria um círculo vicioso.
Reformulemos o
problema principal, conforme Tarsk propõe na pag.209 de seu livro, A concepção
semântica da verdade.
Estipularemos
que o uso do termo ‘verdadeiro’ com referência a sentença em português somente
se conformará com a concepção clássica de verdade se ele permitir avaliar todas
as equivalências da forma :
‘p’
é verdadeira se e somente se p.
Na
qual ‘p’ é substituído, em ambos os lados, por uma sentença qualquer em português.
Respeitada tal
condição, o uso do termo ‘verdadeiro’ é adequado.
Podemos estabelecer
um uso adequado do termo ‘verdadeiro’ para sentenças em português ?
A questão estará solucionada se conseguirmos construir uma
definição de verdade que seja adequada , trazendo consigo, todas as
equivalências da forma (conhecido como esquema T)
‘p’ é verdadeira se e
somente se p,
como conseqüências lógicas.
Se adotarmos algumas
condições especiais, a construção de uma definição geral de verdade é simples,
por exemplo, se estamos só interessados não em todo o português, mas somente
num segmento dele.
Ocorre que, tal
procedimento não pode ser adotado se desejamos toda a língua portuguesa, e não
apenas um fragmento dela. Em português
constatamos: o problema das dificuldades das regras gramaticais, o conjunto de
sentenças em português é potencialmente infinito e a palavra ‘verdadeiro’
existir em português.
Mas poderíamos
aventar outra possibilidade da definição de verdade para sentenças em português. Porém, um motivo relevante
parece eliminar tal possibilidade, uma
contradição, a antinomia do mentiroso, pois podemos chegar a conclusão
que:
‘s’ é verdadeira se e
somente se ‘s’ é falsa.
Senão vejamos:
Consideremos a
seguinte sentença:
(i)A sentença
impressa na última linha deste artigo é falsa.
Vamos tomar ‘s’ como
sendo a abreviação dessa sentença. Podemos observar que ‘s’ é uma sentença
auto-referente, mas também gramatical e pertencente à linguagem natural.
Olhando para a última linha deste artigo , nós facilmente observamos que ‘s’ é
apenas a sentença impressa nessa artigo, ou seja,
(ii) ‘s’ é idêntico à
sentença impressa na última linha deste artigo.
Como nosso uso do
termo ‘verdade’ é adequado, nós podemos afirmar a forma T em que ‘p’ é
substituído por ‘s’. Assim, temos que:
(iii) ‘s’ é
verdadeira se e somente se s.
Agora, lembrando que
‘s’ é a sentença (i), nós podemos substituir ‘s’ por (i) no definiens e
obtemos:
(iv) ‘s’ é verdadeira
se e somente se a sentença impressa na última linha deste artigo é falsa.
Assim nós concluímos
então que:
(v) ‘s’ é verdadeira
se e somente se ‘s’ é falsa.
Isso nos conduz a uma
contradição: ‘s’ prova ser tanto verdadeira quanto falsa. Partindo de sentenças
plausivelmente verdadeiras e usando regras de inferência que conservam a
verdade, somos conduzidos a uma conclusão logicamente falsa. Estamos diante da antinomia
do mentiroso.
Para Tarski, há duas
maneiras opostas de tratar as antinomias. A primeira é de tratá-la como
sofismas. A segunda considerá-la elemento essencial do pensamento. Tarski
considera a antinomia o sintoma de uma doença. “In Casu” deve-se fazer uma
revisão completa para que a antinomia desapareça e não volte mais.
Mas como evitar a
antinomia?
Uma solução seria
remover a palavra ‘verdadeiro’.
Tal solução não seria
satisfatória, para alguns. Porém quem sabe aceitassem a ‘abordagem niilista da
teoria da verdade’, onde a palavra ‘verdadeiro’ não tem significado
independente, assim podem ser imediatamente eliminadas de quaisquer sentenças
que estiverem.
A objeção então a
esse entendimento é que tira a noção de verdade do conceito humano.
Tentemos outra
solução.
A noção de verdade
sofrerá algumas limitações.
Constatamos que a
linguagem comum constitui a fonte da antinomia do mentiroso, ela é universal e
oniabrangente.
Porém, não é
necessário usar linguagens universais, em especial, na ciência.
Interessa-nos certas
linguagens, principalmente de teorias lógicas e matemáticas.
Mas será que a noção
de verdade pode ser precisamente definida ?
É possível ser determinado um uso adequado dessa noção?
Ao menos para as linguagens restritas das ciências?
Sim, mas sob certas
condições.
São as linguagens
formalizadas.
Mas, quais condições?
1) Seu vocabulário
deve ser explicitado;
2) Suas regras
sintáticas precisamente formuladas;
3) Tais regras
deverão ser puramente formais, a função e o significado de uma expressão deverá
depender exclusivamente de sua forma.
As linguagens
formalizadas são totalmente adequadas para a apresentação de teorias não só
lógicas e matemáticas, mas também o uso delas em disciplinas científicas.
É de se ressaltar
que, as linguagens formalizadas de interesse são aquelas que constituem
fragmentos de linguagens naturais, ou que possam ser traduzidas em linguagens
naturais.
Além disso, devemos
diferenciar a linguagem objeto da metalinguagem.
A linguagem objeto é
a linguagem, objeto de nossa discussão e que pretendemos construir a noção de
verdade.
A metalinguagem é a
linguagem na qual a definição deve ser formulada e suas implicações estudadas,
devendo incluir a linguagem objeto como parte.
Uma definição de
verdade implicará todas as definições parciais dessa noção, todas as
equivalências da forma (3):
‘p’ é verdadeira se e
somente se p.
Em que ‘p’ deve ser
substituído ( em ambos os lados) por uma sentença qualquer pertencente à
linguagem-objeto.
A metalinguagem que
dá os meios para definição de verdade,
deve ser mais rica
que a linguagem-objeto. Não pode ser igual a essa última, muito menos ser nela
tradutível, caso em que, ambas as linguagens seriam semanticamente universais e
a antinomia do mentiroso apareceria.
Respeitadas as
condições supra, será possível a definição de verdade. Porém, tecnicamente ela
é bem complexa para ser detalhada.
Em linhas gerais,
faremos desta forma: Começamos com as sentenças bem simples, delas obtemos a
definição de verdade diretamente. Daí, estendemos a definição para sentenças
compostas, aplicando a definição por recursão.
Mas o que é definição
por recursão?
É usado o método de
recursão não para definir a noção de
verdade, mas para definir uma noção semântica relacionada a noção de
satisfação.
Verdade é, então,
definida em termos de satisfação.
A definição assim
feita, poderemos então explicar toda a teoria da verdade. Todas as
equivalências da forma:
‘p’ é verdadeira se e
somente se p.
Além disso podemos derivar as famosas leis da
Contradição e do Terceiro Excluído. Respectivamente: não pode ocorrer que, duas
sentenças, onde uma é a negação da outra, possa ser ambas verdadeiras; e que,
duas sentenças desse tipo não podem ser ambas falsas.
Referência:
TARSKI, Alfred. Aconcepção semântica da verdade. Textos
clássicos de Tarski. SP.Unesp.2006.
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