Genealogia
(por Ândrea Cristina Pimentel
Palazzolo)
Resumo: Este artigo pretende abordar
a leitura deleuziana sobre Nietzsche, especificamente sobre o conceito de
Genealogia extraído do livro Nietzsche e a Filosofia, nessa
perspectiva o filósofo é um genealogista e não um juiz
de tribunal como quer Kant, nem um mecânico como
quer os utilitaristas.
I- Introdução
A filosofia Gilles Deleuze (
1925/1995) trilha caminhos que confirmam a variação de suas aspirações em
estudos filosóficos e em demais campos como das ciências humanas, da educação e das
artes, bem pela dignificação do viver.
No início de
sua carreira, dedicou-se à atividade acadêmica e à história da
filosofia, com livros sobre Hume, Bergson, Kant, Espinosa e Nietzsche. No final
dos anos sessenta, publica duas obras : Lógica
do Sentido e Diferença e Repetição
, que lançariam as bases da sua “filosofia
da diferença”, profundamente influenciada por Nietzsche e Bergson. Pouco depois, Deleuze
inicia sua longa colaboração com o psicanalista Félix
Guattari, voltando seu pensamento para uma profunda crítica das
noções da psicanálise ( em livros como O anti-Édipo
e Mil Platôs). Com uma obra diversificada
e sempre inovadora, Deleuze também refletiu sobre as artes (
cinema, literatura, pintura, arquitetura) e sobre a própria
filosofia, definindo que a principal tarefa do filósofo é “criar
conceitos”.
O meio dos seus escritos, além de
prazeroso, é um lugar de surpresas, de aprendizado constante. Nesse meio, passeamos
com novo olhar por paisagens conceituais que julgávamos fixadas em estudos
certamente relevantes, mas não únicos. Assim, por exemplo ganhamos um novo Nietzsche,
com a publicação em 1962 do livro: Nietzche e a filosofia.
Em uma perspectiva deleuziana,
Nietzsche e a filosofia é o que trataremos a seguir, sobre a Genealogia .
II- Genealogia
Genealogia quer dizer
ao mesmo tempo
valor da origem e origem dos
valores. Genealogia se opõe ao caráter
absoluto dos valores tanto ao seu caráter
relativo ou utilitário .
Genealogia significa o elemento
diferencial dos valores do qual decorre o valor destes. (…). O nobre e o vil, o alto e o baixo, este é o
elemento propriamente genealógico ou crítico
.
Para Deleuze, “ Nietzsche
forma o conceito novo de genealogia”. Mas afinal, o que tem haver
o conceito de genealogia com a filosofia de Nietzsche, segundo Deleuze? É que o
filósofo adquire uma outra imagem, o filósofo é o
genealogista, é o crítico e o criador e como tal propõe a manejar o elemento
diferencial, ou seja, a crítica do filósofo, assim considerada, é a crítica do
valor dos valores como criação, como ação, nunca como uma reação.
Deleuze considera que, o
projeto mais geral de Nietzsche é inserir na filosofia os conceitos de sentido e valor
e que esta filosofia deveria ser uma crítica. Entendendo por filosofia crítica:
( … )
referir todas as coisas e toda origem de alguma coisa a valores; mas também referir esses valores a algo
que seja sua origem e que decida sobre o seu valor.
Assim, com a introdução na
filosofia dos temas do sentido e do valor, o filósofo não
pode subtrair “os
valores à crítica contentando-se em inventariar valores existentes ou em criticar as coisas em nome
de valores estabelecidos: os operários da filosofia, Kant,
Schopenhauer", menos ainda, em criticar ou respeitar os valores fazendo-os
derivar de simples fatos, de pretensos fatos objetivos: os utilitaristas , os “ eruditos”. Em
ambos os casos a filosofia encontra-se indiferente ao que lhe é mais
essencial, pois deixa os valores indiferentes à sua origem ou coloca uma
origem indiferente aos valores.
Para Deleuze, Nietzsche sempre
manteve presente em sua obra a ideia de que a filosofia do sentido e do valor
deveria ser uma crítica e que, antes dele, Kant foi o autor que se propôs fazer a
crítica, que se esforçou para construir uma base sólida
capaz de fundamentá-la, porém, Kant não soube levar a crítica até as últimas
consequências, uma vez que não colocou os problemas em termos de valores. Nietzsche
é responsável pelo feito, pois “a filosofia dos valores tal como ele a instaura e a
concebe, é a verdadeira realização da crítica, a única
maneira de realizar a crítica , de fazer a filosofia a marteladas”. Da noção de
valor, segue necessariamente uma inversão crítica. Por
um um lado os valores aparecem como
princípios, por outro lado, são os próprios valores que supõe avaliações dos
quais deriva seu próprio valor.
Quando se trata de Nietzsche,
para Deleuze, devemos partir do seguinte fato, à medida que os valores surgem,
constituem-se como princípios. O ato de avaliar supõe um
conjunto de valores capazes de apreciar os fenômenos. Contudo, mais a fundo,
os próprios valores já supõem avaliações, “pontos de vista de apreciação dos
quais deriva seu próprio valor.”
Conceber a crítica é ter em
vista que o problema crítico pressupõe o valor dos valores, ou
seja, que avaliar é necessariamente criar: a avaliação se
definindo como o elemento diferencial dos valores, ou seja, elemento crítico e
criador.
As avaliações, não são valores
, mas modos de ser, de existir, daqueles
que avaliam: modos segundo os quais
servem como princípios originais dos próprios valores. Logo,
(…)
temos sempre as crenças, os sentimentos, os
pensamentos que merecemos em função
de nossa maneira de ser ou de nosso estilo de vida. Há coisas
que só se pode dizer, sentir ou conceber, valores
nos quais só se
pode crer com a
condição de avaliar baixamente. Eis o
essencial: o alto e o baixo, o nobre e o vil não
são valores, mas representam o elemento diferencial do qual deriva o valor dos próprios
valores.
Dizer que o alto ou o baixo, o
nobre ou o vil não são valores, mas o elemento diferencial do qual deriva o
valor dos próprios valores, é colocar de frente ao tema da genealogia.
Nietzsche cria a genealogia e, assim, dá uma outra imagem à filosofia.
Genealogia é o valor da origem e origem dos valores ao mesmo tempo. A partir desta,
fica insustentável o caráter absoluto, tanto quanto o caráter
relativo ou utilitário dos valores. A genealogia aparece como elemento
diferencial dos valores das quais estes caracteres decorrem. Trata-se da
origem, do nascimento, mas a partir da diferença ou distância na
origem.
O filósofo é o
genealogista. A avaliação não passa pelo princípio da
universalidade kantiana, menos ainda pelo princípio da semelhança dos
utilitaristas, mas pela nobreza ou baixeza, nobreza ou vilania, nobreza ou
decadência na própria origem.
Assim, segundo Deleuze, o
aspecto positivo que envolve a crítica nietzscheana, o elemento diferencial da crítica do
valor dos valores é o elemento positivo criador.
Para Nietzsche, a crítica não é expressão de uma
reação, mas sim fonte de uma ação, de um ataque, uma agressão, não de uma
vingança ou rancor.
Esta maneira
de ser é a do filósofo porque ele
se propõe precisamente a manejar o
elemento diferencial como crítico e criador, portanto, como
um martelo. Eles pensam baixamente, diz Nietzsche sobre seus adversários.
Nietzsche espera muitas coisas dessa
concepção de genealogia:uma nova organização das ciências , uma
nova organização da
filosofia , uma determinação
dos valores do futuro.
REFERÊNCIAS:
1) ALLIEZ, E. (org.) Gilles
Deleuze: Uma Vida Filosófica. Coord.Trad. Ana Lúcia de Oliveira
.SP: Ed. 34.
2) DELEUZE, G. Nietzsche e
a Filosofia. Trad. Ruth Joffily Dias e Edmundo Fernandes Dias. Rio de
Janeiro: Editora Rio, 1976.
3) FORNAZARI,
S.K.(coordenador). Deleuze Hoje. SP: Ed. FAP-UNIFESP, 2014.
4) HARDT, M. Gilles Deleuze Um Aprendizado em Filosofia. Trad. Sueli Cavendish. SP: Ed. 34, 1996.
5) NIETZSCHE. Os
Pensadores. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. SP: Ed. Abril, 1974.
6) SCHOPKE, R. Dicionário
Filosófico. Conceitos Fundamentais. SP: Ed. Martins Fontes, 2010.
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