PLATÃO - FEDRO / (trecho
278b-278e)
(por Ândrea Cristina
Pimentel Palazzolo)
Resumo: Este artigo pretende analisar e comentar o trecho 278b-278e, do Diálogo Fedro, de Platão, tradução Jorge Paleikat (modificada). Primeiro faz-se uma apertada síntese sobre o diálogo, para então focarmos na analise, ou seja, contexto, argumentação, conceitos, metáforas e também o comentário do trecho em questão. Trecho este que cito abaixo.
“ Sócrates: - Bem, já nos divertimos suficientemente com discursos.
Vai ter com Lísias e diz-lhe que descemos à fonte e
ao santuário das ninfas , e ali ouvimos
discursos em que éramos encarregados desta tarefa: falar a Lísias e a qualquer outro homem
que redija discurso; falar a Homero e a qualquer outro autor de poesias que se destinam ou não a
ser cantadas: e, em terceiro lugar,
falar a Sólon e a todos os que escreveram sobre assuntos políticos, dando-lhes
o nome de leis . Devemos dizer- lhes
o seguinte: se
eles compuseram
esses escritos sabendo
o que é verdadeiro
(eidos hei to alethes ) , se conseguem socorrer (boethein) estes escritos
quando se trata do
assunto em questão, se enfim, são
capazes pelas palavras de mostrar eles mesmos
como é pouco o que escreveram,então não podem ter nenhuma das denominações usuais
, mas devem ser chamados
segundo os objetos
aos quais se dedicam.
Fedro: - E que nome é esse que tu lhes queres dar?
Sócrates: - Chamá-los de sábios (sophos), Fedro , me
parece excessivo e somente
cabe a um deus. Mas chamá-lo de filósofo (philosophos) ou de algo semelhante caberia melhor
e seria mais apropriado.
Fedro: - Mas aquele, em compensação, que não possui nada de mais
valioso que
seus escritos, que passa muito tempo a revê-los, tirando uma coisa aqui e acrescentando outra
acolá, a esse homem podes chamar, com justiça
, de poeta ou fazedor de discursos ou de escrevente
de textos de lei, não é?”
Platão, Fedro, 278b - 278e, tradução Jorge Paleikat
(modificada).
I - Introdução: síntese sobre
o dialogo Fedro
Fedro é um diálogo escrito por Platão (
filósofo grego de Atenas) no séc. IV a.C.. Todo o diálogo é sustentado em 1ª
pessoa por Sócrates o tema central da obra é sobre a justeza dos amores e da
justiça dos discursos. Sócrates e Fedro conversam caminhando às margens do
Ilissos, de todos os diálogos de Platão, esse é o único cujo ambiente é
descrito com precisão, e um dos raros em que uma personagem ( Fedro) é objeto
de verdadeira caracterização psicológica.
O ponto de partida do dialogo é um discurso de Lísias, a quem o
jovem Fedro devota desmedida admiração.
A esse discurso, Sócrates opõe um arrazoado sobre o mesmo tema, a saber: valerá
mais conceder favores a quem nos ama ou a quem não nos ama? Como, em seu discurso, Lísias escolhe a
segunda resposta, Sócrates vai defender a primeira.
Mas Sócrates não poderia satisfazer-se em somar um discurso a outro
discurso. Sua reflexão sobre o amor passará, portanto, por uma analise da alma
humana. Aqui se encontra a célebre imagem da atrelagem alada: a alma é
comparável ao conjunto formado pelo cocheiro e seus dois cavalos, um dócil e
outro bravio. Essa imagem leva Platão a uma alegoria do conhecimento, da vida
virtuosa, da própria filosofia. Platão explica por que nem todas as almas têm o
mesmo destino: algumas, mais que outras, têm a capacidade de elevar-se para a
região das essências eternas. Mas todas sentem aqui na terra o eco abafado da
beleza ideal. Assim como O banquete, cujo prolongamento indispensável
constitui, Fedro articula uma reflexão sobre o amor e a filosofia com a
Ideia de belo.
O diálogo termina com uma crítica a escrita à qual Sócrates opõe a
palavra viva.
II - Análise: contexto, argumentação, conceitos, metáforas e
comentário do trecho 278b-278e do Fedro de Platão.
No trecho do dialogo em analise constatamos uma crítica de Platão,
através de Sócrates, a escrita.
Comecemos então:
Na luz de uma manhã de verão, fora dos muros de Atenas, Sócrates e
seu jovem amigo Fedro, caminham, descalços, seguindo o riacho. Na trama do diálogo Eros e Logos
se encontram estreitamente ligados por um mesmo movimento de busca. Sócrates
quebrando a monotonia das longas narrativas faz jorrar os apartes para retomar
a estrada cheia de obstáculos, mas que conduz a verdade. Sócrates arrasta Fedro
embora pretendesse conduzi-lo. Este diálogo descreve os encantos da palavra e
do amor. Espera-se que o diálogo termine com a exaltação da atividade
literária, mas pelo contrário a
conclusão do Fedro contém aquilo que foi
chamado condenação da escrita.É o que constatamos no trecho abaixo:
“ Sócrates: - Bem, já nos divertimos suficientemente com discursos.
Vai ter com Lísias e diz-lhe que descemos à fonte e ao
santuário das ninfas , e ali ouvimos discursos em
que éramos encarregados desta tarefa: falar a Lísias e a
qualquer outro homem que redija discurso; falar a Homero e a qualquer outro
autor de poesias que se destinam ou não a ser cantadas: e, em terceiro lugar , falar a
Sólon e a todos os que escreveram sobre assuntos políticos , dando-lhes o
nome de leis. Devemos dizer-lhes
o seguinte: se
eles compuseram esses
escritos sabendo o que é
verdadeiro (eidos
hei to alethes), se conseguem socorrer ( boethein)
estes escritos quando se trata do
assunto em questão, se enfim, são
capazes pelas palavras de mostrar eles mesmos
como é pouco o que escreveram, então não podem
ter nenhuma das denominações usuais, mas devem ser chamados segundo os objetos aos
quais se dedicam. ( 278b)"
Assim, percebe-se uma crítica platônica da escrita. Inevitável é
concluir a contradição filosófica-literária em que Platão se auto coloca.
Constatamos, também, neste enigma as tentativas de interpretá-lo. Segundo,
Mario Vegetti, a existência das obras escritas de Platão já demonstram sua
ambiguidade. Contradição interpretada por uma corrente filosófica
(neoplatonismo até Escola de Tübingen), como indicio de uma doutrina não
escrita de Platão, esotérica. Já a mesma contradição foi interpretada pelo comentador
Wolfgang Wieland, como a manifestação da consciência dos limites do texto
escrito. Tal crítica, é pelo fato que existem limites internos à comunicabilidade. Segundo Wieland, não há verdadeira
contradição em chamar “atenção num texto para tudo aquilo que enquanto tal, um
texto não pode produzir”.
A argumentação neo-kantiana de Weiland é altamente fiel à reflexão
platônica a respeito dos limites da linguagem. Sendo que, uma interpretação
apressada, portanto equivocada, muitas vezes postula a existência de um ser
indizível, que somente uma contemplação de tipo místico poderia alcançar. A
leitura de Weiland evita essa armadilha.
Passemos, então, para a questão que Sócrates ( Platão) chama a
atenção sobre a denominação daqueles que são capazes de "superar" os
limites da escrita, novamente, voltemos ao trecho em questão e avancemos mais
um pouco:
“ Sócrates: - Bem, já nos divertimos suficientemente com discursos.
Vai ter com
Lísias e diz-lhe que descemos à fonte e ao santuário das ninfas, e ali ouvimos discursos em
que éramos encarregados desta tarefa: falar a Lísias e
a qualquer outro
homem que redija discurso ; falar
a Homero e a qualquer
outro autor de poesias que se destinam ou não a ser cantadas: e, em
terceiro lugar, falar a Sólon e a todos os que escreveram sobre assuntos políticos, dando-lhes o nome de leis.Devemos dizer-lhes o
seguinte: se eles compuseram
esses escritos sabendo o
que é verdadeiro
( eidos hei to alethes),
se conseguem socorrer ( boethein) estes escritos quando se trata do assunto em questão, se enfim, são capazes pelas palavras de mostrar eles
mesmos como é pouco o
que escreveram , então
não podem ter nenhuma das denominações
usuais, mas devem ser chamados segundo os objetos aos quais se dedicam.
Fedro: - E que nome é esse que tu lhes queres dar?
Sócrates: - Chamá-los de sábios (sophos), Fedro, me parece excessivo
e somente
cabe a um deus. Mas chamá-lo de filósofo (philosophos) ou de algo
semelhante caberia melhor e seria mais apropriado.
Constatamos que Sócrates cita os fazedores de discursos, poesias e
leis, mencionando os nomes mais ilustres, tais como Homero, Lísias e Sólon,
porém ressalva que, só seriam filósofos, ou seja, os amigos da sabedoria, aqueles
que realmente sabem o que é verdadeiro, ( eidos hei alethes), e tem a
consciência do limite da escrita, porém
sabem supera-la através das palavras, esses seriam os filósofos (philosophos),
pois a denominação de sábios, sophos, caberia apenas a um deus. O
comentador Wieland que coloca a questão da limitação da escrita e, no entanto,
da competência do logos em Platão,
uma questão na qual vários comentadores já tinham situado a origem da teoria das Ideias, esses seres
extra-linguísticos que garantem a possibilidade de uma compreensão
linguistica.Platão considera que nem todos sabem o que é verdadeiro: alguns,
mais que outros, têm a capacidade de elevar-se para a região das essências
eternas, estes são os filósofos, sabem o que é verdadeiro, mas todos sentem
aqui na terra o eco abafado da beleza ideal.
Por fim foquemos no trecho final:
“Fedro: - Mas aquele , em compensação, que não possui nada de mais valioso que seus escritos, que passa
muito tempo a revê-los, tirando uma coisa
aqui e acrescentando outra acolá, a esse homem podes chamar, com justiça, de
poeta ou fazedor de discursos ou de escrevente de textos de lei, não é? ( 278e
)”
Assim, para Sócrates (Platão)
os que não possuem nada de mais valioso que seus escritos, e passam o tempo
revendo seus escritos, devem ser chamados apenas de poetas, fazedores de discursos
e escrevente de lei, pois não conhecem o que é verdadeiro.
Isto posto, constatamos que, Platão concede um tom especial,
elevado, em seu diálogo para o filósofo, que pode ser um poeta, um fazedor de
discurso ou de leis, mas desde que esses tenham composto seus escritos ciente
do que é verdadeiro, e só o filósofo sabe o que é verdadeiro. Portanto, é
mister que se conclua que, o filósofo conhece o limite da escrita, mas sabe
superá-la pelas palavras.
o discurso verdadeiro não pode ser a réplica da verdade na
insuficiência de nossa
linguagem, mas remete muito mais a este elã da linguagem em direção àquilo que a ultrapassa
e, simultaneamente, a funda.
Referências
1) GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete aulas sobre linguagem, memória e
história. R.J.:Ed.Imago, 2005.
2) HUISMAN, Denis. Dicionário dos Filósofos. Trad. Ivone C.
Benedetti e outros. S.P., Martins Fontes, 2004.
3) LALANDE, André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia.
Trad. Fátima Sá Correia e outros. S.P., Martins Fontes, 1999.
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