PLATÃO E O MUNDO DAS IDEIAS
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

Essas palavras, que Platão faz Sócrates dizer no Fédon,
representam uma mudança de direção da investigação filosófica em relação aos
pensadores do passado. A explicação do mundo físico, desde os filósofos da
escola de Mileto, convertia-se na procura de uma situação primordial que
justificaria, em seu desdobramento, a situação presente do cosmo. Antes a água
(Tales), o ilimitado (Anaximandro), o “tudo junto” (Anaxágoras) - depois,
devido a diferentes processos de transformação ou de redistribuição espacial, o
universo em seu aspecto atual. A explicação filosófica representava, assim, o
encontro de um princípio ( arquê) originário e era, por isso mesmo, movida por
interesse arcaizante, de busca das raízes, de desvelamento das origens.
Com
Platão essa índole retrospectiva e “horizontal"da investigação é substituída
pela perspectiva “vertical” ascendente que propõe, seguindo a sugestão do método
dos geômetras, as ideias como causas intemporais para os objetos sensíveis. O
que é belo, mais belo ou menos belo, é belo porque existe um belo pleno, o Belo
que, intemporalmente, explica todos os casos e graus particulares de beleza,
como a condição sustenta a inteligibilidade do condicionado.
Através dos diálogos, Platão vai
caracterizando essas causas inteligíveis dos objetos físicos que ele chama de
ideias ou formas. Elas seriam incorpóreas e invisíveis - o que significa dizer justamente que não está na matéria a
razão de sua inteligibilidade. Seriam reais, eternas e sempre idênticas a si
mesmas, escapando à corrosão do tempo, que torna perecíveis os objetos físicos.
Mereciam, por isso mesmo, o qualificativo de “divinas”, qualificativo que os
filósofos anteriores já atribuíam à arquê. Perfeitas e imutáveis, as ideias
constituiriam os modelos ou paradigmas dos quais as coisas materiais seriam
apenas cópias imperfeitas e transitórias. Seriam, pois, tipos ideais, a
transcender o plano mutável dos objetos físicos.
A
afirmativa de que o mundo material se torna compreensível através da hipótese das ideias
deixa, porém em suspenso um problema decisivo: o da possibilidade de se
conhecer essas realidades invisíveis e incorpóreas. Com efeito, o que
inicialmente foi tomado como hipótese explicativa - a existência do mundo das
ideias - não basta a si mesmo. É preciso que se admita um conhecimento das
ideias incorpóreas que antecede ao conhecimento fornecido pelos sentidos, que só
alcançam o corpóreo.
No Mênon Platão expõe
a doutrina de que o intelecto pode apreender as ideias porque também ele é,
como as ideias, incorpóreo. A alma humana, antes do nascimento - antes de
prender-se ao cárcere do corpo - teria contemplado as ideias enquanto seguia o
cortejo dos deuses. Encarnada, perde a possibilidade de contato direto com os
arquétipo incorpóreos, mas diante de suas cópias - os objetos sensíveis - pode
ir gradativamente recuperando o conhecimento das ideias. Conhecer seria então
lembrar, reconhecer. A hipótese de reminiscência vem, assim, sustentar a hipótese
da existência do mundo das formas.
Mas, por sua vez, implica outra doutrina,
que a condiciona: a da preexistência da alma em relação ao corpo, a da
incorruptibilidade dessa alma incorpórea e, portanto, a da sua imortalidade.
Essa imortalidade, de que Sócrates não teve certeza nos primeiros diálogos,
converte-se, na construção do platonismo, numa condição para a ciência, para a
explicação inteligível do mundo físico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, são as mesmas mencionadas no artigo PLATÃO - I