sexta-feira, 1 de agosto de 2014

HOMERO

 ODISSÉIA E A TEOLOGIA HOMÉRICA
 (por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

Resumo: Este artigo pretende comentar a Odisséia de Homero sobre a perspectiva da Teologia Homérica abordando mais precisamente a questão Moral e do “Maravilhoso”, baseado em Bernard Knox.  Afinal, será que os Deuses da Odisséia respeitam os códigos de conduta humana? Será que continuam decidindo sobre o destino dos mortais?

 Introdução:

Ao contrário da Ilíada, a Odisseia é um épico de base totalmente doméstica. À exceção das viagens, estamos com os pés no chão, seja nas copiosas e frequentes refeições no palácio ou na domesticidade rural da cabana de Eumeu. No entanto, o poema baseia-se firmemente no que poderíamos chamar de “ tempo heroico”, uma época em que os homens eram mais fortes, mais corajosos e mais eloquentes do que hoje, e as mulheres mais bonitas, mais poderosas e inteligentes do que têm sido desde então, e os deuses, tão próximos da vida humana e tão envolvidos com os indivíduos, seja na afeição ou na raiva, que intervinham em sua vida e lhes apareciam em pessoa.

A questão da Moral e do “Maravilhoso”(intervenção Divina):

A tendência dos críticos modernos de enfatizar o aspecto singular do heroísmo da Odisseia, às custas e muitas vezes com a exclusão de aspectos reconhecidamente aquilianos da vingança heroica que finalizam o épico, equipara-se a uma tendência a perceber novos desenvolvimentos no Olimpo, na natureza e na ação dos deuses, especialmente Zeus.

O que aconteceu, segundo Alfred Heubeck, foi nada menos que uma “ transformação ética”: “ Com discernimento e sabedoria, Zeus agora controla o destino do mundo de acordo com princípios morais, o que, por si só gera e preserva a ordem. Falta pouco ao pai dos deuses para tornar-se o verdadeiro soberano do mundo” ( I, p.23).

Independentemente do fato de que se possa duvidar se Zeus em algum momento supriu esse pouco que faltava, é difícil encontrar provas dessa transformação ética na Odisseia. Na reunião no Olimpo com a qual o poema se inicia, Zeus discute o caso de Egisto, que, desconsiderando um aviso transmitido por Hermes, seduziu Clitemnestra e, com a ajuda desta, assassinou Agamêmnon.

“ Vede bem”, diz Zeus, como os mortais acusam os deuses!

De nós (dizem) provêm as desgraças, quando são eles, pela sua loucura, que sofrem mais do que deviam! (I.32-4)

Não há, como aponta o próprio Heubeck, “ nada de novo nesse discurso moralizante”. Zeus admite que grande parte do sofrimento da humanidade é responsabilidade dos deuses; sua queixa é que os homens aumentam esse sofrimento com suas próprias iniciativas imprudentes.

O conselho no Olimpo apresenta-nos uma situação muito familiar desde a Ilíada: deuses opondo-se fortemente uns aos outros com respeito ao destino dos mortais.

Os modelos de diplomacia olímpica da Ilíada reaparecem na Odisseia. Ulisses, ao cegar Polifemo, filho de Posêidon, provocou a ira vingativa do deus  que governa as ondas.

Quando o herói encontra Atena na praia de Ítaca pergunta-lhe, bruscamente, por que esta o abandonou em suas andanças:

 nunca mais te vi, ó filha de Zeus, nem na minha nau te senti/ embarcar, para que afastasse, para longe o sofrimento (XIII.318-9).

A resposta da deusa, curta, obviamente constrangida, dividida entre os efusivos elogios ao herói e a retirada da neblina para mostrar a Ulisses que ele de fato está em casa, é um reconhecimento da concessão a uma força superior.

Mas não quis lutar contra Posêidon, irmão de meu pai (XIII.341), diz ela.

E mesmo essa desculpa é evasiva: ela não faz nenhuma tentativa de explicar por que não ajudou Ulisses antes que este incorresse na fúria de Posêidon. Só depois de obter a concordância de Zeus ela toma as medidas que conduzem Ulisses de volta a casa. Propõe a Zeus que Ulisses seja libertado de seu confinamento de sete anos na ilha de Calipso, e o faz durante uma reunião no Olimpo da qual Posêidon encontra-se ausente; ele está longe, nos confins da terra, recebendo uma homenagem dos etíopes.

Na realidade, Posêidon é enganado; quando retorna e vê Ulisses aproximando-se da costa de Esquéria em sua jangada, fica furioso.

Ah, decerto os deuses mudaram de intenção a respeito/ de Ulisses, enquanto eu estava entre os Etíopes (v.286-7).

Atena não o desafiaria abertamente; ela age por trás de suas costas.

Posêidon sabe que, uma vez que chegue a Esquéria, está destinado / que (Ulisses) escape à servidão da dor que sobre ele se abateu  (v.288-9) e que, nesse caso, os feácios o enviarão para casa em uma nau de rapidez sobrenatural, carregada de tesouros maiores do que tudo que ele conseguiu em Troia e perdeu no mar. O poder de Posêidon foi desafiado, sua honra, ofendida, e alguém tem de pagar por isso. Ulisses está agora fora de seu alcance, mas os feácios são outra questão. Zeus pai, eu nunca mais serei honrado entre os deuses /imortais , queixa-se ele, visto que certos mortais não me dão honra alguma:/ os Feácios, que são da minha própria linhagem  (XIII.128-30). Zeus assegura-lhe que não há perda de respeito por ele no Olimpo, e quanto aos mortais...

 Se algum dos homens, cedendo à violência e à força, não te honrar, podes sempre praticar vingança. Faz o que  quiseres, o que ao coração te aprouver. (XIII.143-5)

Posêidon explica seu objetivo:

(...) Mas agora a bela nau dos Feácios, que regressa de transportar Ulisses, quero estilhaçar no mar brumoso, para que se abstenham e desistam de transportar homens; e a sua cidade rodeá-la-ei com uma montanha enorme e circundante. ( XIII.148-52)

Zeus aprova e sugere um requinte: transformar a nau e, consequentemente, sua tripulção de 52 jovens –  que já antes provaram ser os melhores               ( VIII.36) – em rocha enquanto os feácios assistem sua chegada ao porto. Posêidon apressa-se a executar o plano e, ao ver isso, o rei Alcino reconhece a realização de uma profecia, que também anunciou que a cidade seria rodeada por uma grande montanha. Ele conduz seu povo ao sacrifício e à oração para Posêidon, na esperança de obter sua misericórdia e prometendo que os feácios nunca mais dariam passagem marítima a homens que chegassem na sua cidade.

É o fim da grande tradição feácia de hospitalidade e ajuda ao estrangeiro e viajante.

Essa ação de Zeus lança uma luz perturbadora na relação entre os ideais humanos e a conduta divina. Se há um critérios moral permanente no universo da Odisseia, é a assistência, por parte dos ricos e poderosos, aos estrangeiros, andarilhos e  mendigos. Esse código de hospitalidade é uma moralidade universalmente reconhecida. E seu agente divino, assim o creem todos os mortais, é o próprio Zeus, Zeus xeinios, protetor dos estrangeiros e suplicantes. Seu nome e seu atributo são invocados repetidas vezes por Ulisses, e também por Nausica, o ancião feácio Equeneu, Alcino e Eumeu.

De todos os muitos anfitriões avaliados segundo esse padrão moral, os feácios destacam-se como os mais generosos, não apenas na régia acolhida que proporcionam a Ulisses, como também na rápida condução do herói a sua própria pátria, ajuda que oferecem a todos os viajantes que atingem a costa.

E agora são punidos pelos deuses precisamente por esse motivo, visto que sua magnanimidade fez com que Posêidon achasse que sua honra – a delicada sensibilidade à opinião pública que em Aquiles ocasionou dez mil desgraças aos aqueus e levou Ájax ao suicídio, alimentando-lhe a rabugice no Hades – havia recebido um golpe intolerável. Aqueles que o ofenderam tem de ser punidos ainda que a punição revele a mais completa indiferença ao único código de conduta moral que prevalece no perigoso universo da Odisseia.

Confrontando com a ira de Posêidon contra os feácios, Zeus, protetor dos estrangeiros, associa-se entusiasticamente a seu poderoso irmão em sua ameaça. Ele não apenas sugere o requinte de transformar a nau em pedra, como aprova a intenção de Posêidon de isolar os feácios para sempre do mar, assentando uma imensa montanha ao redor da cidade.

Homero não revela o que aconteceu: quando contemplamos os feácios pela última vez, estão prestes a engajar-se em sacrifícios e orações a Posêidon, na esperança de que este vá poupá-los, Mas uma coisa fica clara: encerraram-se a generosa hospitalidade e a condução dos estrangeiros a seu destino.

Um deus forçou essa decisão; sua punição vingativa foi completa aprovada por Zeus. Zeus pode por vezes agir como protetor dos suplicantes, mendigos e andarilhos, mas as preocupações e concepções humanas de justiça tornam-se insignificantes quando a manutenção do prestígio de um deus poderoso está em xeque.

Nesse ínterim, Ulisses, adormecido em uma praia de Ítaca ao lado de seu tesouro, desperta e depara-se com uma paisagem de que não reconhece – Atena ocultou-a com neblina. Ele chega à conclusão de que a tripulação feácia largou-o em alguma praia estrangeira:

(...) não cumpriram a palavra.

Que Zeus, deus dos suplicantes, os castigue; ele que todos

os homens observa e castiga quem transgride. (XIII.212-4)

Ele não sabe, mas o Zeus dos suplicantes já pagou na mesma moeda. Não por terem quebrado sua promessa, mas por terem cumprido com sua palavra.

Posêidon e Zeus não são os únicos deuses do Olimpo a mostrar a indiferença aos códigos de conduta e ao senso de justiça humanos. Mais adiante no poema, Atena associa-se a eles. Há, entre os pretendentes, um homem decente, Anfínomo, que com suas palavras/ a Penélope mais agradava, pois era compreensivo (XVI.397-8). É ele que aconselha os pretendentes a rejeitar a proposta de Antino de emboscar e assassinar Telêmaco em Ítaca, agora que este se esquivou do navio que o esperava em uma emboscada e voltou para casa em segurança. E é Anfínomo que, após a vitória de Ulisses sobre Iro no pugliato, bebe à saúde dele em uma taça dourada e declara: Sê feliz, ó pai estrangeiro! Que no futuro possas encontrar/ a ventura, pois agora tens na verdade sofrimentos em demasia (XVIII.122-3).

O herói tenta salvá-lo do massacre iminente. Previne-o seriamente de que Ulisses logo retornará, está bem próximo de casa, e que haverá derramamento de sangue. Este é um terreno perigoso. Ele chama Anfínomo pelo nome; como aquele mendigo esfarrapado, que tinha acabado de chegar, podia conhecê-lo? Ulisses vai ainda mais longe. Anfínomo, parece-me que és um homem prudente ,diz. Assim já era também teu pai. É um deslize que ele tenta imediatamente encobrir, apressando-se a acrescentar: da sua nobre fama ouvi falar (XVIII.I25-6). Homero deixou claro o grande risco que Ulisses está correndo ao tentar salvar a vida de Anfínomo, e ressalta sua sinceridade ao fazê-lo rezar pedindo a intervenção divina a favor do pretendente:

(...) que um deus

Te leve daqui para tua casa, para que não o encontres

Quando esse homem regressar à sua terra pátria amada ( XVIII.I46-8)

Longe  de despachá-lo para casa, um poder divino já proferiu sua sentença: Também a ele/ Atena atou os pés, para ser chacinado pela lança de Telêmaco ( XVIII.155-6).

Anfínomo é o terceiro pretendente a morrer, imediatamente após os dois principais vilões, Antino e Eurímaco.

 

Conclusão:

Quando não estão decidindo o destino dos mortais, os deuses vivem uma vida própria no Olimpo,

(...) onde dizem ficar a morada eterna

dos deuses: não é abalada pelos ventos, nem molhada

pela chuva, nem sobre ela cai a neve. Mas o ar estende-se

límpido, sem nuvens; por cima paira uma luminosa brancura.

Aí se aprazem os deuses bem-aventurados, dia após dia. (VI.42-6)

 

E muitas vezes, conforme a conveniência, demonstram indiferença aos códigos de conduta e ao senso de justiça humanos.

Em ambos os épicos, os deuses desfrutam seus prazeres e acalentam suas intrigas no Olimpo, ao passo que, na terra, decidem o destino dos mortais e suas cidades com escassa consideração para com as concepções humanas da justiça divina, sempre que aquilo que está em risco é o interesse ou o prestígio de um deus importante.

Os seres humanos podem, aliás, como os pretendentes e a tripulação de Ulisses, ocasionar infortúnios para si mesmos e “ sofrem mais do que deviam” (I.34), mas os infortúnios também podem sobrevir àqueles que, como os feácios e Anfínomo, são admiráveis segundo os padrões humanos e, em ambos os casos, é um deus que sela seu destino. 

 

Referências:

1) Anotações de classe;

2) Homero, Odisseia, Clássicos, tradução e prefácio de Frederico Lourenço, editora Penguin Companhia das Letras- 2011;

3)Abbagnano Nicola, Dicionário de Filosofia, editora Martins Fontes – 2012;

 

4) Huisman Denis, Dicionário dos Filósofos, editora Martins Fontes – 2004.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

FILOSOFIA - UM INÍCIO...


Início da Filosofia no Ocidente
 (Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
 
Resumo: Este artigo tem como objetivo abordar o início da filosofia. Primeiro fala-se do sentido etimológico da palavra filosofia, logo após, trata-se da gênese do pensamento filosófico, a evolução do pensamento mítico ao racional, para então abordar a fase mítica, nesta o homem não consegue pensar a realidade sem o divino. Em seguida, passa-se a tragédia grega, o mito perdeu a sua força e o que está em questão é o destino do homem. Logo depois, trata-se do início da filosofia na Grécia, com a explicação do real sem a interferência do sagrado, para as novas explicações se recorre às forças racionais da mente.



Introdução

A palavra Filosofia é formada de dois termos gregos : filós (amigo) e sofia (sabedoria). O sentido da junção dos dois radicais seria de que o filósofo não é um detentor de todo o saber, mas um pretendente à sabedoria.

De acordo com Cícero, fora Pitágoras o criador do vocábulo. “Quando o príncipe Leonte”, comenta ele, “perguntou a Pitágoras em que arte era versado, respondeu-lhe que em nenhuma. Era um filósofo, isto é, um estudioso e amigo da sabedoria, um fílos-sofós “.

Gênese do pensamento  filosófico:

A humanidade, no seu lento e progressivo desenvolvimento, evoluiu do pensamento mítico para o racional, o que se verificou por volta de 800 a 500 a. C.. O pensamento racional apareceu como filosofia, assim como o pensamento anterior se cristalizou em forma de mito. A história da filosofia se confunde, por isso, com a própria história da razão humana.

Assim, haveria na história do pensamento humano um período mítico e um período racional que se desenvolveu primeiramente em filosofia e posteriormente em ciência.

Fase mítica:

Mito é uma explicação muitas vezes fantástica, motivado pelo meio físico e humano em que vive a coletividade. Produto de uma criação coletiva, o mito é uma sabedoria comunitária. O homem primitivo vive num mundo em contato direto com as forças da natureza, todas personificadas por entidades que exigem dos indivíduos determinadas atitudes. O ambiente é infinitamente mais forte.

  A fase mítica caracteriza-se pela presença do sagrado, pela impossibilidade do homem pensar a realidade sem o Divino, os deuses tem primazia. O mito quer explicar o real, como o real surgiu. Ele tem a função de por tudo em ordem.

A estrutura do pensamento mítico é cíclica: começo, desenvolvimento e volta tudo para o mesmo lugar.

A estrutura do tempo é circular. E o mundo real dentro desse ciclo, o que tem valor é o princípio, ou seja, o tempo primordial, que é o tempo da criação. É a natureza que fornece o pensamento do ciclo. O tempo cíclico é um tempo da eternidade. Por ex. Apesar da passagem do tempo Afrodite não perde sua beleza e nem Marte perde sua força, etc.

A ordem está garantida pela forma circular do mito.

Posteriormente, quando é rompida a estrutura circular de tempo e torna-se linear ( na linearidade o tempo não volta, não retorna) o mito perde a força, o homem começa a ter um  papel significativo na realidade.

Tragédia Grega

A tragédia grega revelando coisas, ideias, mostra que o mito já não funciona. A tragédia focaliza mais a ação humana. Pergunta-se:

Pode o homem interferir no seu destino?

A tragédia é o embate do homem e seu destino. Porém, nas tragédias o homem tem visão limitada, ele tenta escapar de seu destino, mas não consegue, quando ele foge do destino ele cumpre o destino.

Começa a estrutura  linear nas tragédias, ou seja, pensar sobre o futuro.

Início da filosofia

A filosofia aparece na Grécia com a tentativa de explicar o real sem a interferência do sagrado. É a tentativa de entender o mundo. Através da reflexão, a meditação ativa e a razão crítica elaborara-se um outro tipo de explicação, a racional ou filosófica. O homem tem oportunidade de desenvolver sua inteligência e de criar explicações, não mais baseadas na tradição mítica ou nas forças divinas. Para as novas explicações, recorre simplesmente às forças racionais de sua mente.

Anteriormente, as concepções teogônicas dos poetas tradicionais, especialmente de Homero e de Hesíodo, vinha-se procurando e de certa maneira dando resposta a pergunta,     “ o que é a realidade? ”, mediante a utilização de forças divinas e de relatos mitológicos. Tais concepções por mais belas que sejam, não fazem parte da filosofia porque o que caracteriza a resposta filosófica é a sua inteira racionalidade.  Procurou-se na Grécia, então, por meio do pensamento, descobrir em que consiste essa realidade.

O espanto - Thaumadzein

A filosofia começa a indagação do ser, em termos de espanto, de perplexidade, como é possível a existência desse mundo. O que faz com o que é, seja?

O mito já não é suficiente para explicar a realidade.

Tornou-se um axioma, tanto para  Platão quanto para Aristóteles, que esse espanto é o início da filosofia. E é essa relação com uma experiência concreta e única que separou a escola socrática de todas as filosofias precedentes.( Arendt Hannah, A dignidade da Política – Ensaios e Conferências, Filosofia e Política, editora Relume Dumará, R.J. 1993 , trad. Antonio Abranches)

Sobre: o ser, ente, doxa ( opinião), aléthea ( verdade) e logos ( falar discursivo), na Grécia, naquele momento:

O ser é um vigor que permanece nas coisas (entes) e quando se recolhe as coisas deixam de ser.  O ciclo do ser é mostrar-se e esconder-se.

Ente é tudo que tem manifestação. Quando o ser se recolhe o ente morre, mas o ser continua. O ente é mutável o ser é sempre, o ser é a essência de tudo.

Na doxa (opinião) tudo poder ser verdadeiro. Todos tem direito a sua própria opinião e essa depende de onde a pessoa está.

A verdade é a aléthea quer dizer desvelamento . O movimento próprio do ser de aparecer e de ocultar-se, assim, da verdade do ser que aparece e oculta-se. Tudo que é, é ser. Quando o ser se  recolhe as coisas deixam de ser. O ciclo do ser é mostrar-se e recolher-se, mostrar e recolher-se...      Assim o ser, a verdade, desvela, revela, desvela, revela... Num movimento circular de aparecer e ocultar. A partir disso constrói-se uma doxa (opinião), do ponto de onde se está vendo, que talvez seja diferente da doxa de outra pessoa. Tudo depende de onde a pessoa se encontra.

O logos no sentido de falar, recolhe o que vê e expressa o que se mostra. O logos está sempre atrelado a aléthea, a verdade. Só pode-se recolher e expressar o que se mostra e o logos é a captação disso. O logos nesse sentido é um modo de acontecimento desse desvelamento.

Primeiros filósofos: Os Pré-Socráticos – séc. VII a V a.C.

Os Pré-Socráticos foram os primeiros Filósofos gregos que viveram entre os séculos VII a V a.C.. Habitaram a cidade de Atenas antes dos sofistas e nomeadamente antes de Sócrates. Há semelhança de Sócrates conhecem-se apenas notícias e fragmentos das suas obras, que só chegaram até nós porque foram citados ou copiados em obras de Filósofos posteriores.

Os primeiros filósofos gregos dedicaram-se ao problema de determinar qual era o princípio material de que era constituída a natureza ordem. Foram chamados de naturalistas, pois procuravam responder a questões do tipo: O que é a natureza ou qual o fundamento último das coisas?

Foram considerados como pessoas desprendias das preocupações materiais do dia a dia e que se dedicavam apaixonadamente à contemplação da natureza.

Tales de Mileto foi o primeiro filósofo grego, viveu por volta do ano 600 a. C... Como todos os outros pensadores helênicos, com algumas exceções, começa com a pergunta: - O que é a realidade?           

Segundo Aristóteles, Tales afirmava que a substância original, o arché de todas as coisas, era a água.

Preocupava-se em  encontrar a unidade por detrás da multiplicidade dos objetos do universo e os princípio de explicação da natureza a partir da própria natureza, assim como Anaxímandro e Anaxímenes.

Anaxímandro é o segundo filósofo, para ele tudo provinha de uma substância etérea, infinita, invisível: o apeíron ( o indefinido).

Para Anaxímenes a substância fundamental era o ar.

Anaxágoras foi o primeiro filósofo registrado pela história a ter afirmada a existência de um princípio inteligente como causa da ordem do mundo. Para ele o espírito é que ordenava tudo e daí tudo era causa.

Empédocles foi o criador da teoria dos quatro elementos que vigoraria até a  era moderna: terra, ar, água e fogo, seriam os componentes últimos das coisas.

Para Heráclito tudo está em movimento nada permanece imóvel, o mundo é como uma correnteza. Um fogo consumidor, mais que uma correnteza fluida é um modelo de mudança constante, sempre se consumindo, sempre revigorado. Heráclito disse uma vez que o mundo era um fogo sempre vivo, o mar e a Terra as cinzas dessa fogueira eterna. Este mundo flamejante é o único que há, e não é governado por deuses ou por homens, mas por meio do Logos. Considerava haver um ciclo do devir que em tudo representava harmonia, com efeito na circunferência, o começo e o fim coincidem. Defendia que de um lado existia  o Logos, que governava todas as coisas e, do outro, o devir que se desenrolava no interior de um círculo apertado por laços poderosos.

Parmênides partia da crença de que a realidade é eterna e intemporal, o Ser . Tudo o que existe, tudo o que possa ser pensado, não é para Parmênides senão o Ser. Tudo é ser. O ser é sempre, é infindável, pleno, eterno.

Os Sofistas

Mestres da retórica da Grécia Antiga, ganhavam para ensinar, porém não se importavam com os fins morais de seus ensinamentos. Ensinavam a argumentar bem para convencer sem nenhum compromisso com a verdade.

Utilizavam da “doxa” (opinião) que bem argumentada convence e muitas vezes manipula.

Um dos sofistas mais importantes da época era Protágoras. A frase “ Eu não busco a verdade, mas invento razões” é dele. E por essa frase dá para perceber o “ espírito” sofista.

Sócrates – séc.V a.C.

Sócrates, nascido em Atenas, é reverenciado como o inaugurador da primeira grande era da filosofia, e portanto, em certo sentido, da própria filosofia. Todos os pensadores anteriores são de certa forma considerados em conjunto como “pré-socráticos”. Utilizando-se de perguntas, da ironia e da maiêutica Sócrates fazia com que os jovens pensassem. Ele acreditava que a alma sabia o que era a verdade.

Platão- séc. séc. Ve IV a.C.

Filósofo grego nascido em Atenas no séc. V a.C., foi discípulo de Sócrates.  Para Platão o mundo em que vivemos é apenas uma cópia imperfeita e degradada de um mundo superior imaterial, no qual estão as essências eternas, perfeitas e imutáveis de todos os seres. E a verdade é uma só e absoluta, única, imutável e eterna. Ela é um conceito uma ideia.

Aristóteles  - séc. IV a.C.

Discípulo de Platão, considerado o “pai da lógica”. Precursor da ciência experimental, realizou importantes observações sobre a vida animal, o clima e o movimento, elaborando uma física que foi admitida até a Renascença. Uma de suas características marcantes é seu apreço pela organização hierárquica dos objetos e de seus saberes. Nestas hierarquias, sobressai sempre um fundo teleológico, isto é, que organiza as realizações segundo um determinado fim ou finalidade ( telos). Mas é sobre tudo no campo da ação ética e na Política que o pensamento de Aristóteles tem não apenas maior importância, como também maior persistência na atualidade.

Quanto a verdade, para ele, é realmente uma ideia. Só que essa verdade (ideia) não está fora desse mundo, essa verdade existe nesse mundo e está presente em cada coisa que é.  As ideias estão em todas as coisas em combinação com outras coisas. Para Aristóteles as coisas são originadas por causas diferentes. 

Em Aristóteles a verdade é de fato sutil, é conceito, mas ela é alguma coisa que o intelecto vai descobrir, vai compreender essa verdade. O intelecto é capaz de apreender a verdade, apreendendo o ser de tudo que é. A verdade é o que uma coisa é. É definição.

Para o estagirita ( Aristóteles é de Estagira) capta-se a realidade pelo trabalho do intelecto, ao contrário de Platão que entende  ser  pela lembrança, e Sócrates entende que é pela alma através da convicção.

Conclusão

A filosofia, assim, surge com a busca de uma explicação racional para o mundo, busca que se opõe às explicações míticas e místicas do mundo mágico-religioso.

 Pode-se dizer, em certo sentido, que a filosofia surge quando os gregos inventaram a razão (na forma como nós a concebemos), quer dizer, simplesmente, inventar novas ferramentas para conhecer a realidade. De fato, é verdade que só com Platão e Aristóteles a filosofia começa a ser verdadeiramente sistematizada. Mas é preciso considerar, como disse o próprio Nietzsche, que os primeiros filósofos inventaram todos os arquétipos que seriam utilizados posteriormente, além do fato, é claro, de terem inventado a própria ciência ocidental ( com seus conceitos fundamentais). A filosofia é diferentes “modos de pensar”.

Em tudo e por tudo, a finalidade maior da filosofia é libertar o homem da ignorância, da ingenuidade e do obscurantismo por meio da reflexão da realidade e de si mesmo. 

Uma vida sem busca não é digna de ser vivida. (Sócrates)

Referências:

1) Anotações de aula da matéria em questão;

2) Schopke Regina, Dicionário Filosófico, Conceitos Fundamentais, editora Martins Fontes, São Paulo 2010;

3)  Kenny Anthony,Filosofia Antiga, Uma nova História da Filosofia Ocidental, Vol.I, editora Loyola, S.P. , 2011;

4) Arendt Hannah, A dignidade da Política – Ensaios e Conferências, Filosofia e Política, editora Relume Dumará, R.J. 1993 , trad. Antonio Abranches.

domingo, 1 de junho de 2014

DELEUZE

DELEUZE E A COMPLEXIDADE DOS ENCONTROS
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

Resumo: Este artigo tem como objetivo abordar a Complexidade dos Encontros para Gilles Deleuze. Primeiro fala-se sucintamente sobre o pensamento e obra de Deleuze. Em seguida passa-se ao tema Complexidade dos Encontros, abordando a experiência dos encontros, sentir e pensar nos encontros e de outro modo e a intensificação nos encontros.

INTRODUÇÃO 

Na filosofia contemporânea, Gilles Deleuze ocupa lugar insólito, pois está na periferia das grandes correntes de pensamento como o marxismo, a psicanálise ou mesmo o           “estruturalismo”. Difícil é atribuir-lhe um lugar na história recente do pensamento, pois como ele mesmo afirmava está “fora” e “ entre”, um nômade. Foi ele um dos primeiros que na França dos anos 60 sentiram a necessidade de um pensamento resolutamente anti-hegeliano e também o primeiro, ao lado de Michel Foucault, a pressentir seus encontros.

Podemos dividir em três períodos a obra de Gilles Deleuze. O primeiro é composto por uma série de monografias; vai de 1953 ( Empirismo e Subjetividade) a 1968 ( Espinosa ou o Problema da Expressão). Deleuze não fala ainda em seu próprio nome, mas trabalha a partir de filósofos que lhe parecem exceder sob todos os aspectos a história da filosofia: Hume, Bergson, Nietzsche e mesmo Kant. Em 1969, tem início para ele um novo período com a publicação, quase simultânea, de Diferença e Repetição e Lógica do Sentido. Se o primeiro ainda dissimula por trás de um rigor clássico um conteúdo que já não o é, o segundo, ao contrário, composto em 31 séries, extrapola em muitos os cânones universitários vigentes na época, com seu interesse pelas meninas e pelos esquizofrênicos, com a reflexão profunda sobre a linguagem e a literatura. Autores como Klossowski, Gombrowicz, Lewis Carrol e mesmo James Joyce são abordados, não mais como exemplos a sustentarem o discurso do filósofo, mas por si mesmos. No entanto, a grande ruptura situa-se em 1972, com Anti-Édipo, que dá início a outro período, marcado pela colaboração do psicanalista Félix Guattari. A partir de então,  seus livros pretendem ser máquinas cujos únicos critérios são: como funciona, para que serve e a quem? O que equivale a dizer que o problema não é mais a circulação do sentido, mas sim aquilo que Deleuze chama de efetuação prática do múltiplo: não mais falar do múltiplo, mas fazê-lo.

A COMPLEXIDADE DOS ENCONTROS

Deleuze em seus escritos, entrevistas e aulas consolidou conceitualmente uma determinada filosofia da experiência: a experiência da complexidade dos encontros.

Do abstrato ponto de vista dos “ismos”, essa filosofia não se define como um “empirismo” vulgar e nem como um “dogmatismo”, pois ela quer evitar tanto o “erro” empirista de “deixar exterior o separado” quanto o erro dogmático de “sempre preencher o que separa”. O que ela quer assinalar é “o ponto “crítico” em que a diferença, como diferença, exerce a função de reunir”. É no sentido de um diferencial capaz de reunir heterogêneos que ela se define como “empirista transcendental”. Se acharmos que uma tal filosofia complica as coisas, ela nos responderá que a complicação já está nos próprios encontros. Em nossos estados de vivência comum, nesses estados de não filosofia, sentimos que uma admiração, um espanto ou um susto em face de algo é uma experiência complexa que nos lança para dimensões não contidas nesse algo, mas que nele insistem. ( Orlandi Luiz B.L., Deleuze - Os Filósofos Clássicos da Filosofia, editora Vozes, Rossano Pecoraro (org) vol.III.)  

Para Deleuze todo encontro ordinário está exposto a uma reviravolta instantânea que pode projetar tudo para fora dos eixos. É como se a própria vida se sentisse abalada por esse vinco em que uma experiência ordinária é dobrada junto a outra, a extraordinária. A efetiva complexidade da experiência dos encontros depende do que se passa nessa dobra. Cada um sente e exprime a seu modo essa ocorrência simultânea de linhas divergentes, a estranha dobradura na qual os juntados experimentam seu próprio vínculo como sendo aquilo que os lança num tempo fora dos eixos.

Pensar conceitualmente os encontros exige dedicação aos próprios encontros conceituais. Sem essa dedicação não se entra em filosofia alguma.

 Ao lado da arte e da ciência,para Deleuze e Guattari, o pensamento filosófico é uma das “três grandes formas” ou “vias” de pensar. Sem hierarquia, elas são basicamente definidas pela comum tarefa de “enfrentar o caos”. Mas cada uma erige seu próprio e distinto plano de exercício do seu modo de pensar. Enquanto a arte pensa “por sensações”, traçando um “plano de composição”, enquanto a ciência pensa “por funções”, traçando um “plano de coordenadas”, a filosofia, ao enfrentar a caótica dos encontros, traça um “plano de imanência” que se erige à medida que ela “pensa por conceitos”. O aprendizado filosófico da complexidade da experiência nos expõe a uma dupla impregnação: a da própria caótica dos encontros seja lá com o que for e a do vai e vem vertiginoso, que os conceitos exibem nos variados encontros mútuos a que são levados por problemas a que têm de corresponder.  

Esses problemas não são verborragias, como os tais eternos problemas da filosofia, que seriam sanáveis por uma higienização da linguagem. São problemas que ganham sua objetiva verdade numa prática dos encontros. Deleuze entende que os conceitos ganham sentido por corresponderem dinamicamente a problemas que lhes transferem uma força de autoposição, de modo que eles, irredutíveis à arbitrariedade subjetiva ou ao simples engajamento discursivo do filósofo, implicam um modo de invenção sensível ao caráter problemático dos encontros. Para Deleuze, esse caráter efetivamente problemático está numa relação de imanência com a circunstancialidade dos encontros e já se insinua na ideia de que os encontros constitutivos do próprio sujeito implicam “relações exteriores” aos termos relacionados. Deleuze deixa ver que a própria “voz” incide na “dinâmica” dos encontros conceituais:

“ a filosofia é a arte de inventar os próprios conceitos, de criar novos conceitos dos quais temos necessidade para pensar nosso mundo e nossa vida. Deste ponto de vista, os conceitos têm velocidades e lentidões, movimentos, dinâmicas que se estendem ou se contraem através do texto: eles não remetem a personagens, mas são eles próprios personagens, personagens rítmicos. Eles se completam ou se separam, confrontam-se, estreitam-se como lutadores ou como apaixonados”. ( Orlandi Luiz B.L., Deleuze - Os Filósofos Clássicos da Filosofia, editora Vozes, Rossano Pecoraro (org) vol.III.)  


Para Deleuze o encontro não é só importante para acordar a gente, para nos fazer sentir nossa situação de outro modo, pois ele também ocorre na experiência de outros verbos do viver, como imaginar, memorar, falar…e também pensar, neste há interesse particularmente, pois o próprio encontro com o pensamento de um filósofo acaba nos dando o que pensar, acaba nos forçando a pensar a própria diferença que o atrai e que nos contamina.
         
Deleuze contraria uma tradição que, segundo ele, erigiu uma imagem dita “dogmática” do que significa pensar. Como “forma da representação”, essa imagem simplifica o problema: algo impressiona nossos sentidos, nossa percepção o apreende, e nosso pensar o representa a partir do esforço voluntário, do “exercício natural de uma faculdade”; essa faculdade de pensar estaria por si mesma, desde o seu íntimo, dotada de uma “afinidade com o verdadeiro”, de modo que o pensador, enquanto tal, se caracterizaria  por uma “boa vontade”, assim como seu pensamento se caracterizaria por uma “natureza reta”, atribuindo-se erros e desacertos a paixões, a uma falta de método, etc. Trata-se de subverter essa forma, essa imagem representativa ou recognitiva que escamoteia o que efetivamente se passa quando sou levado a sentir, a pensar, etc.  E como Deleuze faz isso? Ele o faz, chamando a atenção para a própria experiência de encontros que, disparando a sensibilidade, disparam o pensar. Ele dizia que

 o pensamento nada é sem algo que force a pensar, que faça violência ao pensamento.

Contudo, isto não quer dizer que, no encontro, não haja consciência do algo encontrado: pode ser fulano que reconheço pelo semblante ou pela voz, pode ser determinada favela, que reconheço por ter vivido em seu labirinto, etc. Do mesmo modo, no encontro, aquele que percebe esse algo tem consciência de o estar apreendendo com alegria ou dor. Porém, se o encontro ficasse apenas nisso, nesse nível da consciência de algo e na consciência dos sentimentos pessoais, então não se poderia, rigorosamente, chamá-lo de “fundamental”, do ponto de vista da problemática em questão. Um encontro desse tipo, isto é, nesse nível, é não só inevitável como necessário, útil, etc. do ponto de vista da sobrevivência, dos passeios, da vida em geral. Ele está presente em qualquer circunstância e funciona na comum apreensão das situações. São encontros extensivos.

Porém, como o plano de organização dos encontros extensivos não esgota a problemática dos encontros, pergunta-se o que ocorre nos encontros que Deleuze considera fundamentais, encontros que põem em jogo uma outra experiência de exercício das faculdades de sentir, de memorar, de imaginar, de pensar, etc.?
         
Para Deleuze num encontro dito “fundamental” o que se passa é um processo complexo. Um encontro fundamental comporta as séries das diferenças extensivas que, num encontro marcadamente extensivo, são aparentemente as únicas; vale dizer: nunca estamos totalmente livres do “senso comum”. De repente, porém, a intensidade do encontro fissura a linha do sentir, escapa das ligações recognitivas comandadas pelo senso comum, com o que a linha do pensar é também fissurada, pondo em nocaute o voluntarismo e a boa vontade do pensador. Forçando a perguntar pelo que se passa nesse estranho instante.

Entende Deleuze que a filosofia é um modo de pensar por conceitos, mas o pensamento não seria suficiente, por si, para chegar à necessidade do que é pensado ou à própria necessidade de pensar. O que é preciso ocorrer para que haja essa dupla necessidade?  Eis como Deleuze encaminha a resposta numa frase que escancara sua filosofia à intromissão do fora, isto é, ao acaso do encontro:

“não contemos com o pensamento para assentar a necessidade relativa do que ele pensa; contemos, ao contrário, com a contingência de um encontro com aquilo que força a pensar, a fim de realçar e erigir a necessidade absoluta de um ato de pensar, de uma paixão de pensar”.

É o cuidado com essa abertura aos encontros que justifica o combate pela “destruição  da imagem de um pensamento que pressupõe a si próprio” e que se julga capaz de fixar um fundamento das coisas. E uma outra afirmação acrescenta mais um ponto nesse combate:

 “há no mundo alguma coisa que força a pensar. Este algo é o objeto de um encontro fundamental e não de uma recognição”.

Deleuze dá o nome de “signo” a esse estranho objeto de um encontro fundamental. Esse objeto, o signo, é estranho por uma razão aparentemente simples, mas que mostra a preocupação nietzscheana de Deleuze de colocar seus conceitos a serviço do caso: então, se algo não suscitar alguma estranheza na própria experiência de encontrá-lo, já não posso conceituá-lo como signo. Quando a estranheza de algo me pega, sinto sem esoterismo a fragilidade desse poder de sujeitar e de fazer de cada coisa um diverso no meio de outros, ou de tomá-la como parte de um funcionamento extensivo qualquer, etc. Então, ela me pega como signo, provocando variações em meu poder de ser afetado, forçando-me a sentir, a memorar, a imaginar… a pensar de outro modo, quer dizer, sem o apoio dos dispositivos de simplificação dos meus encontros, dispositivos de fixação de identidades, de semelhanças, de oposições e de analogias.

O próprio encontro é pensado como relação complexa, na reconstrução conceitual deleuziana, uma relação que comporta linhas heterogêneas.

Conforme o que se passa nessas linhas, o próprio encontro varia: é marcado como extensivo, quando as diferenças empíricas são dadas a afecções e percepções que o pensamento representa por meio de categorias sobrepostas; mas ele pode ser marcado como encontro intensivo, quando “fluxos de intensidades” passam pelas linhas. Experimentados como vibrações de “corpos sem órgãos”, esses fluxos abre afectos e perceptos, isto é, outros modos de sentir e perceber, e disparam no próprio pensar um “pensamento por demais intenso”, lançado num “trabalho rizomático”em meio a “ percepção de coisas, de desejos”, em meio a “percepções moleculares”, “microfenômenos”, “micro-operações”… um “mundo de velocidade e de lentidões sem forma, sem sujeito, sem rosto”, mobilizado pelo  “ziguezague de uma linha”ou pela “correia do chicote de um carroceiro em fúria”.( Orlandi Luiz B. L., Deleuze - Os Filósofos Clássicos da Filosofia, editora Vozes, Rossano Pecoraro (org) vol.III.)  


Referências:

1)Abbagnano Nicola, Dicionário de Filosofia, editora Martins Fontes – 2012;
2) Lechte John, 50 Pensadores Contemporâneos Essenciais do Estruturalismo à Pós-Modernidade, tradução Fábio Fernandes, editora Difel ;
3) Huisman Denis, Dicionário dos Filósofos, editora Martins Fontes – 2004;
4) Orlandi Luiz B.L., Deleuze, Os Filósofos Clássicos da Filosofia, vol. III, editora Vozes, 2ª edição- 2009 Pecoraro Rossano (org.);

5) Huisman Denis, Dicionário de Obras Filosóficas, editora Martins Fontes, São Paulo, 2012, trad. Ivone Castilho Benetti;