O Brasil, Estado Democrático de Direito, quando da promulgação de sua atual Lei Maior (dia 05 de outubro de 1988, conhecida como Constituição “Cidadã”), demonstrou grande preocupação em reprimir o tráfico de drogas, considerando-o como crime inafiançável e insuscetível de graça e anistia, fazendo por meio de um MANDADO DE CRIMINALIZAÇÃO conforme se depreende da análise do artigo 5º, inciso XLIII da Constituição Federal.
Atento ao mandado constitucional, o legislador de 2006 criminalizou o tráfico de drogas no artigo 33 da lei 11343. Anteriormente a essa lei, quando ainda não existia tipificação do crime de drogas em lei específica, aplicava-se o tipo penal contido no artigo 334 do Código Penal (contrabando). Conduto, o legislador em 1976 criou a 6368que tanto tratava de crimes envolvendo drogas, como também do aspecto processual aplicável a esses crimes. Posteriormente, somente no aspecto processual, já que a parte material fora vetada, criou-se a lei 10409/02 (o que, diga-se de passagem, tornou a lei de drogas uma colcha de retalhos, uma vez que, a parte de crimes ficou a cargo da lei 6368/76, já a parte processual, ficou para lei 10409/02; motivo de muita discussão acerca da aplicabilidade das leis 6368/76 e 10409/02, haja vista, a problematização das normas híbridas, o que, aliás, não restou pacificado nos tribunais.).
Nesse sentido, a OBJETIVIDADE JURÍDICA da lei 113434/06 é garantir a INCOLUMIDADE PÚBLICA, no aspecto saúde pública. Preocupação essa que, foi estabelecida na Convenção de Viena das Nações Unidas sobre substância psicotrópicas em 1971, integrando o ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 79388/77.
Destaca-se que, qualquer pessoa poderá ser SUJEITO ATIVO do crime previsto no artigo 33 da lei 113434/06; e será considerado SUJEITO PASSIVO, a coletividade. Trata-se, portanto, de um crime comum (exceção feita à figura “prescrever”, uma vez que, somente médico e dentista podem fazê-lo, logo, nesta figura o crime é próprio), como também, um crime vago (tendo em vista ser o sujeito passivo uma entidade despersonalizada). Aliás, se o sujeito ativo praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância; a pena será aumentada de um sexto a dois terços (artigo 40).
Outrossim, o OBJETO MATERIAL da lei 113434/06 é a DROGA, ou seja, substância ou produto capazes de causar dependência física ou psíquica, assim relacionadas em lei ou lista atualizada periodicamente pelo Poder Executivo. Hoje, a regulamentação está na portaria 344 do Ministério da Saúde – ANVISA. Dessume-se, pois, que a lei 113434/06 é uma NORMA PENAL EM BRANCO, necessitando de complementação para sua tipificação.
Ressalta-se ademais que, o artigo 33 da lei 11343/06, trata-se de um TIPO MISTO ALATERNATIVO, uma vez que, possui várias condutas dentro de seu tipo legal (18 condutas). Fato esse que, guarda estreita relação com a CONSUMAÇÃO e a TENTATIVA do crime. Isso porque, de acordo com a TEORIA OBJETIVA FORMAL, a consumação do delito existirá quando o núcleo do tipo tiver sido praticado pelo agente. Sendo assim, por ter o artigo 33 da lei 11343/06 dezoito núcleos típicos, dificilmente ter-se-á tentativa desse delito, pois, alguma conduta antecedente já terá infringido alguma ação nuclear. Infere-se, portanto, ser pouco provável, mas não impossível, a tentativa desse delito.
Ainda mais, o artigo 33 da Lei 11343/06 é um CRIME DE MERA CONDUTA, também chamado de crime de simples atividade, pois, o tipo penal se limitou a descrever a conduta criminosa, não contendo nenhum resultado naturalístico. Ademais, é um CRIME DE PERIGO ABSTRATO, conhecido também por crime de simples desobediência, conforme já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, isso porque, tal crime, consuma-se com a prática da conduta criminosa, não se exigindo a comprovação da produção da situação de perigo, havendo, assim, uma presunção absoluta de que os núcleos do tipo penal acarretam perigo ao bem jurídico protegido pela norma.
No mais, matéria afeta à classificação do artigo 33 da lei 11343/06 como sendo ele um tipo misto alternativo, está ligada a UNIDADE DELITUOSA e ao CONCURSO DE CRIMES. Assim, se o agente, no mesmo contexto fático de sua conduta, realiza mais de uma ação nuclear típica, ter-se-á crime único, tendo em vista que, esse CONFLITO APARENTE DENTRO DA NORMA é solucionado pelo PRINCÍPIO DA ALTERNATIVIDADE. Todavia, se o agente desencadeia condutas em contextos fáticos diversos, estar-se-á diante do CONCURSO DE CRIMES, devendo seguir as regras do artigo 69 do Código Penal. Por oportuno, ressalta-se que, o tráfico de drogas poderá caracterizar o crime da lei 9613/98 (“lavagem de dinheiro”).
Urge salientar ainda que, por ser pouco provável a tentativa do crime do artigo 33 da lei 11343/06, a prisão em flagrante por policial que simular ser comprador da droga, é certamente legal, porque, condutas anteriores (por exemplo, ter em depósito, transportar, trazer consigo; que, aliás, são condutas permanentes), já fazem o crime ser consumado, logo, passível de prisão em flagrante (na mesma linha de raciocínio, advirta-se que, há também condutas instantâneas, como por exemplo: importar, exportar, preparar, etc.).
Destaque também deve ser dado à proibição de liberdade provisória a quem houver infringido o artigo 33 da lei 11343/06, mesmo que tenha havido permissão aos crimes hediondos conforme lei 11464/06, isso porque, o artigo 33 é equiparado a hediondo sendo regido por comando próprio – PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE (artigo 44 da lei 11343/06). Ademais, conforme entendimento dos Tribunais, o magistrado nem deve fazer combinações de leis (“Lex tertia”) entre a,lei 6368/76 e a lei 11343/06 para beneficiar o agente (“Lex mitior” e “Lex gravior”) uma vez que, não é sua competência legislar. Todavia, a jurisprudência é oscilante, vindo a admitir liberdade provisória, justificando-se no sentido de ser a lei 11464/06 mais benéfica ao réu (princípio do favor rei) e ulterior à lei 11343/06 (critério cronológico).
Conclui-se que o Estado Democrático Brasileiro, reprime severamente o tráfico ilícito de drogas, tendo em vista o mandado de criminalização estabelecido no artigo 5º inciso XLIII da Constituição Federal, atendido pela lei 11343/06 (artigo 33). Aliás, fato esse corroborado ainda mais pela Lei Maior que autoriza a expropriação de glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (artigo 243); e ainda, pela possibilidade de extradição do brasileiro naturalizado envolvido com tráfico de drogas (artigo 5º, inciso LI).