sábado, 8 de setembro de 2012

LIBERDADE.

DISCURSO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA

DE ETIENNE DE LA BOÉTIE

(POR ÂNDREA CRISTINA PIMENTEL PALAZZOLO)



Neste Discurso La Boétie nos convida a uma reflexão sobre a relação servo tirano.
Afinal, que mau encontro foi esse?

Como tantos homens, tantas cidades e nações, suportam um tirano só, que só tem poder porque lhes dão, que não tem o poder de prejudicá-los, senão enquanto têm vontade de suportá-lo, que não poderia fazer-lhes mal algum senão quando preferem tolerá-lo a contradizê-lo?

Ademais, como compreender: ver um milhão de homens servir miseravelmente com o pescoço sob o jugo, não obrigados, mas de algum modo enfeitiçados, apenas pelo nome de um, de quem não devem temer o poderio, pois ele é só, nem amar as qualidades, pois é desumano e feroz para com eles?

Também, como explicar: quando se vê um número infinito de pessoas não obedecer, mas servir, não serem governadas, mas tiranizadas, não tendo nada que lhes pertence, nem a própria vida, aturando roubos, deboches, crueldades, não de um exército, mas de um só?

Não é preciso combater esse único tirano, não é preciso anulá-lo, ele se anula por si mesmo, contanto que o país não consinta a sua servidão, não se deve tirar coisa alguma, e sim nada lhe dar, não é preciso que o país se esforce a fazer algo para si, contanto que nada faça contra si.

Portanto são os próprios povos que se deixam, ou melhor, se fazem dominar, pois cessando de servir estariam quites; é o povo que se sujeita, que se degola, que tendo a escolha entre ser servo ou ser livre, abandona sua franquia e aceita o jugo, que consente seu mal, ou melhor, dizendo, persegue-o.

Como o homem pode ter algo mais caro que restabelecer seu direito natural ( a liberdade) e de bicho voltar a ser homem?

Como o fogo de uma fogueira, basta parar de alimentá-lo, de por lenha, que ele simplesmente consome-se a si mesmo e não mais existe.

É a liberdade, porém um bem tão grande e tão aprazível que, uma vez perdido, todos os males seguem de enfiada, e os próprios bens que ficam depois dela perdem inteiramente seu gosto e sabor, corrompidos pela servidão.

Só a liberdade os homens não desejam, pois se a quisessem tê-la-iam, como se recusassem a fazer essa aquisição, pois ela é demasiadamente fácil.

Aquele que vos domina, tanto, só tem dois olhos, duas mãos, um só corpo e não tem outra coisa senão a vantagem que lhes daí para destruir-vos.

Como ousaria atacar-vos se não estivesse conivente com os mesmo?

Decidas não mais servir e sereis livres, não empurreis, nem sacudais, somente não mais o sustentai, e vereis como um grande colosso, de quem se subtraiu a base, desmanchar-se com seu próprio peso e rebentar-se.

Como se enraizou essa obstinada vontade de servir que agora parece que o próprio amor da liberdade não é tão natural?

Se natureza ministra de Deus e governante dos homens, fez-nos todos da mesma forma, nos figurou todos no mesmo padrão, para que cada um pudesse mirar-se e quase reconhecer um no outro.

Se todas as coisas que têm sentido, assim que os têm, sentem o mal da sujeição e procuram a liberdade, se os bichos sempre feitos para o serviço do homem, só conseguem acostumar-se a servir com o protesto de um desejo contrário, que mau encontro foi esse que pode desnaturar o homem, o único nascido de verdade para viver livremente, e fazê-lo perder a lembrança de seu primeiro ser e o desejo de retomá-lo?

Há 03 tipos de tiranos: uns obtêm o reino por eleição do povo, outros pela força das armas, outros por sucessão de sua raça. Os eleitos tratam o povo como se tivessem pegado touros para domar, os conquistadores os consideram presa sua, os sucessores pensam tratá-los como seus escravos naturais.

É verdade que, no início serve-se obrigado, vencido pela força, mas os que vêm depois servem sem pensar, fazem de bom grado, o que seus antecessores haviam feito por imposição.

Maldita seja a natureza se o costume sorrateiramente vem e se sobrepõe.

São sempre 04 ou 05, os “tiranetes”, que mantém o tirano, que lhe conservam o país inteiro em servidão. Obtiveram o ouvido do tirano e são cúmplices de suas crueldades e companheiros de seus prazeres. Esses seis tem seiscentos que crescem debaixo deles. E desses seiscentos, se fazem seis mil e assim sucessivamente...

Assim o tirano subjuga os súditos uns através dos outros. Estes suportam o mal para poder fazê-lo, não àquele que lhe malfez, mas àqueles que suportam como eles e que nada podem fazer.

Que condição é mais miserável que viver assim, nada tendo de seu e recebendo apenas migalhas?

Por melhor que seja o natural ele se perde se não é cultivado.

Se vivêssemos com os direitos que a natureza nos deu e com as lições que nos ensina, seríamos naturalmente obedientes aos pais, sujeitos à razão e servos de ninguém.

BIBLIOGRAFIA PESQUISADA:
BOÉTIE, Etienne de La. Trad. SANTOS,Laymert Garcia. Discurso da Servidão Voluntária. 2.ed. Editora Brasiliense.

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