“Alma Coletiva”
(por Ândrea Cristina Pimentel
Palazzolo) .
O momento atual, com
manifestações coletivas, de tantos grupos, nos convida a uma reflexão.
O Homem é um ser
político, que nasceu para viver em sociedade. Que indivíduos unidos numa
sociedade, formam grupos, coletividades. Quando as ações destas coletividades
estão de mãos dadas com o ‘telos’, ou seja, ações virtuosas unidas com meios
prudentes e finalidades nobres, que visam o bem comum, são dignas de louvor.
Tais práticas são belas
manifestações da sociedade. O Justo, o Bom e o Belo, estão sempre juntos, pois
Eros (o amor) os une. E Eros é construção.
Afinal, desejamos uma
sociedade justa, ou seja, harmônica, simétrica e equânime.
A todos os movimentos
sociais, neste sentido, nada mais digno de louvor !
Mas, a‘contrario sensu’,
o que acontece quando algumas dessas massas agem sem ‘telos’?
Constatamos que é pura barbárie
e destruição. O homem desce vários degraus na escala da civilização.
Freud , em sua obra Psicologia
das Massas e Análise do Eu, citando Le Bon, constata que:
“O fato mais singular,
numa massa psicológica é que o simples fato de se terem transformado em massa
os torna possuidores de uma espécie de alma coletiva.
Certas idéias, certos
sentimentos aparecem ou se transformam em atos apenas nos indivíduos em massa.
A massa psicológica é um ser provisório, que por um instante se soldaram,
formam um ser novo que manifesta características bem diferentes daquelas
possuídas por cada um individualmente.
Constata-se facilmente
o quanto o indivíduo na massa difere do indivíduo isolado.
A vida consciente não
representa senão uma pequenina parte, comparada à sua vida inconsciente.
Nossos atos conscientes
derivam de um substrato inconsciente formado sobretudo de influências
hereditárias. Este substrato encerra os inúmeros resíduos ancestrais que
constituem a alma da raça.
Por trás das causas
confessas de nossos atos, há sem dúvida causas secretas que não confessamos,
mas por trás dessas causas secretas há outras, bem mais secretas ainda, pois
nós mesmos as ignoramos. A maioria de nossos atos cotidianos é resultado de
móveis ocultos que nos escapam.
Na massa as aquisições
próprias dos indivíduos se desvanecem, e com isso desaparece sua
particularidade. O indivíduo é um instintivo e em consequência um bárbaro. Tem
a espontaneidade, a violência e a ferocidade dos seres primitivos. O
inconsciente da raça ressalta. Ocorre uma diminuição de sua capacidade
intelectual. Tal indivíduo é um
autômato, sem vontade, guiado apenas por instintos.
O indivíduo na massa
adquire, pelo simples fato do número, um sentimento de poder invencível que lhe
permite ceder a instintos que, estando só, ele manteria sob controle. E cederá
com tanto mais facilidade a eles, porque, sendo a massa anônima, e por
conseguinte irresponsável, desaparecerá por completo o sentimento de
responsabilidade que sempre retém os indivíduos.
Pois o cerne da chamada
consciência moral consiste no ‘medo social’.
Também ocorre o contágio
mental. Numa massa todo sentimento, todo ato é contagioso.
Constata-se também a
sugestionabilidade, que o contágio acima é apenas um efeito, os indivíduos na
massa tem características especiais, às vezes bastantes contrárias as do
indivíduo isolado. O estado de um indivíduo que participa de uma massa, é que
ele não é mais consciente de seus atos.
Portanto,
esvanescimento da personalidade consciente, predominância da personalidade
inconsciente, orientação por via de sugestão e de contágio dos sentimentos e
das idéias num mesmo sentido, tendência a transformar imediatamente em atos as
idéias sugeridas, tais são as principais características do indivíduo na massa.
A massa é impulsiva,
volúvel e excitável. É guiada quase que exclusivamente pelo inconsciente. Nada
nela é premeditado. Embora deseje as coisas apaixonadamente, nunca o faz por
muito tempo, é incapaz de uma vontade persistente. Não tolera qualquer demora
entre o seu desejo e a realização dele. Tem o sentimento da onipotência; a
noção do impossível desaparece para o indivíduo na massa.
A massa é
extraordinariamente influenciável e crédula, é acrítica, o improvável não
existe para ela.
Os sentimentos da massa
são sempre muito simples e muito exaltados. Ela não conhece dúvida nem
incerteza.
Ela vai prontamente a
extremos; a suspeita exteriorizada se transforma de imediato em certeza
indiscutível, um germe de antipatia se torna um ódio selvagem
Inclinada a todos os
extremos, a massa também é excitada apenas por estímulos desmedidos. Quem
quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os argumentos; deve
pintar com as imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma coisa.
Além disso, a massa
está sujeita ao poder verdadeiramente mágico das palavras, que podem provocar
as mais terríveis tormentas na sua alma e também apaziguá-la.
As massas nunca tiveram
a sede da verdade. Requerem ilusões, às quais não podem renunciar. “
Neste jogo de forças, o
irracional, tem primazia sobre o racional. O inconsciente prevalece sobre o
consciente.
O ID ( inconsciente
irracional) atesta sua existência de maneira avassaladora !
Mas, onde está o Homem,
aquele Ser Humano, dotado de razão e no uso dela ?
A sensação é que ele,
simplesmente, não existe !
Bibliografia:
Freud,
Sigmund, Psicologia das Massas e Análise do Eu e outros textos, Obras Completas
volume 15, tradução Paulo César de Souza, Companhia das Letras, 2011.
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