Vontade de
Potência - como
princípio para a síntese das forças
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
Resumo: Este artigo
pretende abordar a leitura deleuziana sobre Nietzsche, in casu o
conceito de Vontade de Potência extraído do livro Nietzsche e a Filosofia. Constataremos,
na perspectiva a ser desenvolvida, que a vontade de potência é princípio
para a síntese das forças.
I- Introdução
Na filosofia contemporânea, Gilles
Deleuze ocupa lugar insólito, pois está na periferia das
grandes correntes de pensamento como o marxismo, a psicanálise ou mesmo o “estruturalismo”. Difícil é atribuir-lhe um
lugar na história recente do
pensamento, pois como ele mesmo afirmava está “fora” e “ entre”, um nômade. Foi ele um
dos primeiros que na França dos anos 60 sentiu a necessidade de um pensamento
resolutamente anti-hegeliano.
Podemos dividir
em três
períodos a obra de Gilles Deleuze. O primeiro é composto por uma
série de
monografias; vai de 1953 ( Empirismo e Subjetividade) a 1968 ( Espinosa ou o
Problema da Expressão). Deleuze não fala ainda em seu próprio nome, mas
trabalha a partir de filósofos que lhe parecem exceder sob todos os aspectos a
história da filosofia:
Hume, Bergson, Nietzsche e mesmo Kant.
Em 1969, tem início para ele um
novo período com a publicação,
quase simultânea,
de Diferença e Repetição e Lógica do Sentido.
Se o primeiro ainda dissimula por trás de um rigor clássico um conteúdo que já não o é, o segundo, ao
contrário, composto em
31 séries, extrapola
em muitos os cânones
universitários vigentes na época, com seu
interesse pelas meninas e pelos esquizofrênicos, com a
reflexão profunda sobre a linguagem e a literatura. Autores como Klossowski,
Gombrowicz, Lewis Carrol e mesmo James Joyce são abordados, não mais como
exemplos a sustentarem o discurso do filósofo, mas por si
mesmos.
No entanto, a
grande ruptura situa-se em 1972, com Anti-Édipo, que dá início a outro período, marcado pela
colaboração do psicanalista Félix Guattari. A partir de então, seus livros pretendem ser máquinas cujos únicos critérios são: como
funciona, para que serve e a quem? O que equivale a dizer que o problema não é mais a circulação
do sentido, mas sim aquilo que Deleuze chama de efetuação prática do múltiplo: não mais falar do
múltiplo, mas fazê-lo.
II - Vontade
de Potência - como princípio para a síntese das forças
Este conceito de força vitorioso, graças ao qual nossos físicos criaram Deus e o universo, precisa de um complemento; é preciso
atribuir-lhe um querer interno que chamarei a vontade de potência[1] .
Para Deleuze o
texto acima é um dos textos mais importantes que Nietzsche escreveu sobre sua concepção
de vontade de potência. Na interpretação
deleuziana a vontade de potência está na
força, mas de um modo especial, ela é concomitantemente complemento da força e
algo interno. Ela não ocupa a posição de um predicado, ao contrário, ela é quem
quer. Tampouco delega ou aliena para outrem, mesmo que esse outrem seja a força[2] .
Lembra Deleuze que, a força está sempre em
relação com outra força e que a essência da força é sua diferença de quantidade
com outras forças, essa diferença se exprime como sua qualidade, sendo que essa
diferença de quantidade remete, necessariamente, a um elemento diferencial das
forças, que é também o elemento genético das qualidades dessas forças. Assim ,
a vontade de potência é elemento genético, diferencial e genealógico da força[3] .
A vontade de potência é o elemento do qual decorrem,
ao mesmo tempo, a diferença
de quantidade das forças postas em relação e a qualidade que , nessa
relação cabe a cada força[4] .
Deleuze
assinala a natureza da vontade de potência,
ela é princípio para a síntese das forças. Síntese que se relaciona com
o tempo. Síntese das forças, de sua diferença e de sua reprodução. "O eterno
retorno é a síntese e a vontade de potência é o princípio”[5].
A questão
aparece com relação a palavra “princípio”, pois segundo Deleuze, Nietzsche não
aprova eles por considerá-los muito gerais no que condicionam, porém a vontade
de potência é considerada um bom princípio, um empirismo superior, porque é um princípio essencialmente plástico,
o qual não é mais amplo do que aquilo que condiciona, que se metamorfoseia com
o condicionado.
A vontade de
potência nunca é , na verdade, separável de tais
ou quais forças determinadas , de
suas quantidades , de suas qualidades ,
de suas direções; nunca é superior às determinações que ela opera numa
relação de forças
, sempre
plástica e em metamorfose[6] .
A vontade de
potência é inseparável das forças, porém isso não quer dizer que sejam idênticas, afinal a força é quem pode e a vontade é quem
quer. O conceito de força é, por natureza, vitorioso, pois envolve relação de
dominação entre forças, ou seja, citando
como exemplo uma relação entre duas forças uma será a dominante e a outra
dominada.
Mesmo Deus e o universo estão numa relação de dominação,
por mais discutível que seja, neste caso, a interpretação desta
relação[7] .
Adverte
Deleuze que, esse conceito necessita de
um querer interno, senão, ele não seria vitorioso. As relações de forças
ficariam indeterminadas sem esse complemento, sem esse querer interno. Esse
querer interno é a vontade de potência. Observa
que, a vontade de potência nada tem de antropomórfico[8]. Ela é o
elemento diferencial, genético e interno de produção da força, é sempre pela vontade
de potência que uma força prevalece sobre as outras, domina-as ou comanda-as e
consequentemente que as demais forças na relação obedeçam-na[9] .
Deleuze realça
a relação entre o eterno retorno e a vontade de potência. A vontade de potência é a um só tempo o
elemento genético da força e o princípio para a síntese das forças. Deleuze
reconhece que é prematuro, ainda, dizer que
a síntese forma o eterno retorno, assim como defender que as forças, a
partir da síntese, conforme o princípio, possam reproduzir-se necessariamente[10]. Este problema
apresenta, em termos históricos, um momento bastante significativo do
pensamento de Nietzsche: sua situação em relação a Kant .
Argumenta
Deleuze que, o conceito de síntese é de origem kantiana, sendo Kant quem o descobri,
mas sabe-se que os pós-kantianos o
censuraram por ter comprometido tal descoberta, já que o fez a partir dos
seguintes pontos: primeiramente, a
partir do princípio que regia a síntese; em segundo lugar, a partir da reprodução
dos objetos na própria síntese. Desejava-se não apenas um princípio que
servisse como condição de possibilidade para o aparecimento dos objetos, mas
sim um princípio genético e produtor e que, portanto, estivesse apto a dar
conta da reprodução dos objetos engendrando-os de maneira interna. A partir da
filosofia kantiana, isso parece impossível. E por quê? Porque a filosofia
kantiana permitia a sobrevivência de harmonias verdadeiramente miraculosas
entre termos que se mostravam exteriores. Em suma, exigia-se um princípio de diferença,
um princípio de determinação interna, uma razão não apenas para a síntese, mas,
principalmente, para a reprodução do diverso na própria síntese[11] .
Se Nietzsche se insere na história do kantismo, é pela
maneira original pela qual
participa
destas exigências pós-kantianas. Fez
da síntese uma síntese de forças
,
porque a síntese
não sendo vista como síntese
de forças , seu sentido
, sua
natureza e
seu conteúdo permaneciam desconhecidos . Compreendeu
a
síntese de forças
como o eterno retorno, encontrou, portanto,no coração da síntese,
a reprodução do
diverso. Estabeleceu como o princípio da síntese , a
vontade de
potência , e
determinou esta última
como elemento diferencial e genético das
Acredita
Deleuze, através dessas reflexões, que não há em Nietzsche apenas uma ascendência
kantiana, mas, principalmente, uma rivalidade confessada. De qualquer forma,
Deleuze crê tratar-se de :
Uma transformação radical do kantismo,uma reinvenção
da crítica que Kant traía
ao mesmo tempo que a concebia, uma
retomada do projeto crítico em novas
bases e com novos conceitos, é o que
Nietzsche parece ter procurado (e ter encontrado no “eterno retorno” e
na “vontade de potência” )[13] .
Referências
1) ALLIEZ, E. (org.) Gilles
Deleuze: Uma Vida Filosófica. Coord.Trad. Ana Lúcia de Oliveira
.SP: Ed. 34.
2) DELEUZE, G.
Nietzsche e a Filosofia. Trad. Ruth Joffily Dias e Edmundo Fernandes
Dias. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976.
3) FORNAZARI,
S.K.(coordenador). Deleuze Hoje. SP: Ed. FAP-UNIFESP, 2014.
4) HARDT,
M. Gilles Deleuze Um Aprendizado em
Filosofia. Trad.
Sueli Cavendish. SP: Ed. 34, 1996.
5) NIETZSCHE. Os
Pensadores. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. SP: Ed. Abril, 1974.
6) SCHOPKE, R.
Dicionário Filosófico. Conceitos Fundamentais. SP: Ed. Martins Fontes, 2010.
[1]
Nietzsche, F., Vontade de Poder, II, 170.
[2]
Deleuze, G., Nietzsche e a Filosofia. R.J., Ed. Rio, 1976, p. 25.
[3]
Deleuze, G., Nietzsche e a Filosofia. R.J., Ed. Rio, 1976, p.25.
[4]
Deleuze, G., Nietzsche e a Filosofia. R. J., Ed. Rio, 1976, p.25.
[5]
Deleuze, G., Nietzsche e a Filosofia. R.J., Ed. Rio, 1976, p.25.
[6]
Deleuze, G., Nietzsche e a Filosofia. R.J. Ed. Rio, 1976, p.26.
[7]
Deleuze, G., Nietzsche e a Filosofia. R.J. Ed. Rio, 1976, P.26.
[8]
Deleuze, G., Nietzsche e a Filosofia. R.J. Ed. Rio, 1976, p.26
[9]
Deleuze, G., Nietzsche e a Filosofia. R.J., Ed. Rio, 1976, p. 26.
[10]
Deleuze, G., Nietzsche e a Filosofia. R.J., Ed. Rio, 1976, p.26.
[11]
Deleuze, G., Nietzsche e a Filosofia. R.J., Ed. Rio, 1976, p.26.
[12]
Deleuze, G., Nietzsche e a Filosofia. R.J., Ed Rio, 1976, p.26.
[13]
Deleuze, G., Nietzsche e a Filosofia. R.J., Ed. Rio, 1976, p.26.
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