(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
Resumo: Este
artigo é uma apertada síntese dos Meios e Fins do livro Eclipse da
Razão, de Max Horkheimer. Nele o pensador trata de várias
questões sobre a crise da razão, mais especificamente, da razão objetiva e subjetiva.
I- Introdução
Max Horkheimer
( 1895-1973 ), filósofo alemão, muito cedo pretende ser anti-idealista e adversário
da teoria considerada como puro trabalho de conhecimento. A experiência da
Primeira Guerra Mundial o leva a recusar o mal radical e a crueldade que
impregnam as relações entre os homens.
As filosofias do progresso, com seu rasteiro otimismo e sua crença no
aperfeiçoamento gradual da humanidade, pareciam-lhe insuportáveis, e ele dá preferência
à filosofia de Schopenhauer, que, a seu ver, se apresenta como um materialismo
do mal e do sofrimento inelutável. Esse pessimismo, que nunca o abandonará, não
tem, porém, a intenção de ser uma afirmação metafísica no sentido tradicional
do termo, mas vigilância da razão sobre si mesma e sobre suas pretensões de
dominar o mundo.Entre o pensamento e o mundo não pode haver relação
harmoniosa,tampouco correspondência unívoca, mas um estado de tensão permanente
que torna ilusória qualquer teoria contemplativa e intemporal.
II- Razão objetiva e razão subjetiva
Durante longo
tempo predominou uma visão de razão de que um objetivo poderia ser racional por
si mesmo, fundamentado nas qualidades que se pode discernir dentro dele, sem
referência a qualquer espécie de lucro ou vantagem para o sujeito. Esta concepção
afirmava a existência da razão não só como uma força da mente individual, mas
também do mundo objetivo: nas relações entre os seres humanos e entre as
classes sociais, nas instituições, e na natureza e suas manifestações. Os
grandes sistemas filosóficos, tais como o de Platão e Aristoteles, o
escolasticismo, e o idealismo alemão, todos foram fundados sobre uma teoria
objetiva da razão. Esse conceito de razão jamais excluiu a razão subjetiva, mas
simplesmente considerou-a como a expressão parcial e limitada de uma
racionalidade universal, do qual se derivavam os critérios de medida de todos
os seres e coisas. A ênfase era colocada mais nos fins do que nos meios. O
supremo esforço dessa espécie foi conciliar a ordem objetiva do “racional”, tal
como a filosofia o concebia, a existência humana, incluindo o interesse por si
mesmo e a autopreservação. Platão, por exemplo, idealizou a sua “República”, a
fim de provar que aquele que vive à luz da razão objetiva vive também uma vida
feliz e bem sucedida. A teoria da razão objetiva não enfoca a coordenação do
comportamento e objetivos, mas os conceitos, por mais mitológicos que estes
pareçam hoje, tais como a ideia do bem supremo, o problema do destino humano e
o modo de realização dos fins últimos.
Há uma diferença
fundamental entre a teoria da razão objetiva, segundo a qual a razão é um princípio
inerente a realidade e a doutrina da razão subjetiva, onde esta aparece como
faculdade subjetiva da mente. Segundo
esta última, apenas o sujeito pode ter verdadeiramente razão. A razão subjetiva
se revela como capacidade de calcular probabilidades e desse modo coordenar os
meios corretos com um fim determinado. A ideia de que um objetivo possa ser
racional por si mesmo, fundamentado nas qualidades que se podem discernir
dentro dele, sem referência a qualquer espécie de lucro ou vantagem para o
sujeito, é inteiramente alheia à razão subjetiva.
A relação
entre esses dois conceitos de razão não é simplesmente de oposição.
Historicamente, ambos os aspectos subjetivo e objetivo da razão estiveram
presentes desde o princípio, e a predominância do primeiro sobre o último se
realizou no decorrer de um longo processo.
A crise atual
da razão consiste basicamente no fato de que até certo ponto o pensamento ou se
tornou incapaz de conceber uma objetividade absoluta em si ou começou a negá-la
como uma ilusão.
Assim, nenhuma realidade particular pode
ser vista como racional “per se”. Na medida em que é subjetivada, a razão se
torna também formalizada. O pensamento serve a qualquer empenho, bom ou mau. É o
instrumento de todas as ações da sociedade.
Quando se
concebeu a ideia de razão, o que se pretendia alcançar era mais que a simples
regulação entre meios e fins: pensava-se nela como instrumento para compreender
os fins, para determiná-los. Sócrates sustentava que a razão, concebida como
compreensão universal, devia determinar as crenças, regular as relações entre
os homens, e entre o homem e a natureza. Lutava contra a razão subjetiva e
formalista advogada pelos outros sofistas.
Na era
industrial, a ideia de interesse pessoal conquistou gradativamente o primeiro
plano. Tendo cedido em sua autonomia, a razão tornou-se um instrumento. Seu
valor operacional tornou-se o único critério para avaliá-la. Os conceitos foram
“aero-dinamizados”, racionalizados, tornaram-se instrumentos de economia de mão-de-obra.
É como se o próprio pensamento tivesse se reduzido ao nível do processo
industrial, submetido a um programa estrito, em suma, tivesse se tornado uma
parte e uma parcela da produção.
Quanto mais as
idéias se tornam automáticas, instrumentalizadas, menos alguém vê nelas
pensamentos com um significado próprio. São consideradas como coisas, máquinas.
A linguagem é considerada como um mero instrumento.
Quais as
consequências da formalização da razão? Justiça, igualdade, felicidade, tolerância,
todos esses conceitos que foram nos séculos precedentes julgados inerentes ou
sancionados pela razão, perderam as suas raízes intelectuais. Ainda permanecem
como objetivos e fins, mas não há mais uma força racional autorizada para avaliá-los
e ligá-los a uma realidade objetiva.
Quanto mais
emasculado se torna o conceito de razão, mais facilmente se presta à manipulação
ideológica e à propagação das mais clamorosas mentiras. Essa desvitalização de
conceitos básicos pode ser seguida através da História. Na convenção
Constitucional Americana de 1787, John Dickinson, da Pensilvânia, estabeleceu
um contraste entre experiência e razão, ao dizer: “A experiência deve ser nosso
único guia. A
razão pode nos desorientar”. Ele queria acautelar contra um idealismo demasiado
radical.
Posteriormente,
os conceitos se esvaziaram de tal modo de sua substância, que poderiam ser
usados sinonimamente para advogar a opressão. Charles O’Conor, um célebre
advogado do período anterior à Guerra Civil, indicado uma vez para a presidência
por uma facção do Partido Democrático, em seus discursos, argumentava
descrevendo os benefícios da servidão compulsória. O’Conor usava as palavras
natureza, filosofia e justiça, para
defender a servidão compulsória, dizendo que ela era justa, benigna, legal e
adequada.
A razão
subjetiva se conforma a qualquer coisa. Pode prestar ao uso tanto dos adversários
quanto dos defensores dos tradicionais valores humanos. No fim, todos os
conceitos básicos, esvaziados de seu conteúdo, vêm a ser apenas invólucros
formais.
III- Conclusão
A Filosofia hoje deve enfrentar a
questão de se o pensamento pode permanecer senhor de si mesmo nesse dilema e
preparar assim a solução teórica ou se contentará em exercer o papel de
metodologia vazia, apologética ilusória ou receita garantida, como o recente
misticismo popular de Huxley, que se enquadra tão bem no admirável mundo novo
quanto qualquer ideologia já conhecida. ( Max Horkheimer)
Referências
1) HORKHEIMER, Max; Eclipse da Razão.
S.P., Ed. Centauro, 2010.
2) HUISMAN, Denis; Dicionário dos
Filósofos. S.P. Ed. Martins Fontes, 2004.
3) HUISMAN, Denis; Dicionário de
Obras Filosóficas. S.P. Ed. Martins Fontes, 2002.
4) LALANDE, André; Vocabulário Técnico
e Crítico da Filosofia. S.P., Ed. Martins Fontes, 1999.
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