ALÉTHEIA ou Verdade
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
Resumo: Este artigo pretende abordar algumas
perspectivas da palavra Alétheia mais conhecida como Verdade, extraída da obra
Mestres da Verdade na Grécia Arcaica de Marcel Detienne.
Numa civilização científica, a ideia de
Verdade implica as ideias de objetividade, comunicabilidade, unidade. Para nós,
a verdade se define em dois níveis: conformidade com os princípios lógicos e conformidade
com a realidade; assim, ela é inseparável das ideias de demonstração,
verificação e experimentação. Pelo senso comum, a verdade é decerto uma das que
parecem ter sempre existido, sem sofrer mudança alguma, uma das que também
parecem relativamente simples. Quanto a verdade a Grécia por exemplo chama a
atenção por duas razões inseparáveis: primeiro, porque são estreitas as
relações entre a Grécia e a Razão ocidental, e a concepção ocidental de verdade
objetiva e racional originou-se historicamente do pensamento grego. Sabe-se,
por outro lado, que, na rica reflexão dos filósofos contemporâneos sobre o
Verdadeiro, Parmênides, Platão e Aristóteles são sempre invocados,
confrontados, questionados.
Em segundo lugar, no tipo de razão que a Grécia constrói
a partir do século VI, certa imagem da “Verdade” ocupa posição fundamental. Com
efeito, quando, a reflexão filosófica descobre o objeto próprio à sua pesquisa,
quando se destaca do fundo de pensamento mítico no qual a cosmologia dos
jônicos ainda se enraíza, ela organiza seu campo conceitual em torno de uma
noção central: Alétheia ou Verdade.
Quando aparece no prelúdio do poema de
Parmênides, Alétheia não brota totalmente armada do cérebro filosófico. Sua
história é longa. No estado da documentação, ela começa com Homero. Esse de
fato poderia levar a crer que somente o desenrolar cronológico dos testemunhos
sucessivos de Homero a Parmênides conseguiria lançar alguma luz sobre a
Verdade. O problema, porém, formula-se em termos completamente diferentes.
Desde longa data gosta-se de ressaltar o caráter estranho da encenação na
filosofia parmenidiana: uma viagem de carro conduzido pelas filhas do Sol, uma
via reservada ao homem que sabe, um caminho que conduz às portas do Dia e da Noite,
uma deusa que revela o conhecimento verdadeiro, em suma, uma imagística mítica
e religiosa que contrasta com um pensamento filosófico tão abstrato quanto o
que trata do Ser em si, por exemplo.
De fato, todas essas características, cujo
valor religioso não pode ser contestado, nos orientam de modo decisivo para
certos meios filosófico-religiosos em que o filósofo ainda é um sábio ou mesmo
um mago.
Com Epimênides, com as seitas
filosófico-religiosas, a pré-história da Alétheia racional está nitidamente
orientada para certas formas de pensamento religioso em que o mesmo poder desempenhou
papel fundamental.
A pré-história da Alétheia filosófica nos
conduz para o sistema de pensamento do adivinho, do poeta e do rei justiceiro,
para os três setores em que certo tipo de discurso se define pela Alétheia.
Na história de Alétheia, encontramos o
terreno ideal para, por um lado, formular o problema das origens religiosas de
certos esquemas conceituais da primeira filosofia e, assim, pôr em evidência um
aspecto do tipo de homem que o filósofo inaugura na cidade-Estado grega e, por
outro lado, depreender, nos próprios aspectos de continuidade que tecem uma
trama entre o pensamento religioso e o pensamento filosófico, as mudanças de
significação e as rupturas lógicas que diferenciam as duas formas de
pensamento.
Referência:
DETIENNE, Marcel; Mestres da Verdade na
Grécia Arcaica; Trad. Ivone C. Benedetti; Martins Fontes, S.P., 2013.
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