quinta-feira, 24 de novembro de 2016

ALÉTHEIA

ALÉTHEIA ou Verdade
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)


Resumo: Este artigo pretende abordar algumas perspectivas da palavra Alétheia mais conhecida como Verdade, extraída da obra Mestres da Verdade na Grécia Arcaica de Marcel Detienne.

Numa civilização científica, a ideia de Verdade implica as ideias de objetividade, comunicabilidade, unidade. Para nós, a verdade se define em dois níveis: conformidade com os princípios lógicos e conformidade com a realidade; assim, ela é inseparável das ideias de demonstração, verificação e experimentação. Pelo senso comum, a verdade é decerto uma das que parecem ter sempre existido, sem sofrer mudança alguma, uma das que também parecem relativamente simples. Quanto a verdade a Grécia por exemplo chama a atenção por duas razões inseparáveis: primeiro, porque são estreitas as relações entre a Grécia e a Razão ocidental, e a concepção ocidental de verdade objetiva e racional originou-se historicamente do pensamento grego. Sabe-se, por outro lado, que, na rica reflexão dos filósofos contemporâneos sobre o Verdadeiro, Parmênides, Platão e Aristóteles são sempre invocados, confrontados, questionados. 

Em segundo lugar, no tipo de razão que a Grécia constrói a partir do século VI, certa imagem da “Verdade” ocupa posição fundamental. Com efeito, quando, a reflexão filosófica descobre o objeto próprio à sua pesquisa, quando se destaca do fundo de pensamento mítico no qual a cosmologia dos jônicos ainda se enraíza, ela organiza seu campo conceitual em torno de uma noção central: Alétheia ou Verdade.

Quando aparece no prelúdio do poema de Parmênides, Alétheia não brota totalmente armada do cérebro filosófico. Sua história é longa. No estado da documentação, ela começa com Homero. Esse de fato poderia levar a crer que somente o desenrolar cronológico dos testemunhos sucessivos de Homero a Parmênides conseguiria lançar alguma luz sobre a Verdade. O problema, porém, formula-se em termos completamente diferentes. 

Desde longa data gosta-se de ressaltar o caráter estranho da encenação na filosofia parmenidiana: uma viagem de carro conduzido pelas filhas do Sol, uma via reservada ao homem que sabe, um caminho que conduz às portas do Dia e da Noite, uma deusa que revela o conhecimento verdadeiro, em suma, uma imagística mítica e religiosa que contrasta com um pensamento filosófico tão abstrato quanto o que trata do Ser em si, por exemplo. 

De fato, todas essas características, cujo valor religioso não pode ser contestado, nos orientam de modo decisivo para certos meios filosófico-religiosos em que o filósofo ainda é um sábio ou mesmo um mago.

Com Epimênides, com as seitas filosófico-religiosas, a pré-história da Alétheia racional está nitidamente orientada para certas formas de pensamento religioso em que o mesmo poder desempenhou papel fundamental.

A pré-história da Alétheia filosófica nos conduz para o sistema de pensamento do adivinho, do poeta e do rei justiceiro, para os três setores em que certo tipo de discurso se define pela Alétheia.

Na história de Alétheia, encontramos o terreno ideal para, por um lado, formular o problema das origens religiosas de certos esquemas conceituais da primeira filosofia e, assim, pôr em evidência um aspecto do tipo de homem que o filósofo inaugura na cidade-Estado grega e, por outro lado, depreender, nos próprios aspectos de continuidade que tecem uma trama entre o pensamento religioso e o pensamento filosófico, as mudanças de significação e as rupturas lógicas que diferenciam as duas formas de pensamento.

Referência:


DETIENNE, Marcel; Mestres da Verdade na Grécia Arcaica; Trad. Ivone C. Benedetti; Martins Fontes, S.P., 2013.

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