sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

SIMPLESMENTE NIETZSCHE

SOBRE NIETZSCHE
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)


Resumo: Este artigo oferece um breve resumo sobre a biografia de Nietzsche.

“Há palavras em mim que ainda cortam o coração de um Deus, sou um rendez-vous de experiências, que só se dão a seis mil pés acima de qualquer atmosfera humana…” (Nietzsche)


Friedrich Wilhelm Nietzsche morre em Weimar ao meio-dia de 25 de agosto de 1900. Alheio ao que ocorre à sua volta, ele passa os 10 últimos anos de vida sob a tutela da mãe e, depois, da irmã. Uma vida de errança, sofrimento, solidão.
Nietzsche nascera numa família de pastores protestantes. Em 1858, aos 14 anos, ingressara como bolsista no Colégio Real de Pforta, renomada instituição de ensino. Dedicara grande parte do tempo ao estudo da teologia; queria ser pastor como o pai. Mas era sobretudo pela música e pela poesia que se sentia atraído. Começara a escrever e compor. Ao terminar os estudos secundários, em setembro de 1864, escolheu especializar-se em filologia clássica. E, em 1869, foi nomeado professor na Universidade da Basiléia, na Suíça. Passou então a frequentar o teólogo Franz Overbeck, o historiador Jack Burckhardt e o compositor Richard Wagner.
Seu primeiro livro, O nascimento da tragédia no espírito da música, publicado em janeiro de 1872, embora bem acolhido nos círculos wagnerianos, provocou o constrangimento dos filólogos e foi objeto de severas críticas. Na verdade , ele já testemunhava o interesse de seu autor pelas questões filosóficas. Se a Primeira consideração extemporânea teve alguma repercussão em 1873, com artigos e resenhas publicados nos jornais de Augsburgo e Leipzig, a Segunda e a Terceira, em 1874, passaram quase desapercebidas e, em 1876, a Quarta, Richard Wagner em Bayreuth, foi celebrada apenas pelos que se achavam ligados ao compositor.
Em 1879, Nietzsche atinge o ponto mais baixo de sua vitalidade. Seu estado de saúde é desesperador. Atravessa mais de 70 horas de dores ininterruptas, mais de 118 dias de crises graves. Problemas estomacais, náuseas e vômitos o retêm na cama, dores na vista interferem no seu ritmo diário, insônias frequentes desorganizam o seu cotidiano, violentas enxaquecas lançam em profunda prostração. Apesar disso, escreve. No ano anterior, reunindo as suas notas, folhas e folhas cobertas de reflexões sobre diversos temas sem nenhum elo aparente, publicara Humano, demasiado humano.  Pensara nos enciclopedistas - Voltaire, Diderot - e na sua aversão pelos sistemas filosóficos acabados. Lembrara-se dos moralistas - Chamfort, La Rochefoucauld- e de suas máximas e pensamentos. Agora, adotando ainda o estilo aforismático, elabora dois apêndices ao livro Miscelânea de opiniões e sentenças e O andarilho e sua sombra    
No mês de maio de 1879, ele apresenta a sua carta de demissão à Universidade da Basiléia. Graças ao empenho de Overbeck, a municipalidade, a “sociedade acadêmica”e a universidade se cotizam e lhe concedem uma pensão anual pelos serviços prestados. É o quanto lhe basta para viver modestamente até o fim de seus dias. Doente, abraça então uma vida errante.
Para onde ir? - é a pergunta que se fará inúmeras vezes nos anos seguintes. Em nenhuma parte se deixará reter por mais de seis meses. Percorrerá as estradas da Suíça, Itália, França e Alemanha; sonhará com lugares mais distantes, “horizontes mais longínquos”. Em fevereiro de 1881, conclui um novo livro Aurora. Um ano depois, mais um: A gaia ciência. Aurora e A gaia ciência, como Humano, demasiado humano e seus dois apêndices, só encontrarão respostas em cartas de amigos - entusiasmadas, embaraçadas, consternadas.
Nietzsche não se habitua à solidão; ela lhe pesa e talvez lhe fosse indispensável. Em Roma, numa manhã de abril de 1882, encontra Lou Andreas-Salomé. Aos 37 anos apaixona-se. Mas todos parecem conspirar contra a sua paixão. A família empenha-se em denegrir “a jovem russa”; insinua que seu comportamento não é dos mais convenientes e suas atitudes chegam a ser debochadas. Mal-entendidos, intrigas, trocas de injúrias, calúnias. Arrastado por sentimentos contraditórios, ele não sabe em quem confiar. Em dezembro, rompe com Lou e interrompe a correspondência com a mãe e a irmã. Ideias de suicídio perseguem-no; por três vezes, toma uma quantidade abusiva de narcóticos.
Mas, logo em janeiro de 1883, num vilarejo da riviera italiana chamado Portofino, Nietzsche cria a primeira parte de Assim falava Zarathustra - Um livro para todos e para ninguém em 10 dias. Em julho do mesmo ano, escreverá a segunda parte em Sils Maria, também em 10 dias. E apenas 10 dias serão suficientes, em Nice, para redigir, em janeiro de 1884, a terceira. Um ano depois, nessa cidade, virá a elaborar em 10 dias a quarta e última parte do livro. Para publicá-lo, tem de enfrentar vários obstáculos. A primeira parte leva meses para aparecer. Schmeitzner, seu editor, cumpre sem pressa o contrato com um autor malsucedido, dando prioridade à impressão de cânticos religiosos e brochuras anti-semitas. Aceita ainda editar, juntas a segunda e a terceira partes, mas diante da quarta mostra-se intransigente em sua recusa. Depois de tentativas humilhantes e estéreis, o autor custeia uma tiragem de 40 exemplares. É mais do que suficiente: não chega a 10 o número de pessoas a quem pensa enviá-los.
Veneza, Sils Maria, Naumburgo, Leipzig, Munique, Florença, Gênova, Nice. De um ponto a outro, Nietzsche expede a mala de 100 quilos, com livros e manuscritos. Por vezes, sem saber o que fazer, deixa-a durante dias no guarda-volumes; no bolso, o recibo de todos os seus pertences. De quando em quando, chegam-lhe pacotes de livros enviados por Overbeck; o amigo conhece suas dificuldades financeiras. Numa ou noutra cidade, detém-se para trabalhar nas bibliotecas públicas. Há muito, sente-se atraído pelas ciências naturais e biológicas. Ainda na Basiléira, começara suas leituras em física e química. Em 1873, entusiasmara-se pelas ideias do astrônomo e matemático Boscovich. A partir de então, familiarizara-se com a física moderna - Vogt e Zoellner, com a biologia - Roux e Rolph, com a psicologia francesa - Ribot e Espinas, sem falar nos recentes estudos etnográficos.
Em 1886, Nietzsche acaba por elaborar um novo livro, Para além de bem e mal, que pensa publicar por sua própria conta. Desde que Schemeitzner se negara a imprimir a quarta parte de Assim falava Zarathustra, ele está às voltas com editores; todos se recusavam a publicar os seus livros. Por fim, Fritzsch, o editor de Wagner, assume a publicação das suas obras. Nietzsche lhe envia, então, os prefácios às novas edições de O nascimento da tragédia, do primeiro e do segundo volumes de Humano, demasiado humano, de Aurora e de A gaia ciência, assim como a quinta parte deste último livro. A ele encaminhará todos os seus escritos posteriores, a começar pela Genealogia da moral, que redige em 1887.
É por essa época que Nietzsche descobre Dostoievski, deixando-se fascinar pela fina análise psicológica que ele faz do criminoso. Em 1879, descobrira Stendhal, ficando encantado com suas palavras: “entro na sociedade por um duelo”. Com esses autores, busca cumplicidades. Há tempo, se sente abandonado: nem discípulos, nem leitores. Há tempo, percorre ansioso as livrarias; talvez tenha sido publicado algum artigo ou resenha sobre os seus próprios livros. Nada encontra. Seu estado de saúde se agrava.
Em 1888, um de seus anos mais fecundos no que concerne à atividade intelectual, escreve O caso Wagner, Crepúsculo dos ídolos, O anticristo, Ecce homo e elabora Nietzsche contra Wagner e Ditirambos de Dionísio. Sua Saúde se depaupera ainda mais.
Contudo, Nietzsche começa a fazer-se conhecer. Georg Brandes, professor de literatura comparada na Universidade de Copenhague, relata-lhe o sucesso das conferências sobre sua filosofia. August Strindberg, escritor sueco, participa-lhe a emoção causada pela virulência de suas palavras e coragem de suas ideias. Hippolyte Taine, crítico e historiador da arte francês, sugere-lhe tradutores para a edição francesa do Crepúsculo dos ídolos. Artigos polêmicos aparecem em jornais da Alemanha e da Suíça a propósito de seus livros. De São Petersburgo e de Nova Iorque chegam-lhe as primeiras cartas de admiradores de sua obra.
E assim Nietzsche faz planos e inicia contatos para assegurar a tradução de seus escritos. Quer editar o Ecce homo em 1889 e, daí a dois anos, lançar O anticristo em sete línguas simultaneamente. Nos últimos dias de dezembro de 1888, em Turim, uma forte tensão psíquica o leva a mergulhar no delírio.


Referência
Marton, S., Nietzsche; Os Filósofos Clássicos da Filosofia; Petrópolis-RJ; Ed.Vozes; 2008.

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