segunda-feira, 27 de março de 2017

PLATÃO - I

PLATÃO E O MUNDO DAS IDEIAS
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)



“Admitamos pois, o que me servirá de ponto de partida e de base, que existe um Belo em si e por si, um Bom, um Grande, e assim por diante. Se admitires a existência dessas coisas, se concordares comigo, esperarei que elas me permitirão tornar-te clara a causa, que assim descobrirás, que faz com que a alma seja imortal.” 


É Sócrates quem fala a Cebes, no Fédon, diálogo no qual Platão,  descrevendo os últimos instantes de vida e as últimas conversações de seu mestre, pouco antes de beber cicuta, atribuiu-lhe explicitamente uma nova linha de resolução de antigos problemas filosóficos e científicos: a doutrina das ideias.  

Pouco antes, no mesmo diálogo, Sócrates declarara: “… Eis o caminho que segui. Coloco em cada caso um princípio, aquele que julgo o mais sólido, e tudo o que parece estar em consonância com ele, quer se trate de causas ou de qualquer outra coisa - admito como verdadeiro, admitindo como falso o que com ele não concorda”. Aquela afirmação de que existe um Belo em si, um Bom em si ou um Grande em si surge, dentro do desenvolvimento da filosofia platônica, justamente no momento em que esta, segundo a maioria dos intérpretes, começa a assumir fisionomia própria e se distingue do socratismo. 

Essa separação teria ocorrido no ponto  em que a formulação da noção de ideia, como essência existente em si, independente das coisas e do intelecto humano, representa a adoção, por Platão, de um método de pesquisa de índole matemática.

Colocar um princípio e aceitar como verdadeiro o que está em consonância com ele, rejeitando o que lhe está em desacordo, como afirmara Sócrates, significa pensar "como geômetra”, que propõe hipóteses das quais  extrai as consequências lógicas. E é o que Platão propõe através da boca de Sócrates remontar do condicionado ( os problemas a serem resolvidos ou as coisas a serem explicadas) à condição ( a hipótese explicativa), visando antes de tudo a estabelecer uma relação de consequência lógica entre as duas proposições ( a que exprime o problema e a que exprime sua hipotética resolução). 

Provisoriamente deixa-se de lado a questão de saber se a condição é ela própria auto-sustentável ou se exige o recurso a condições mais amplas ou básicas que a condicionem. De saída, o importante é verificar o que está em consonância com o princípio proposto. Todavia o platonismo não se deterá aí: o exame da primeira hipótese que resulta da aplicação do “método dos geômetras”  - a existência de entidades em si, as ideias, as causas inteligíveis do que os sentidos apreendem -  remeterá a outras hipóteses que a condicionam. 

O pensamento de Plantão irá se construindo, assim, como um jogo de hipóteses interligadas. Ao relativismo dos sofistas, Platão opõe não uma afirmação de verdade simplória e dogmática. A busca de uma condição incondicional para o conhecimento, o encontro com o absoluto fundamento da verdade ( que só então se distingue do erro da fantasia), é para Platão não o ponto de partida mas a meta a ser alcançada. Porém só se chegará aí depois que se atrevesse todo o campo do possível. O absoluto, o não-hipotético, habita além das últimas hipóteses.

Nos primeiros diálogos, os da “fase socrática”, já se buscava algo de idêntico e uno que estaria por trás das múltiplas maneiras de se entender conceitos como “temperança"ou “coragem”. Mas esse mesmo que existiria em diversas coisas não era ainda uma entidade metafísica, algo que existisse em si e por si. 

No Eutífron é que as palavras ideia e eidos aparecem empregadas, pela primeira vez, numa acepção propriamente platônica. Ambas aquelas palavras são derivadas de um verbo cujo significado é “ver" e têm, assim, como acepção originária, a de “forma visível”( primariamente no sentido de “formato"ou “figura”). Ao que parece, já estavam integradas ao vocabulário dos pitagóricos, com o sentido de modelo geométrico ou figura.    

Nos diálogos da primeira fase, que parecem reproduzir as conversações do próprio Sócrates, a procura do mesmo, além de ficar restrita à busca de um denominador comum no nível da simplificação das palavras, limitava-se a debates sobre questões morais. Esses debates não eram conclusivos: deixavam os problemas enriquecidos e revoltos, com isso denunciando a fragilidade ou a parcialidade dos pontos de vista confrontados. Se a dialética socrática chegava a esse ponto, ela podia dar-se por satisfeita, na medida que seu objetivo seria o dramático embate das consciências, condição para o autoconhecimento. 

Já em Platão, a partir da fase do Fédon, a dialética vai progressivamente perdendo o interesse humano imediato e a dramaticidade, para se converter, cada vez com mais apoio em recursos matemáticos, num método impessoal e teórico, que visa aos próprios problemas e não apenas à sondagem da consciência dos interlocutores. Torna-se uma pesquisa das interligações entre as ideias, chegando, na fase final do platonismo, a ser considerada um tipo de “metrética”, ou arte das medidas e das proporções. 


Referências

BRUN, Jean: Platon et l ‘Académie, Presses Universitaires de France, Paris, 1960.
CHÂTELET, F., Platon, Gallimard, 1965.
Coleção os Pensadores- História das Grande Ideias do Mundo Ocidental vol. I, São Paulo, Ed. Abril, 1972.

Obras completas de Platão: Em Francês: Collection Guillaume Budé, Ed. Les Belles-Lettres, Paris, 1920.

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