PLATÃO E O MUNDO DAS IDEIAS
(por Ândrea Cristina Pimentel
Palazzolo)
“Admitamos
pois, o que me servirá de ponto de partida e de base, que existe um Belo em si
e por si, um Bom, um Grande, e assim por diante. Se admitires a existência dessas
coisas, se concordares comigo, esperarei que elas me permitirão tornar-te clara
a causa, que assim descobrirás, que faz com que a alma seja imortal.”
É Sócrates
quem fala a Cebes, no Fédon, diálogo no qual Platão, descrevendo os últimos instantes de vida e as
últimas conversações de seu mestre, pouco antes de beber cicuta, atribuiu-lhe
explicitamente uma nova linha de resolução de antigos problemas filosóficos e
científicos: a doutrina das ideias.
Pouco antes, no mesmo diálogo, Sócrates declarara: “… Eis o caminho que
segui. Coloco em cada caso um princípio, aquele que julgo o mais sólido, e tudo
o que parece estar em consonância com ele, quer se trate de causas ou de
qualquer outra coisa - admito como verdadeiro, admitindo como falso o que com
ele não concorda”. Aquela afirmação de que existe um Belo em si, um Bom em si
ou um Grande em si surge, dentro do desenvolvimento da filosofia platônica,
justamente no momento em que esta, segundo a maioria dos intérpretes, começa a
assumir fisionomia própria e se distingue do socratismo.
Essa separação teria
ocorrido no ponto em que a formulação da
noção de ideia, como essência existente em si, independente das coisas e do
intelecto humano, representa a adoção, por Platão, de um método de pesquisa de índole
matemática.
Colocar
um princípio e aceitar como verdadeiro o que está em consonância com ele,
rejeitando o que lhe está em desacordo, como afirmara Sócrates, significa
pensar "como geômetra”, que propõe hipóteses das quais extrai as consequências lógicas. E é o que
Platão propõe através da boca de Sócrates remontar do condicionado ( os
problemas a serem resolvidos ou as coisas a serem explicadas) à condição ( a
hipótese explicativa), visando antes de tudo a estabelecer uma relação de consequência
lógica entre as duas proposições ( a que exprime o problema e a que exprime sua
hipotética resolução).
Provisoriamente deixa-se de lado a questão de saber se a
condição é ela própria auto-sustentável ou se exige o recurso a condições mais
amplas ou básicas que a condicionem. De saída, o importante é verificar o que
está em consonância com o princípio proposto. Todavia o platonismo não se deterá
aí: o exame da primeira hipótese que resulta da aplicação do “método dos geômetras” - a existência de entidades em si, as ideias,
as causas inteligíveis do que os sentidos apreendem - remeterá a outras hipóteses que a
condicionam.
O pensamento de Plantão irá se construindo, assim, como um jogo de
hipóteses interligadas. Ao relativismo dos sofistas, Platão opõe não uma afirmação
de verdade simplória e dogmática. A busca de uma condição incondicional para o
conhecimento, o encontro com o absoluto fundamento da verdade ( que só então se
distingue do erro da fantasia), é para Platão não o ponto de partida mas a meta
a ser alcançada. Porém só se chegará aí depois que se atrevesse todo o campo do
possível. O absoluto, o não-hipotético, habita além das últimas hipóteses.
Nos
primeiros diálogos, os da “fase socrática”, já se buscava algo de idêntico e
uno que estaria por trás das múltiplas maneiras de se entender conceitos como “temperança"ou
“coragem”. Mas esse mesmo que existiria em diversas coisas não era ainda uma
entidade metafísica, algo que existisse em si e por si.
No Eutífron é que
as palavras ideia e eidos aparecem empregadas, pela primeira vez,
numa acepção propriamente platônica. Ambas aquelas palavras são derivadas de um
verbo cujo significado é “ver" e têm, assim, como acepção originária, a de
“forma visível”( primariamente no sentido de “formato"ou “figura”). Ao que
parece, já estavam integradas ao vocabulário dos pitagóricos, com o sentido de
modelo geométrico ou figura.
Nos
diálogos da primeira fase, que parecem reproduzir as conversações do próprio Sócrates,
a procura do mesmo, além de ficar restrita à busca de um denominador comum no nível
da simplificação das palavras, limitava-se a debates sobre questões morais.
Esses debates não eram conclusivos: deixavam os problemas enriquecidos e
revoltos, com isso denunciando a fragilidade ou a parcialidade dos pontos de
vista confrontados. Se a dialética socrática chegava a esse ponto, ela podia
dar-se por satisfeita, na medida que seu objetivo seria o dramático embate das
consciências, condição para o autoconhecimento.
Já em Platão, a partir da fase
do Fédon, a dialética vai progressivamente perdendo o interesse humano
imediato e a dramaticidade, para se converter, cada vez com mais apoio em
recursos matemáticos, num método impessoal e teórico, que visa aos próprios
problemas e não apenas à sondagem da consciência dos interlocutores. Torna-se
uma pesquisa das interligações entre as ideias, chegando, na fase final do
platonismo, a ser considerada um tipo de “metrética”, ou arte das medidas e das
proporções.
Referências
BRUN, Jean: Platon et l ‘Académie,
Presses Universitaires de France, Paris, 1960.
CHÂTELET, F., Platon, Gallimard, 1965.
Coleção os Pensadores- História das
Grande Ideias do Mundo Ocidental vol. I, São Paulo, Ed. Abril, 1972.
Obras completas de Platão: Em Francês:
Collection Guillaume Budé, Ed. Les Belles-Lettres, Paris, 1920.
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