sexta-feira, 3 de outubro de 2014

BUDISMO

BUDISMO
( por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

 

Resumo: Este artigo pretende discorrer sobre: “Buda”, “O Budismo”, “ As quatro verdades nobre” e “O caminho Óctuplo”, a partir do texto de Huston Smith. 

 

I – Sobre Buda

 

O Budismo começa com um homem que despertou. Em seus últimos anos de vida, quando a Índia se incendiava com sua mensagem e até reis vinham prostrar-se diante dele. A raiz sânscrita ‘budh” denota tanto o despertar quando o saber. Buda significa o “iluminado” ou o “desperto”.  O budismo começa com um homem que sacudiu fora o atordoamento, o torpor, os devaneios oníricos da percepção consciente comum.

 

Buda nasceu por volta de 563 a. C. na região que é hoje o Nepal . Seu nome era Sidarta Gautama, dos Sakyas. Seu pai era um rei. Casou-se aos 16 anos com uma princesa que lhe deu um filho chamado Rahula.

Por volta dos 20 anos, desceu sobre ele um descontentamento que levaria à ruptura completa com sua situação mundana. Decidiu seguir a vocação de buscador da verdade. Certa noite, aos 29 anos, ele cortou todos os laços com o passado.

 

Seguiu-se quase meio século, durante o qual Buda percorreu as estradas poeirentas da Índia até seus cabelos embranquecerem, seu passo perder a firmeza e seu corpo nada mais ser que um frágil envoltório, pregando sua redentora mensagem de anulação do ego. ‘ A ele vinham as pessoas, atravessando o país desde terras distantes, para fazer perguntas, e a todas ele dava as boas-vindas.” Havia, na verdade, uma simplicidade surpreendente naquele homem diante de quem os reis se curvavam.

 

Apesar de sua objetividade em relação a si mesmo, havia constante pressão, durante sua vida, para transformá-lo em um deus. Buda rejeitou categoricamente.

 

 

 

II - O Budismo

 

Ao passarmos de Buda, o homem, para o budismo, a religião, é imperativo observar esta última contra o pano de fundo do hinduísmo a partir do qual ela cresceu.  Ao contrário do hinduísmo, que surgiu por adição espiritual lenta e em grande parte imperceptível, a religião de Buda surgiu da noite para o dia, totalmente formada. O budismo extraiu seu sangue vital do hinduísmo; mas, contra as corrupções reinantes no hinduísmo, o budismo recuou como um chicote e contra-atacou – duramente.

 

Buda pregou uma religião: 1) desprovida de autoridade; 2) desprovida de rituais; 3) que contornava a especulação; 4) desprovida de tradição; 5) de grande esforço pessoal; 6) desprovida do sobrenatural.

           

O budismo original nos apresenta uma versão da religião que é única.

 

O budismo original pode ser caracterizado nos seguintes termos:

 

1) era empírico:  em todas as questões , a experiência pessoal era o principal teste da verdade.

 2) era científico:  dirigia a atenção para a descoberta das relações de causa e efeito que afetavam a experiência. Não há efeito sem a sua causa.

 3) era Pragmático: um pragmatismo transcendental, se preocupando com a solução dos problemas.

 4) era terapêutico: as palavras de Pasteur “ Não te pergunto qual a tua opinião, nem qual a tua religião; pergunto, que estás sofrendo?”, bem poderiam ser de Buda.

 5) era psicológico: Buda começava com o destino humano, seus problemas e a dinâmica do seu enfrentamento.

 6) era igualitário: insistia que as mulheres eram tão capazes de alcançar a iluminação quanto os homens. Buda rompeu com o sistema de castas e abriu sua ordem a todos.

7) era dirigido às pessoas: Buda não era cego ao lado social da natureza humana. Seu apelo, no fim, foi dirigido ao indivíduo e suas próprias dificuldades.

 

 

 

III- As Quatro Nobres Verdades:

 

A maioria das pessoas provavelmente vacilaria se solicitada a listar, na forma de proposições, suas quatro convicções mais importantes sobre a vida. As Quatro Nobres Verdades constituem a resposta de Buda a esse pedido. Juntas, elas surgem como os axiomas de seu sistema, os postulados dos quais deriva logicamente o restante de seus ensinamentos.

 

A Primeira Nobre Verdade é que a vida é “dukkha”, traduzido geralmente como “sofrimento”. Embora longe de ser seu significado total, o sofrimento é parte importante desse significado.

           

Mesmo Albert Schweitzer, que considerava a India pessimista, repetiu a avaliação de Buda quase ao pé da letra quando escreveu: “ Somente em alguns raros momentos senti-me realmente feliz por estar vivo. Eu não conseguia deixar de sentir, com uma compaixão cheia de remorso, toda a dor que via à minha volta, não só a dor humana, mas a dor de toda a criação.”

 

Dukka, portanto, designa a dor que , até certo ponto, matiza toda a existência finita. As implicações construtivas dessa palavra vêm à luz quando descobrimos que era usada, na língua páli, para indicar a roda cujos eixos estivessem fora de centro ou um osso que tivesse saído da articulação. ( Uma metáfora moderna seria o carrinho de supermercado que alguém tenta conduzir segurando-o no lado oposto ao pegador.)

 

O significado exato da Primeira Nobre Verdade é este: a Vida ( no estado em que ela se colocou) está deslocada. Algo saiu errado. Ela se desarticulou. Com sua base não é genuína, a fricção (conflito interpessoal) é excessiva, o movimento ( criatividade) é bloqueado, e ela causa dor.

 

Com sua mente analítica, Buda não se contentou em deixar a Primeira Verdade nessa forma generalizada. Prosseguindo, ele apontou seis momentos nos quais o deslocamento da vida se torna flagrantemente evidente. Ricos ou pobres, medianos ou talentosos, todos os seres humanos experimentam:

 

1) O trauma do nascimento.

2) A patologia da doença.

3) A morbidez da decrepitude.

4) A fobia da morte.

5) Sujeição àquilo de que não gostam.

6) Separação daquilo que amam.

 

Ninguém nega que os sapatos da vida apertam nesses seis lugares. A Primeira Nobre Verdade os une, concluindo que os cinco “skandas”( componentes da vida) são dolorosos. Como esses “skandas” são o corpo, as sensações, os pensamentos, os sentimentos e a consciência, em suma, tudo aquilo que geralmente consideramos ser a vida, isso equivale a dizer que a totalidade da vida humana ( tal como a vivemos) é sofrimento. De algum modo, a vida se apartou da realidade, e essa separação, enquanto não for superada, torna impossível a verdadeira felicidade.

 

Para a brecha ser sanada, precisamos conhecer sua causa.

 

A segunda Nobre Verdade a identifica. A causa do deslocamento da vida é” tanha”. Mais uma vez as imprecisões da tradução. Tanha geralmente é traduzido como “desejo”.

“Tanha” é um tipo específico de desejo, o desejo de realização individual. Longe de ser a porta da vida abundante, o ego é uma hérnia estrangulada. Quanto mais ela incha, mais sufoca a livre circulação da qual depende a saúde, e mais a dor aumenta.

           

A Terceira Nobre Verdade é a sequência lógica da Segunda. Se a causa do deslocamento da vida é a ânsia egoísta, então sua cura está na superação dessa ânsia. Se conseguíssemos nos libertar dos limites estreitos do egoísmo, passando para a imensidão da vida universal, ficaríamos livres do nosso tormento.

 

A Quarta Nobre Verdade prescreve como a cura pode ser realizada. A superação de “tanha”, o caminho para fora do cativeiro, se dá por meio do Caminho Óctuplo.

  

IV- O Caminho Óctuplo

 

O Caminho Óctuplo, portanto, é uma rota de tratamento. É o tratamento por meio de treinamento. Buda distinguia duas maneiras de viver. Uma delas é a maneira aleatória e irrefletida, na qual o sujeito é puxado e empurrado por impulsos e circunstâncias, como um graveto na tempestade. A segunda, a vida com um propósito, ele chamava  de Caminho. Buda propôs uma série de mudanças destinadas a libertar o indivíduo da ignorância, do impulso inconsciente e de “tanha”.

Por meio de longa e paciente disciplina, o Caminho Óctuplo pretende nada menos que apanhar a pessoa, onde ela estiver, e assentá-la como ser humano diferente, curado das deficiências que o aleijavam.

           

“Felicidade, aquele que busca conquistará”, disse Buda, “ se praticar”.

           

O que é essa prática de que fala Buda?

 

Ele a divide em oito passos. Estes, porém, são precedidos por um passo preliminar. Este  passo  preliminar é a associação correta. Devemos nos associar aos que conquistaram a Verdade, conversar com eles, servi-los, observar seus caminhos e absorver, por osmose, seu espírito de amor e compaixão.

 

Exposto esse passo preliminar, segue os oito passos do Caminho:

 

1) Visão Correta – alguma orientação intelectual, é necessária se a pessoa pretende pôr-se a caminho de outra maneira que não seja ao azar. As Quatro Nobres Verdades oferecem essa orientação. O sofrimento é abundante; é ocasionado pelo impulso para a realização individual; esse impulso pode ser moderação; e a maneira de moderá-lo é percorrer o Caminho Óctuplo.

 

2) Intenção Correta – enquanto o primeiro passo convocou nossa mente a considerar qual é basicamente o problema da vida, o segundo passo convoca nosso coração a decidir o que realmente queremos.

3) Linguagem correta – Nossa primeira tarefa é tomar consciência do nosso discurso e daquilo que ele revela sobre o nosso caráter. A segunda direção a ser tomada pela nossa linguagem é o rumo da caridade.

 

4) Conduta Correta – o treinamento deve refletir sobre suas ações. Com respeito à direção na qual deve prosseguir a mudança, o conselho mais uma vez é: rumo ao altruísmo e à caridade. Essas diretrizes gerais são detalhadas nos Cinco Preceitos, a versão budista da segunda metade, ou metade ética, dos Dez Mandamentos: a) Não matar, b) Não roubar, c) Não mentir, d) Não ser incasto e e) não consumir bebidas alcoólicas.

 

5) Ocupação Correta – os ensinamentos explícitos de Buda sobre  o trabalho visavam ajudar seus contemporâneos a decidir entre as ocupações que levavam ao progresso espiritual e as que o impediam, há budistas que sugerem que, se Buda ensinasse hoje, ele se preocuparia menos com aspectos específicos e mais com o perigo de as pessoas esquecerem que ganhar o sustento é um meio, não o principal objetivo da vida.

 

6) Esforço Correto -  Buda dava imensa ênfase  à vontade. Alcançar a meta exige um tremendo esforço; há virtudes a desenvolver, paixões a refrear e estados mentais destrutivos a apagar, para que a compaixão e o desapego tenham a oportunidade de surgir.

 

7) Atenção Correta – Se conseguíssemos realmente compreender a vida, se pudéssemos compreender realmente a nós mesmos, perceberíamos que nem uma nem outra são problemas.

 

8) Concentração Correta – este passo envolve substancialmente as técnicas que já encontramos na “raja yoga” hinduísta, e leva substancialmente à mesma meta.

 

 

Referências:

 

1) Anotações de classe;

2) Smith, Huston. As Religiões do Mundo, Ed. Pensamento Cultrix.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

LEIBNIZ

LEIBNIZ E A MONADOLOGIA
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

Resumo: Este trabalho sobre Teoria do Conhecimento na Filosofia, tem como objetivo tratar A Monadologia de Leibniz. Desenvolvido em suas últimas décadas de vida, a ideia central do sistema metafísico leibniziano é a de que há no plano ontológico fundamental, em sentido estrito, unicamente substâncias simples de natureza espiritual, denominadas mônadas.
Introdução:

 Gottfried Wilhelm von Leibniz (Leipzig 1646- Hanôver 1716) escreveu em 1714, Monadologia, mas foi publicada bem mais tarde em 1721 a tradução latina; em 1840 a versão original francesa. Ao contrário das intenções que animam os textos anteriores, sua preocupação maior não é mais justificar a bondade divina e a necessidade de o homem fazer o bem, temas de Ensaios de teodicéia, de 1710, nem mesmo provar que a criação de Deus constitui “o melhor dos mundos possíveis”, em especial Da Origem Radical das Coisas, de 1697. Seu projeto nessa obra lembra os primeiros textos, nos quais Leibniz tentava explicar a organização do mundo, tanto do ponto de vista mecânico quanto do metafísico. Mas não se pode negar que nos primeiros ensaios seu sistema estava ainda na fase de esboço, ainda que, em seu Discurso de Metafísica, de 1686, ele já mencionasse a noção de “substância”, e não se distinguia nitidamente das teorias de Descartes, assim como não se pode negar que esse texto, em sua tecnicidade, constitui a obra maior da metafísica leibniziana, onde podemos encontrar alguns aspectos das filosofias de Plotino e Spinoza.
Leibniz, para explicitar seu sistema filosófico, expõe sua teoria por um novo ângulo, o da Mônada.

A Monadologia:  
Leibniz assim começa  A Monadologia:

1. A Mônada, de que falaremos aqui, é apenas uma substãncia simples que entra nos compostos. Simples, quer dizer: sem partes.

2. Visto que há compostos, é necessário que haja substâncias simples, pois o composto é apenas a reunião ou aggregatum dos simples.

3. Ora, onde há partes, não há extensão, nem figura, nem divisibilidade possíveis, e, assim, as Mônadas são os verdadeiros Átomos da Natureza, e, em uma palavra, os Elementos das coisas. (Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, Os Pensadores)

4. Tampouco há dissolução a temer e não há como se conceber um modo pelo qual uma

substância simples possa perecer naturalmente (T. § 89).

5. Pela mesma razão, não há modo pelo qual uma substância simples possa começar

naturalmente, já que não pode ser formada por composição.

6. Portanto, pode dizer-se que as Mônadas só podem começar e acabar

instantaneamente, isto é, que só podem começar por criação e acabar por aniquilamento,

ao passo que o composto começa e acaba por partes.
Tal noção aparece como basilar de sua doutrina. Pois, num primeiro momento, ele define a Mônada como uma substância simples, ou seja, uma unidade (do grego mona) primeira da qual todos os objetos seriam compostos. Essa simplicidade é por definição sem partes, remetendo, portanto, ao caráter único e absoluto de toda existência; inversamente, a realidade concreta e fenomênica do mundo só existe na forma de compostos de várias mônadas. Em outras palavras, essas substâncias simples constituem “ os Elementos das coisas (…) os verdadeiros Átomos da Natureza”.

 Assim: Mônadas são substâncias simples, desprovidas de partes, sendo, em função disso, inextensas. Elas são dotadas de estados representacionais internos, as percepções, que se alteram constantemente graças a uma força de modificação, as apetições. As mônadas não mantém nenhum tipo de relação causal entre si, sendo, dessa maneira, todas as suas modificações produzidas unicamente a partir delas mesmas. Porém cada mônada é como que um espelho do universo, expressando através de seus estados internos tudo o que ocorre a todas as outras mônadas. Assim, apesar de não haver vínculos causais entre as diversas mônadas, suas representações encontram-se harmonizadas entre si, formando o que Leibniz chamava de sistema de harmonia preestabelecida. ( Os Filósofos Clássicos da Filosofia    vol. I)

Indivisíveis, elas não participam de nada que esteja fora de si mesmas; são, portanto, incorporais, imutáveis, inalteráveis, imortais, e “só poderiam começar por criação  e acabar por aniquilação”de Deus. Por isso, cada mônada é diferente qualitativamente de cada outra mônada; é preciso então aceitar que essas unidades contém em si princípios de mudança que permitem distingui-las, princípios internos, pois nada as afeta de fora. Essa mudança natural é, aliás, necessária em si, pois só Deus não contém em seu Ser graus de evolução.  Na  Monadologia Leibniz discorre:
8. Todavia, as Mônadas precisam ter algumas qualidades, do contrário nem mesmo seriam entes. E se as substâncias simples não diferissem por suas qualidades, não haveria modo de apercebermos qualquer modificação nas coisas, já que aquilo que está no composto só pode vir de seus ingredientes simples, e se as Mônadas carecessem de qualidades, seriam indistinguíveis umas das outras, já que também não diferem em quantidade; e, conseqüentemente, suposto o pleno, cada lugar receberia sempre, no movimento,só o Equivalente do que antes havia tido, e um estado de coisas seria indiscernível de outro.

9. É mesmo necessário que cada Mônada seja diferente de qualquer outra. Pois nunca há, na natureza, dois seres que sejam perfeitamente idênticos e nos quais não seja possível encontrar uma diferença interna, ou fundada em uma denominação intrínseca.

10. Dou também por aceito que todo ser criado está sujeito à mudança, e,conseqüentemente, também a Mônada criada e inclusive que tal mudança é contínua em cada uma delas. . (Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, Os Pensadores)
Segundo Leibniz, essas substâncias simples imateriais são as entidades últimas constituidoras da realidade, devendo ser, portanto, os corpos, enquanto entidades ontologicamente derivadas e secundárias, de alguma maneira redutíveis a elas e delas dependentes. Os corpos são caracterizados por Leibniz como produtos da agregação de mônadas, o que significa dizer que eles são, de alguma forma, constituídos por elas. Essa relação de constituição não deve ser compreendida, contudo, como sendo uma relação de composição, análoga àquela que vigora entre um todo e suas partes. As substâncias indivisíveis não são partes das quais o corpo seja composto, mas sim mais propriamente um requisito interno e essencial para a existência deles, pois não se pode conceber a existência do múltiplo - todo corpo é múltiplo por ser divisível ao infinito - sem a existência da unidade.

Há duas determinações diversas dessa relação de redução ou de dependência, nos textos Leibnizianos, ou seja, os corpos podem ser caracterizados quer como fenômenos bem fundados, quer como agregados de mônadas.
No sistema leibniziano, atribuir aos corpos uma natureza fenomênica significa considerar que eles não são por si um ser uno, dependendo, ao contrário, sua unidade da maneira como eles são percebidos. Para Leibniz, algo é um fenômeno na medida em que a consideração dele como uma unidade depende de um modo de percepção de alguma coisa dele distinta. Isso implica dizer que o ser do fenômeno enquanto fenômeno depende do ser do ente que percebe o fenômeno como uma unidade. Exclusivamente os entes, cuja unidade esteja fundada na sua própria natureza, podem ser tomados como seres reais, sendo considerados como fenômenos todos aqueles entes cuja unidade repouse sobre um determinado modo de representação que se faça deles. A atribuição aos corpos de uma natureza meramente fenomênica deve ser compreendida, dessa maneira, como uma negação de que eles sejam por si entes dotados de percepção. Isso significa que eles são percebidos como unos, mas que não são unos independentemente dessa percepção deles como unos. Se a unidade dos corpos repousa sobre sua percepção como unos, então a realidade dos corpos depende da realidade dos entes percipientes  que os percebem como unos, vale dizer, a realidade dos corpos depende da realidade das mônadas. Esse é o primeiro sentido da dependência ontológica dos corpos relativamente às mônadas.

Entretanto, na produção dessa unidade ôntica, essa dependência não se esgota. Em função da divisibilidade ao infinito de tudo que é extenso, os corpos, além de não constituírem por si uma unidade, também não podem ser considerados como múltiplos formados a partir de outras unidades corpóreas mais fundamentais, uma vez que todo o corpóreo é extenso e, por conseqüência, múltiplo. Aplicando o princípio metafísico, segundo o qual toda multiplicidade pressupõe as unidades a partir das quais ela se constitui, Leibniz conclui que a atribuição de realidade aos corpos implica a suposição de unidades incorpóreas constituidoras desses corpos. Sem recorrer à ideia dessas unidades incorpóreas constituidoras não seria possível, de acordo com Leibniz, tornar inteligível a ideia da multiplicidade corpórea, quer dizer, a ideia mesma de corpo.
Assim, a ontologia leibniziana da maturidade caminha de uma concepção hilemórfica das substâncias individuais, segundo a qual há substâncias corporais constituídas pela ligação de formas substanciais a porções da matéria, para uma concepção de um viés fortemente idealista, de acordo com a qual essas formas ou mônadas são as únicas substâncias existentes, constituindo-se os corpos, mesmo os vivos, em fenômenos bem-formados ou produtos da agregação de mônadas.  

Para Liebniz,  essas substâncias são “Enteléquias”, ou seja, realizações que tendem à perfeição.  Assim define A Monadologia:

18. Poder-se-ia dar o nome de Enteléquia a todas as substâncias simples ou Mônadas criadas, pois contêm em si uma certa perfeição ( échousi tò entelés ); e têm uma suficiência ( autárkeia ) que as torna fontes de suas ações internas e, por assim dizer, Autômatos incorpóreos (T. § 87). (Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, Os Pensadores)

Elas são o elo entre um Deus perfeito e todas as criaturas perfectíveis. É preciso compreender essa “apetição”, esse desejo de perfeição, como princípio interno de evolução da mônada, no sentido de tendência a uma percepção do mundo cada vez mais distinta. Isto porque os múltiplos estados da evolução de uma mônadas são percepções novas: cada ser de nosso mundo recebe uma infinidade de percepções; mas se o animal não se lembra da percepção precedente e só tem conhecimento confuso e inconsciente, o homem, pelo caráter de sua alma, detentora de memória, é capaz de associar suas diversas percepções. Assim, a alma humana, que é uma mônada enquanto substância indivisível, tende a realizar esse desejo de perfeiçāo. Tal é, aliás, o papel da razão que permite que o homem tenha consciência de si, portanto que se conheça e reconheça seu desejo pelo perfeito.     
Portanto, o espírito que percebe de maneira inata a exigência de verdade eternas, deve admitir a necessidade da existência de um Ser superior e perfeito, cuja representação e expressão em nosso mundo são as mônadas. Pensando Deus, devemos admitir, por um lado, que ele existe, pois se ele é perfeito, contém em si a existência, que é uma perfeição, e por outro lado que ele constitui a “Razão suficiente” da existência de qualquer coisa. Ele é sábio, conhece as Ideias eternas, bom, escolhendo o melhor dos mundos possíveis e poderoso, dando-lhe a existência. Por isso, cada mônada é reveladora do universo harmonioso criado por Deus.

Conclusão:
Para o homem, então, compreender seu lugar na “Cidade de Deus”é perceber o universo através de sua substância individual, sua mônada, que é sua alma racional. Pois se cada mônada tem um lugar determinado, percebendo, portanto, o mundo de um “ponto de vista particular”, todas estão interligadas por “séries” que “se encontram em virtude da harmonia preestabelecida”. Por exemplo, a alma e o corpo são duas séries totalmente distintas que se cruzam, permitindo que o homem conheça sua finalidade; o corpo, “olho da alma”, descobre para a razão a beleza da “República Universal”, e dá ao homem o sentido de seu lugar no mundo: amar a Deus admirando sua criação.

86. Esta cidade de Deus, esta Monarquia verdadeiramente universal, é um Mundo Moral no Mundo Natural e o que de mais elevado e mais divino há nas obras de Deus. E nisto consiste, verdadeiramente, a glória de Deus, pois Ele nunca a teria, se Sua grandeza e bondade não fossem conhecidas e admiradas pelos Espíritos; é também com relação a esta cidade divina, que Ele tem propriamente bondade, ao passo que Sua sabedoria e Seu poder em tudo se manifestam (Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, Os Pensadores).
Referências:

1) Leibniz Newton, Os Princípios da Filosofia ditos A Monadologia, Os Pensadores, editor Victor Civita, São Paulo, 1974, trad. Marilena de Souza Chauí Berlinck;

2) Huisman Denis, Dicionário de Obras Filosóficas, editora Martins Fontes, São Paulo, 2012, trad. Ivone Castilho Benetti;

3) Pecoraro Rossano (org.), Os Filósofos Clássicos da Filosofia, vol.I, editora Vozes, Petrópoles-RJ, 2008;

4) Huisman Denis, Dicionário dos Filósofos, Martins Fontes, São Paulo,2004, trad. Ivone Castilho Benetti, Eduardo Brandão, Cláudia Berliner e Maria Ermantina Galvão;

5)Abbagnano Nicola, Dicionário de Filosofia, editora Martins Fontes – 2012.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

HOMERO

 ODISSÉIA E A TEOLOGIA HOMÉRICA
 (por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

Resumo: Este artigo pretende comentar a Odisséia de Homero sobre a perspectiva da Teologia Homérica abordando mais precisamente a questão Moral e do “Maravilhoso”, baseado em Bernard Knox.  Afinal, será que os Deuses da Odisséia respeitam os códigos de conduta humana? Será que continuam decidindo sobre o destino dos mortais?

 Introdução:

Ao contrário da Ilíada, a Odisseia é um épico de base totalmente doméstica. À exceção das viagens, estamos com os pés no chão, seja nas copiosas e frequentes refeições no palácio ou na domesticidade rural da cabana de Eumeu. No entanto, o poema baseia-se firmemente no que poderíamos chamar de “ tempo heroico”, uma época em que os homens eram mais fortes, mais corajosos e mais eloquentes do que hoje, e as mulheres mais bonitas, mais poderosas e inteligentes do que têm sido desde então, e os deuses, tão próximos da vida humana e tão envolvidos com os indivíduos, seja na afeição ou na raiva, que intervinham em sua vida e lhes apareciam em pessoa.

A questão da Moral e do “Maravilhoso”(intervenção Divina):

A tendência dos críticos modernos de enfatizar o aspecto singular do heroísmo da Odisseia, às custas e muitas vezes com a exclusão de aspectos reconhecidamente aquilianos da vingança heroica que finalizam o épico, equipara-se a uma tendência a perceber novos desenvolvimentos no Olimpo, na natureza e na ação dos deuses, especialmente Zeus.

O que aconteceu, segundo Alfred Heubeck, foi nada menos que uma “ transformação ética”: “ Com discernimento e sabedoria, Zeus agora controla o destino do mundo de acordo com princípios morais, o que, por si só gera e preserva a ordem. Falta pouco ao pai dos deuses para tornar-se o verdadeiro soberano do mundo” ( I, p.23).

Independentemente do fato de que se possa duvidar se Zeus em algum momento supriu esse pouco que faltava, é difícil encontrar provas dessa transformação ética na Odisseia. Na reunião no Olimpo com a qual o poema se inicia, Zeus discute o caso de Egisto, que, desconsiderando um aviso transmitido por Hermes, seduziu Clitemnestra e, com a ajuda desta, assassinou Agamêmnon.

“ Vede bem”, diz Zeus, como os mortais acusam os deuses!

De nós (dizem) provêm as desgraças, quando são eles, pela sua loucura, que sofrem mais do que deviam! (I.32-4)

Não há, como aponta o próprio Heubeck, “ nada de novo nesse discurso moralizante”. Zeus admite que grande parte do sofrimento da humanidade é responsabilidade dos deuses; sua queixa é que os homens aumentam esse sofrimento com suas próprias iniciativas imprudentes.

O conselho no Olimpo apresenta-nos uma situação muito familiar desde a Ilíada: deuses opondo-se fortemente uns aos outros com respeito ao destino dos mortais.

Os modelos de diplomacia olímpica da Ilíada reaparecem na Odisseia. Ulisses, ao cegar Polifemo, filho de Posêidon, provocou a ira vingativa do deus  que governa as ondas.

Quando o herói encontra Atena na praia de Ítaca pergunta-lhe, bruscamente, por que esta o abandonou em suas andanças:

 nunca mais te vi, ó filha de Zeus, nem na minha nau te senti/ embarcar, para que afastasse, para longe o sofrimento (XIII.318-9).

A resposta da deusa, curta, obviamente constrangida, dividida entre os efusivos elogios ao herói e a retirada da neblina para mostrar a Ulisses que ele de fato está em casa, é um reconhecimento da concessão a uma força superior.

Mas não quis lutar contra Posêidon, irmão de meu pai (XIII.341), diz ela.

E mesmo essa desculpa é evasiva: ela não faz nenhuma tentativa de explicar por que não ajudou Ulisses antes que este incorresse na fúria de Posêidon. Só depois de obter a concordância de Zeus ela toma as medidas que conduzem Ulisses de volta a casa. Propõe a Zeus que Ulisses seja libertado de seu confinamento de sete anos na ilha de Calipso, e o faz durante uma reunião no Olimpo da qual Posêidon encontra-se ausente; ele está longe, nos confins da terra, recebendo uma homenagem dos etíopes.

Na realidade, Posêidon é enganado; quando retorna e vê Ulisses aproximando-se da costa de Esquéria em sua jangada, fica furioso.

Ah, decerto os deuses mudaram de intenção a respeito/ de Ulisses, enquanto eu estava entre os Etíopes (v.286-7).

Atena não o desafiaria abertamente; ela age por trás de suas costas.

Posêidon sabe que, uma vez que chegue a Esquéria, está destinado / que (Ulisses) escape à servidão da dor que sobre ele se abateu  (v.288-9) e que, nesse caso, os feácios o enviarão para casa em uma nau de rapidez sobrenatural, carregada de tesouros maiores do que tudo que ele conseguiu em Troia e perdeu no mar. O poder de Posêidon foi desafiado, sua honra, ofendida, e alguém tem de pagar por isso. Ulisses está agora fora de seu alcance, mas os feácios são outra questão. Zeus pai, eu nunca mais serei honrado entre os deuses /imortais , queixa-se ele, visto que certos mortais não me dão honra alguma:/ os Feácios, que são da minha própria linhagem  (XIII.128-30). Zeus assegura-lhe que não há perda de respeito por ele no Olimpo, e quanto aos mortais...

 Se algum dos homens, cedendo à violência e à força, não te honrar, podes sempre praticar vingança. Faz o que  quiseres, o que ao coração te aprouver. (XIII.143-5)

Posêidon explica seu objetivo:

(...) Mas agora a bela nau dos Feácios, que regressa de transportar Ulisses, quero estilhaçar no mar brumoso, para que se abstenham e desistam de transportar homens; e a sua cidade rodeá-la-ei com uma montanha enorme e circundante. ( XIII.148-52)

Zeus aprova e sugere um requinte: transformar a nau e, consequentemente, sua tripulção de 52 jovens –  que já antes provaram ser os melhores               ( VIII.36) – em rocha enquanto os feácios assistem sua chegada ao porto. Posêidon apressa-se a executar o plano e, ao ver isso, o rei Alcino reconhece a realização de uma profecia, que também anunciou que a cidade seria rodeada por uma grande montanha. Ele conduz seu povo ao sacrifício e à oração para Posêidon, na esperança de obter sua misericórdia e prometendo que os feácios nunca mais dariam passagem marítima a homens que chegassem na sua cidade.

É o fim da grande tradição feácia de hospitalidade e ajuda ao estrangeiro e viajante.

Essa ação de Zeus lança uma luz perturbadora na relação entre os ideais humanos e a conduta divina. Se há um critérios moral permanente no universo da Odisseia, é a assistência, por parte dos ricos e poderosos, aos estrangeiros, andarilhos e  mendigos. Esse código de hospitalidade é uma moralidade universalmente reconhecida. E seu agente divino, assim o creem todos os mortais, é o próprio Zeus, Zeus xeinios, protetor dos estrangeiros e suplicantes. Seu nome e seu atributo são invocados repetidas vezes por Ulisses, e também por Nausica, o ancião feácio Equeneu, Alcino e Eumeu.

De todos os muitos anfitriões avaliados segundo esse padrão moral, os feácios destacam-se como os mais generosos, não apenas na régia acolhida que proporcionam a Ulisses, como também na rápida condução do herói a sua própria pátria, ajuda que oferecem a todos os viajantes que atingem a costa.

E agora são punidos pelos deuses precisamente por esse motivo, visto que sua magnanimidade fez com que Posêidon achasse que sua honra – a delicada sensibilidade à opinião pública que em Aquiles ocasionou dez mil desgraças aos aqueus e levou Ájax ao suicídio, alimentando-lhe a rabugice no Hades – havia recebido um golpe intolerável. Aqueles que o ofenderam tem de ser punidos ainda que a punição revele a mais completa indiferença ao único código de conduta moral que prevalece no perigoso universo da Odisseia.

Confrontando com a ira de Posêidon contra os feácios, Zeus, protetor dos estrangeiros, associa-se entusiasticamente a seu poderoso irmão em sua ameaça. Ele não apenas sugere o requinte de transformar a nau em pedra, como aprova a intenção de Posêidon de isolar os feácios para sempre do mar, assentando uma imensa montanha ao redor da cidade.

Homero não revela o que aconteceu: quando contemplamos os feácios pela última vez, estão prestes a engajar-se em sacrifícios e orações a Posêidon, na esperança de que este vá poupá-los, Mas uma coisa fica clara: encerraram-se a generosa hospitalidade e a condução dos estrangeiros a seu destino.

Um deus forçou essa decisão; sua punição vingativa foi completa aprovada por Zeus. Zeus pode por vezes agir como protetor dos suplicantes, mendigos e andarilhos, mas as preocupações e concepções humanas de justiça tornam-se insignificantes quando a manutenção do prestígio de um deus poderoso está em xeque.

Nesse ínterim, Ulisses, adormecido em uma praia de Ítaca ao lado de seu tesouro, desperta e depara-se com uma paisagem de que não reconhece – Atena ocultou-a com neblina. Ele chega à conclusão de que a tripulação feácia largou-o em alguma praia estrangeira:

(...) não cumpriram a palavra.

Que Zeus, deus dos suplicantes, os castigue; ele que todos

os homens observa e castiga quem transgride. (XIII.212-4)

Ele não sabe, mas o Zeus dos suplicantes já pagou na mesma moeda. Não por terem quebrado sua promessa, mas por terem cumprido com sua palavra.

Posêidon e Zeus não são os únicos deuses do Olimpo a mostrar a indiferença aos códigos de conduta e ao senso de justiça humanos. Mais adiante no poema, Atena associa-se a eles. Há, entre os pretendentes, um homem decente, Anfínomo, que com suas palavras/ a Penélope mais agradava, pois era compreensivo (XVI.397-8). É ele que aconselha os pretendentes a rejeitar a proposta de Antino de emboscar e assassinar Telêmaco em Ítaca, agora que este se esquivou do navio que o esperava em uma emboscada e voltou para casa em segurança. E é Anfínomo que, após a vitória de Ulisses sobre Iro no pugliato, bebe à saúde dele em uma taça dourada e declara: Sê feliz, ó pai estrangeiro! Que no futuro possas encontrar/ a ventura, pois agora tens na verdade sofrimentos em demasia (XVIII.122-3).

O herói tenta salvá-lo do massacre iminente. Previne-o seriamente de que Ulisses logo retornará, está bem próximo de casa, e que haverá derramamento de sangue. Este é um terreno perigoso. Ele chama Anfínomo pelo nome; como aquele mendigo esfarrapado, que tinha acabado de chegar, podia conhecê-lo? Ulisses vai ainda mais longe. Anfínomo, parece-me que és um homem prudente ,diz. Assim já era também teu pai. É um deslize que ele tenta imediatamente encobrir, apressando-se a acrescentar: da sua nobre fama ouvi falar (XVIII.I25-6). Homero deixou claro o grande risco que Ulisses está correndo ao tentar salvar a vida de Anfínomo, e ressalta sua sinceridade ao fazê-lo rezar pedindo a intervenção divina a favor do pretendente:

(...) que um deus

Te leve daqui para tua casa, para que não o encontres

Quando esse homem regressar à sua terra pátria amada ( XVIII.I46-8)

Longe  de despachá-lo para casa, um poder divino já proferiu sua sentença: Também a ele/ Atena atou os pés, para ser chacinado pela lança de Telêmaco ( XVIII.155-6).

Anfínomo é o terceiro pretendente a morrer, imediatamente após os dois principais vilões, Antino e Eurímaco.

 

Conclusão:

Quando não estão decidindo o destino dos mortais, os deuses vivem uma vida própria no Olimpo,

(...) onde dizem ficar a morada eterna

dos deuses: não é abalada pelos ventos, nem molhada

pela chuva, nem sobre ela cai a neve. Mas o ar estende-se

límpido, sem nuvens; por cima paira uma luminosa brancura.

Aí se aprazem os deuses bem-aventurados, dia após dia. (VI.42-6)

 

E muitas vezes, conforme a conveniência, demonstram indiferença aos códigos de conduta e ao senso de justiça humanos.

Em ambos os épicos, os deuses desfrutam seus prazeres e acalentam suas intrigas no Olimpo, ao passo que, na terra, decidem o destino dos mortais e suas cidades com escassa consideração para com as concepções humanas da justiça divina, sempre que aquilo que está em risco é o interesse ou o prestígio de um deus importante.

Os seres humanos podem, aliás, como os pretendentes e a tripulação de Ulisses, ocasionar infortúnios para si mesmos e “ sofrem mais do que deviam” (I.34), mas os infortúnios também podem sobrevir àqueles que, como os feácios e Anfínomo, são admiráveis segundo os padrões humanos e, em ambos os casos, é um deus que sela seu destino. 

 

Referências:

1) Anotações de classe;

2) Homero, Odisseia, Clássicos, tradução e prefácio de Frederico Lourenço, editora Penguin Companhia das Letras- 2011;

3)Abbagnano Nicola, Dicionário de Filosofia, editora Martins Fontes – 2012;

 

4) Huisman Denis, Dicionário dos Filósofos, editora Martins Fontes – 2004.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

FILOSOFIA - UM INÍCIO...


Início da Filosofia no Ocidente
 (Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)
 
Resumo: Este artigo tem como objetivo abordar o início da filosofia. Primeiro fala-se do sentido etimológico da palavra filosofia, logo após, trata-se da gênese do pensamento filosófico, a evolução do pensamento mítico ao racional, para então abordar a fase mítica, nesta o homem não consegue pensar a realidade sem o divino. Em seguida, passa-se a tragédia grega, o mito perdeu a sua força e o que está em questão é o destino do homem. Logo depois, trata-se do início da filosofia na Grécia, com a explicação do real sem a interferência do sagrado, para as novas explicações se recorre às forças racionais da mente.



Introdução

A palavra Filosofia é formada de dois termos gregos : filós (amigo) e sofia (sabedoria). O sentido da junção dos dois radicais seria de que o filósofo não é um detentor de todo o saber, mas um pretendente à sabedoria.

De acordo com Cícero, fora Pitágoras o criador do vocábulo. “Quando o príncipe Leonte”, comenta ele, “perguntou a Pitágoras em que arte era versado, respondeu-lhe que em nenhuma. Era um filósofo, isto é, um estudioso e amigo da sabedoria, um fílos-sofós “.

Gênese do pensamento  filosófico:

A humanidade, no seu lento e progressivo desenvolvimento, evoluiu do pensamento mítico para o racional, o que se verificou por volta de 800 a 500 a. C.. O pensamento racional apareceu como filosofia, assim como o pensamento anterior se cristalizou em forma de mito. A história da filosofia se confunde, por isso, com a própria história da razão humana.

Assim, haveria na história do pensamento humano um período mítico e um período racional que se desenvolveu primeiramente em filosofia e posteriormente em ciência.

Fase mítica:

Mito é uma explicação muitas vezes fantástica, motivado pelo meio físico e humano em que vive a coletividade. Produto de uma criação coletiva, o mito é uma sabedoria comunitária. O homem primitivo vive num mundo em contato direto com as forças da natureza, todas personificadas por entidades que exigem dos indivíduos determinadas atitudes. O ambiente é infinitamente mais forte.

  A fase mítica caracteriza-se pela presença do sagrado, pela impossibilidade do homem pensar a realidade sem o Divino, os deuses tem primazia. O mito quer explicar o real, como o real surgiu. Ele tem a função de por tudo em ordem.

A estrutura do pensamento mítico é cíclica: começo, desenvolvimento e volta tudo para o mesmo lugar.

A estrutura do tempo é circular. E o mundo real dentro desse ciclo, o que tem valor é o princípio, ou seja, o tempo primordial, que é o tempo da criação. É a natureza que fornece o pensamento do ciclo. O tempo cíclico é um tempo da eternidade. Por ex. Apesar da passagem do tempo Afrodite não perde sua beleza e nem Marte perde sua força, etc.

A ordem está garantida pela forma circular do mito.

Posteriormente, quando é rompida a estrutura circular de tempo e torna-se linear ( na linearidade o tempo não volta, não retorna) o mito perde a força, o homem começa a ter um  papel significativo na realidade.

Tragédia Grega

A tragédia grega revelando coisas, ideias, mostra que o mito já não funciona. A tragédia focaliza mais a ação humana. Pergunta-se:

Pode o homem interferir no seu destino?

A tragédia é o embate do homem e seu destino. Porém, nas tragédias o homem tem visão limitada, ele tenta escapar de seu destino, mas não consegue, quando ele foge do destino ele cumpre o destino.

Começa a estrutura  linear nas tragédias, ou seja, pensar sobre o futuro.

Início da filosofia

A filosofia aparece na Grécia com a tentativa de explicar o real sem a interferência do sagrado. É a tentativa de entender o mundo. Através da reflexão, a meditação ativa e a razão crítica elaborara-se um outro tipo de explicação, a racional ou filosófica. O homem tem oportunidade de desenvolver sua inteligência e de criar explicações, não mais baseadas na tradição mítica ou nas forças divinas. Para as novas explicações, recorre simplesmente às forças racionais de sua mente.

Anteriormente, as concepções teogônicas dos poetas tradicionais, especialmente de Homero e de Hesíodo, vinha-se procurando e de certa maneira dando resposta a pergunta,     “ o que é a realidade? ”, mediante a utilização de forças divinas e de relatos mitológicos. Tais concepções por mais belas que sejam, não fazem parte da filosofia porque o que caracteriza a resposta filosófica é a sua inteira racionalidade.  Procurou-se na Grécia, então, por meio do pensamento, descobrir em que consiste essa realidade.

O espanto - Thaumadzein

A filosofia começa a indagação do ser, em termos de espanto, de perplexidade, como é possível a existência desse mundo. O que faz com o que é, seja?

O mito já não é suficiente para explicar a realidade.

Tornou-se um axioma, tanto para  Platão quanto para Aristóteles, que esse espanto é o início da filosofia. E é essa relação com uma experiência concreta e única que separou a escola socrática de todas as filosofias precedentes.( Arendt Hannah, A dignidade da Política – Ensaios e Conferências, Filosofia e Política, editora Relume Dumará, R.J. 1993 , trad. Antonio Abranches)

Sobre: o ser, ente, doxa ( opinião), aléthea ( verdade) e logos ( falar discursivo), na Grécia, naquele momento:

O ser é um vigor que permanece nas coisas (entes) e quando se recolhe as coisas deixam de ser.  O ciclo do ser é mostrar-se e esconder-se.

Ente é tudo que tem manifestação. Quando o ser se recolhe o ente morre, mas o ser continua. O ente é mutável o ser é sempre, o ser é a essência de tudo.

Na doxa (opinião) tudo poder ser verdadeiro. Todos tem direito a sua própria opinião e essa depende de onde a pessoa está.

A verdade é a aléthea quer dizer desvelamento . O movimento próprio do ser de aparecer e de ocultar-se, assim, da verdade do ser que aparece e oculta-se. Tudo que é, é ser. Quando o ser se  recolhe as coisas deixam de ser. O ciclo do ser é mostrar-se e recolher-se, mostrar e recolher-se...      Assim o ser, a verdade, desvela, revela, desvela, revela... Num movimento circular de aparecer e ocultar. A partir disso constrói-se uma doxa (opinião), do ponto de onde se está vendo, que talvez seja diferente da doxa de outra pessoa. Tudo depende de onde a pessoa se encontra.

O logos no sentido de falar, recolhe o que vê e expressa o que se mostra. O logos está sempre atrelado a aléthea, a verdade. Só pode-se recolher e expressar o que se mostra e o logos é a captação disso. O logos nesse sentido é um modo de acontecimento desse desvelamento.

Primeiros filósofos: Os Pré-Socráticos – séc. VII a V a.C.

Os Pré-Socráticos foram os primeiros Filósofos gregos que viveram entre os séculos VII a V a.C.. Habitaram a cidade de Atenas antes dos sofistas e nomeadamente antes de Sócrates. Há semelhança de Sócrates conhecem-se apenas notícias e fragmentos das suas obras, que só chegaram até nós porque foram citados ou copiados em obras de Filósofos posteriores.

Os primeiros filósofos gregos dedicaram-se ao problema de determinar qual era o princípio material de que era constituída a natureza ordem. Foram chamados de naturalistas, pois procuravam responder a questões do tipo: O que é a natureza ou qual o fundamento último das coisas?

Foram considerados como pessoas desprendias das preocupações materiais do dia a dia e que se dedicavam apaixonadamente à contemplação da natureza.

Tales de Mileto foi o primeiro filósofo grego, viveu por volta do ano 600 a. C... Como todos os outros pensadores helênicos, com algumas exceções, começa com a pergunta: - O que é a realidade?           

Segundo Aristóteles, Tales afirmava que a substância original, o arché de todas as coisas, era a água.

Preocupava-se em  encontrar a unidade por detrás da multiplicidade dos objetos do universo e os princípio de explicação da natureza a partir da própria natureza, assim como Anaxímandro e Anaxímenes.

Anaxímandro é o segundo filósofo, para ele tudo provinha de uma substância etérea, infinita, invisível: o apeíron ( o indefinido).

Para Anaxímenes a substância fundamental era o ar.

Anaxágoras foi o primeiro filósofo registrado pela história a ter afirmada a existência de um princípio inteligente como causa da ordem do mundo. Para ele o espírito é que ordenava tudo e daí tudo era causa.

Empédocles foi o criador da teoria dos quatro elementos que vigoraria até a  era moderna: terra, ar, água e fogo, seriam os componentes últimos das coisas.

Para Heráclito tudo está em movimento nada permanece imóvel, o mundo é como uma correnteza. Um fogo consumidor, mais que uma correnteza fluida é um modelo de mudança constante, sempre se consumindo, sempre revigorado. Heráclito disse uma vez que o mundo era um fogo sempre vivo, o mar e a Terra as cinzas dessa fogueira eterna. Este mundo flamejante é o único que há, e não é governado por deuses ou por homens, mas por meio do Logos. Considerava haver um ciclo do devir que em tudo representava harmonia, com efeito na circunferência, o começo e o fim coincidem. Defendia que de um lado existia  o Logos, que governava todas as coisas e, do outro, o devir que se desenrolava no interior de um círculo apertado por laços poderosos.

Parmênides partia da crença de que a realidade é eterna e intemporal, o Ser . Tudo o que existe, tudo o que possa ser pensado, não é para Parmênides senão o Ser. Tudo é ser. O ser é sempre, é infindável, pleno, eterno.

Os Sofistas

Mestres da retórica da Grécia Antiga, ganhavam para ensinar, porém não se importavam com os fins morais de seus ensinamentos. Ensinavam a argumentar bem para convencer sem nenhum compromisso com a verdade.

Utilizavam da “doxa” (opinião) que bem argumentada convence e muitas vezes manipula.

Um dos sofistas mais importantes da época era Protágoras. A frase “ Eu não busco a verdade, mas invento razões” é dele. E por essa frase dá para perceber o “ espírito” sofista.

Sócrates – séc.V a.C.

Sócrates, nascido em Atenas, é reverenciado como o inaugurador da primeira grande era da filosofia, e portanto, em certo sentido, da própria filosofia. Todos os pensadores anteriores são de certa forma considerados em conjunto como “pré-socráticos”. Utilizando-se de perguntas, da ironia e da maiêutica Sócrates fazia com que os jovens pensassem. Ele acreditava que a alma sabia o que era a verdade.

Platão- séc. séc. Ve IV a.C.

Filósofo grego nascido em Atenas no séc. V a.C., foi discípulo de Sócrates.  Para Platão o mundo em que vivemos é apenas uma cópia imperfeita e degradada de um mundo superior imaterial, no qual estão as essências eternas, perfeitas e imutáveis de todos os seres. E a verdade é uma só e absoluta, única, imutável e eterna. Ela é um conceito uma ideia.

Aristóteles  - séc. IV a.C.

Discípulo de Platão, considerado o “pai da lógica”. Precursor da ciência experimental, realizou importantes observações sobre a vida animal, o clima e o movimento, elaborando uma física que foi admitida até a Renascença. Uma de suas características marcantes é seu apreço pela organização hierárquica dos objetos e de seus saberes. Nestas hierarquias, sobressai sempre um fundo teleológico, isto é, que organiza as realizações segundo um determinado fim ou finalidade ( telos). Mas é sobre tudo no campo da ação ética e na Política que o pensamento de Aristóteles tem não apenas maior importância, como também maior persistência na atualidade.

Quanto a verdade, para ele, é realmente uma ideia. Só que essa verdade (ideia) não está fora desse mundo, essa verdade existe nesse mundo e está presente em cada coisa que é.  As ideias estão em todas as coisas em combinação com outras coisas. Para Aristóteles as coisas são originadas por causas diferentes. 

Em Aristóteles a verdade é de fato sutil, é conceito, mas ela é alguma coisa que o intelecto vai descobrir, vai compreender essa verdade. O intelecto é capaz de apreender a verdade, apreendendo o ser de tudo que é. A verdade é o que uma coisa é. É definição.

Para o estagirita ( Aristóteles é de Estagira) capta-se a realidade pelo trabalho do intelecto, ao contrário de Platão que entende  ser  pela lembrança, e Sócrates entende que é pela alma através da convicção.

Conclusão

A filosofia, assim, surge com a busca de uma explicação racional para o mundo, busca que se opõe às explicações míticas e místicas do mundo mágico-religioso.

 Pode-se dizer, em certo sentido, que a filosofia surge quando os gregos inventaram a razão (na forma como nós a concebemos), quer dizer, simplesmente, inventar novas ferramentas para conhecer a realidade. De fato, é verdade que só com Platão e Aristóteles a filosofia começa a ser verdadeiramente sistematizada. Mas é preciso considerar, como disse o próprio Nietzsche, que os primeiros filósofos inventaram todos os arquétipos que seriam utilizados posteriormente, além do fato, é claro, de terem inventado a própria ciência ocidental ( com seus conceitos fundamentais). A filosofia é diferentes “modos de pensar”.

Em tudo e por tudo, a finalidade maior da filosofia é libertar o homem da ignorância, da ingenuidade e do obscurantismo por meio da reflexão da realidade e de si mesmo. 

Uma vida sem busca não é digna de ser vivida. (Sócrates)

Referências:

1) Anotações de aula da matéria em questão;

2) Schopke Regina, Dicionário Filosófico, Conceitos Fundamentais, editora Martins Fontes, São Paulo 2010;

3)  Kenny Anthony,Filosofia Antiga, Uma nova História da Filosofia Ocidental, Vol.I, editora Loyola, S.P. , 2011;

4) Arendt Hannah, A dignidade da Política – Ensaios e Conferências, Filosofia e Política, editora Relume Dumará, R.J. 1993 , trad. Antonio Abranches.