terça-feira, 1 de janeiro de 2013

SANTO AGOSTINHO

Reminiscência em Santo Agostinho e a Doutrina Platônica

(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)

Não obstante os preconceitos que recaem sobre o pensamento medieval, os manuais de filosofia são unânimes em apresentar Santo Agostinho (Aurélio Agostinho/ Tagaste -354/ Hipona - 430, atual Argélia/África do Norte) como o grande sintetizador do mundo antigo. Bispo, Escritor, Filósofo, Teólogo, Padre latino e Doutor da Igreja Católica que, ao fazer uma junção harmônica entre o pensamento greco-romano (filosofia) e o judaico-cristão (fé), preparou as bases de uma nova cultura que se tornaria hegemônica no decorrer dos tempos, o que leva alguns autores a chamá-lo de “pai do Ocidente”.

A meditação sobre a memória (liv. X) tornou-se texto de “antologia” filosófica, é lido com demasiada freqüência fora do contexto, com risco de não ser compreendida, pois não é digressão, mas exercício espiritual. A exploração da memória não passa de etapa de um “itinerário do espírito rumo a Deus”. O trajeto começa pelo percurso do mundo exterior: o espírito convertido interroga todas as criaturas e ouve sua resposta, porque ao ouvir a voz delas de fora, compara-as à Verdade de dentro. O movimento de transcendência prossegue no mundo interior, a exploração do surpreendente conteúdo da memória as imagens das percepções, as lembranças das ações passadas, o saber e seus princípios, os números, mas também as lembranças das paixões da alma, e mesmo do esquecimento; pois a mulher que perdera uma drácma, se não tivesse lembrado dela, não a teria encontrado nem mesmo procurado. Tudo isso faz parte do treinamento do espírito, pois cumpre tão somente chegar até Deus. “Senhor do espírito”. “Onde então te encontrei, para te conhecer, senão em Ti acima de mim”. É um exercício que Agostinho faz com freqüência, explica, e “em que se deleita”.

Para explicar como é possível ao homem receber de Deus o conhecimento das verdades eternas. Agostinho elabora a doutrina da iluminação divina. Trata-se de uma metáfora recebida de Platão, que na célebre alegoria da caverna, mostra ser o conhecimento, em última instância, o resultado do bem, considerado como um sol que ilumina o mundo inteligível. Agostinho louva os platônicos por ensinarem que o princípio espiritual de todas as coisas é, ao mesmo tempo, causa de sua própria existência, luz de seu conhecimento e regra de sua vida. Por conseguinte, para ele, todas as proposições que se percebem como verdadeiras seriam tais porque previamente iluminadas pela luz divina.

Ao afirmar esse saber prévio. Agostinho aproxima-se da doutrina platônica, segundo a qual todo conhecimento é reminiscência. Assim é no âmbito da inteligibilidade que Agostinho se aproxima da teoria platônica da Reminiscência.

A Reminiscência platônica, ou a anamnésis é a ação de recordar, ou trazer à mente o conhecimento que é inerente à psique humana e que precisa ser lembrada pela reflexão filosófica. Agostinho identifica na "teoria das idéias" de Platão o universo das "idéias divinas". Tais idéias divinas, os homens as recebem de Deus através da iluminação, e, com isso o conhecimento das verdades eternas.

Não obstante as evidentes ligações entre os dois pensadores, Agostinho afasta-se, porém, de Platão ao entender a percepção do inteligível na alma não como descoberta de um conteúdo passado, mas como irradiação divina no presente. A alma não passaria por uma existência anterior, na qual contempla as idéias, ao contrário, existiria uma luz eterna da razão que procede de Deus e atuaria em todo momento possibilitando o conhecimento das verdades eternas. Então como os objetos exteriores só podem ser vistos quando iluminados pela luz do Sol, também as verdades da sabedoria precisariam ser iluminadas pela luz divina para se tornarem inteligíveis.

A iluminação divina, contudo, não dispensa o homem de ter um intelecto próprio, ao contrário, supõe sua existência. Deus não substitui o intelecto quando o homem pensa o verdadeiro, a iluminação teria apenas a função de tornar o intelecto capaz de pensar corretamente em virtude de uma ordem natural estabelecida por Deus.

Agostinho não rejeita o conhecimento proveniente das sensações, mas o coloca em um patamar inferior, entendendo o intelecto como superior, mas sendo ambos fontes de conhecimento. É na realidade uma re-interpretação do platonismo. Para ele, assim como para a visão a luz (física) exerce papel fundamental, sem a qual não haveria conhecimento dos objetos sensíveis, do mesmo modo para o conhecimento intelectual é necessário uma luz espiritual, esta, no entanto, proveniente de Deus.

Se para Platão o conhecimento é o resultado de uma reflexão dialética, de uma ascese espiritual, para Agostinho é pura graça divina, não negando o caráter filosófico que é a reflexão. A graça divina por sua vez, é alcançada por uma vida de piedade e de temor a Deus. Atingir essa iluminação não é tarefa para todos os homens, mas sim para aqueles que se voltam a Deus e recebe Cristo como o mediador desse processo. Embora essa mediação tenha sido afetada pelo pecado original, ela não foi de completamente anulada.

Agostinho interpretando o Apóstolo Paulo, é a graça divina que auxilia o homem em sua ascensão ao mundo espiritual, onde ele pode ter contato com os entes do conhecimento puro.

A teoria Agostiniana estabelece assim, que todo conhecimento verdadeiro é o resultado de um processo de iluminação divina que possibilita ao homem contemplar as idéias, arquétipos eternos de toda a realidade. Nesse tipo de conhecimento a própria luz divina não é vista, mas serve apenas para iluminar as idéias.

"Quem conhece a verdade, conhece esta luz, e quem a conhece, conhece a Eternidade". (Santo Agostinho)

Sobre a vida de Santo Agostino convido-os a assistir o Filme de Roberto Rossellini, “Santo Agostinho”, disponível no youtube: www.youtube.com .

Bibliografias consultadas:

Os Pensadores, História das Grandes Idéias do Mundo Ocidental, vol.I, Editor Victor Civita – 1972

Os Filósofos – Clássicos da Filosofia – Rossano Pecoraro (org) – vol. I – de Sócrates a Rousseau – editora Vozes – 2008.

Dicionário dos Filósofos – Denis Huisman – Martins Fontes – São Paulo 2004

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