terça-feira, 8 de março de 2016

PLATÃO - FEDRO

PLATÃO - FEDRO / (trecho 278b-278e)
(por Ândrea Cristina Pimentel Palazzolo)




Resumo: Este artigo pretende analisar e comentar o trecho 278b-278e, do Diálogo Fedro, de Platão, tradução Jorge Paleikat (modificada). Primeiro faz-se uma apertada síntese sobre o diálogo, para então focarmos na analise, ou seja, contexto, argumentação, conceitos, metáforas e também o comentário do trecho em questão. Trecho este que cito abaixo.




“ Sócrates: - Bem, já nos divertimos suficientemente com discursos. Vai ter com Lísias e diz-lhe que descemos à fonte e ao santuário das ninfas ,  e  ali ouvimos discursos em que éramos encarregados desta tarefa: falar a Lísias e a qualquer outro homem que redija discurso; falar a Homero e a qualquer outro autor de poesias que se destinam ou não a ser cantadas: e, em terceiro lugar, falar a Sólon e a todos os que escreveram sobre assuntos políticos, dando-lhes o nome de leis .  Devemos   dizer- lhes  o   seguinte:    se eles compuseram esses   escritos   sabendo  o  que  é verdadeiro  (eidos hei to alethes )  ,  se conseguem socorrer (boethein) estes escritos quando se trata do assunto em questão, se enfim, são capazes pelas palavras de mostrar eles mesmos como é pouco o que escreveram,então não podem ter nenhuma das denominações usuais  ,  mas devem  ser chamados  segundo  os  objetos  aos quais se dedicam.

Fedro: - E que nome é esse que tu lhes queres dar?

Sócrates: - Chamá-los de sábios (sophos), Fedro ,  me  parece  excessivo  e  somente cabe a um deus. Mas chamá-lo de filósofo (philosophos) ou de algo  semelhante caberia melhor e seria mais apropriado.

Fedro: - Mas aquele, em compensação, que não possui nada de mais valioso  que seus escritos, que passa muito tempo a revê-los, tirando uma coisa aqui e acrescentando outra acolá, a esse homem podes chamar, com justiça  ,  de poeta ou fazedor de discursos ou de escrevente de textos de lei, não é?”

Platão, Fedro, 278b - 278e, tradução Jorge Paleikat (modificada).


I - Introdução:  síntese sobre o dialogo Fedro

Fedro é um diálogo escrito por Platão ( filósofo grego de Atenas) no séc. IV a.C.. Todo o diálogo é sustentado em 1ª pessoa por Sócrates o tema central da obra é sobre a justeza dos amores e da justiça dos discursos. Sócrates e Fedro conversam caminhando às margens do Ilissos, de todos os diálogos de Platão, esse é o único cujo ambiente é descrito com precisão, e um dos raros em que uma personagem ( Fedro) é objeto de verdadeira caracterização psicológica.

O ponto de partida do dialogo é um discurso de Lísias, a quem o jovem Fedro  devota desmedida admiração. A esse discurso, Sócrates opõe um arrazoado sobre o mesmo tema, a saber: valerá mais conceder favores a quem nos ama ou a quem não nos ama?  Como, em seu discurso, Lísias escolhe a segunda resposta, Sócrates vai defender a primeira.

Mas Sócrates não poderia satisfazer-se em somar um discurso a outro discurso. Sua reflexão sobre o amor passará, portanto, por uma analise da alma humana. Aqui se encontra a célebre imagem da atrelagem alada: a alma é comparável ao conjunto formado pelo cocheiro e seus dois cavalos, um dócil e outro bravio. Essa imagem leva Platão a uma alegoria do conhecimento, da vida virtuosa, da própria filosofia. Platão explica por que nem todas as almas têm o mesmo destino: algumas, mais que outras, têm a capacidade de elevar-se para a região das essências eternas. Mas todas sentem aqui na terra o eco abafado da beleza ideal. Assim como O banquete, cujo prolongamento indispensável constitui, Fedro articula uma reflexão sobre o amor e a filosofia com a Ideia de belo.

O diálogo termina com uma crítica a escrita à qual Sócrates opõe a palavra viva.


II - Análise: contexto, argumentação, conceitos, metáforas e comentário do trecho 278b-278e do Fedro de Platão.

No trecho do dialogo em analise constatamos uma crítica de Platão, através de Sócrates, a escrita.  Comecemos então:

Na luz de uma manhã de verão, fora dos muros de Atenas, Sócrates e seu jovem amigo Fedro, caminham, descalços, seguindo o riacho.  Na trama do diálogo Eros e Logos se encontram estreitamente ligados por um mesmo movimento de busca. Sócrates quebrando a monotonia das longas narrativas faz jorrar os apartes para retomar a estrada cheia de obstáculos, mas que conduz a verdade. Sócrates arrasta Fedro embora pretendesse conduzi-lo. Este diálogo descreve os encantos da palavra e do amor. Espera-se que o diálogo termine com a exaltação da atividade literária, mas pelo contrário  a conclusão do  Fedro contém aquilo que foi chamado condenação da escrita.É o que constatamos no trecho abaixo:

“ Sócrates: - Bem, já nos divertimos suficientemente com discursos. Vai ter com  Lísias e diz-lhe que descemos à fonte e ao santuário das ninfas , e  ali ouvimos discursos em que éramos encarregados desta tarefa: falar a Lísias e  a  qualquer outro homem que redija discurso; falar a Homero e a  qualquer outro autor de poesias que se destinam ou não a ser cantadas: e, em terceiro lugar , falar a Sólon e a todos os que escreveram sobre assuntos  políticos , dando-lhes  o  nome  de  leis.  Devemos  dizer-lhes  o  seguinte:  se  eles compuseram  esses  escritos sabendo o   que é verdadeiro  (eidos  hei  to  alethes), se conseguem socorrer ( boethein) estes escritos quando se trata do assunto em questão,  se enfim, são capazes pelas palavras de mostrar eles  mesmos   como  é  pouco o que escreveram,  então   não podem  ter nenhuma das denominações usuais, mas devem ser chamados segundo os objetos aos quais se dedicam. ( 278b)"

Assim, percebe-se uma crítica platônica da escrita. Inevitável é concluir a contradição filosófica-literária em que Platão se auto coloca. Constatamos, também, neste enigma as tentativas de interpretá-lo. Segundo, Mario Vegetti, a existência das obras escritas de Platão já demonstram sua ambiguidade. Contradição interpretada por uma corrente filosófica (neoplatonismo até Escola de Tübingen), como indicio de uma doutrina não escrita de Platão, esotérica. Já a mesma contradição foi interpretada pelo comentador Wolfgang Wieland, como a manifestação da consciência dos limites do texto escrito. Tal crítica, é pelo fato que existem limites internos à comunicabilidade.  Segundo Wieland, não há verdadeira contradição em chamar “atenção num texto para tudo aquilo que enquanto tal, um texto não pode produzir”.

A argumentação neo-kantiana de Weiland é altamente fiel à reflexão platônica a respeito dos limites da linguagem. Sendo que, uma interpretação apressada, portanto equivocada, muitas vezes postula a existência de um ser indizível, que somente uma contemplação de tipo místico poderia alcançar. A leitura de Weiland evita essa armadilha.

Passemos, então, para a questão que Sócrates ( Platão) chama a atenção sobre a denominação daqueles que são capazes de "superar" os limites da escrita, novamente, voltemos ao trecho em questão e avancemos mais um pouco:  

“ Sócrates: - Bem, já nos divertimos suficientemente com discursos. Vai ter com Lísias e diz-lhe que descemos à fonte e ao santuário das ninfas, e ali ouvimos discursos em que éramos encarregados desta tarefa: falar a Lísias e  a  qualquer  outro  homem que redija discurso ;  falar a Homero   e   a qualquer outro autor de poesias que se destinam ou não a ser cantadas: e, em terceiro lugar, falar a Sólon e a todos os que escreveram sobre assuntos políticos, dando-lhes o nome de leis.Devemos dizer-lhes o seguinte: se eles compuseram esses  escritos sabendo  o  que  é   verdadeiro   ( eidos hei to alethes), se conseguem socorrer ( boethein) estes escritos quando se trata do assunto em questão,  se enfim, são capazes pelas palavras de  mostrar eles mesmos como é  pouco  o  que  escreveram ,  então  não  podem   ter nenhuma das denominações usuais, mas devem ser chamados segundo os objetos aos quais se dedicam.

Fedro: - E que nome é esse que tu lhes queres dar?

Sócrates: - Chamá-los de sábios (sophos), Fedro, me parece excessivo e  somente cabe a um deus. Mas chamá-lo de filósofo (philosophos) ou de algo semelhante caberia melhor e seria mais apropriado.

Constatamos que Sócrates cita os fazedores de discursos, poesias e leis, mencionando os nomes mais ilustres, tais como Homero, Lísias e Sólon, porém ressalva que, só seriam filósofos, ou seja, os amigos da sabedoria, aqueles que realmente sabem o que é verdadeiro, ( eidos hei alethes), e tem a consciência do limite da escrita,  porém sabem supera-la através das palavras, esses seriam os filósofos (philosophos), pois a denominação de sábios, sophos, caberia apenas a um deus. O comentador Wieland que coloca a questão da limitação da escrita e, no entanto, da competência do logos em Platão,  uma questão na qual vários comentadores já tinham situado a origem  da teoria das Ideias, esses seres extra-linguísticos que garantem a possibilidade de uma compreensão linguistica.Platão considera que nem todos sabem o que é verdadeiro: alguns, mais que outros, têm a capacidade de elevar-se para a região das essências eternas, estes são os filósofos, sabem o que é verdadeiro, mas todos sentem aqui na terra o eco abafado da beleza ideal.

Por fim foquemos no trecho final:
        
“Fedro: -  Mas aquele ,  em compensação, que não possui nada  de mais valioso que seus escritos, que passa muito tempo a revê-los, tirando uma coisa aqui e acrescentando outra acolá, a esse homem podes chamar, com justiça, de poeta ou fazedor de discursos ou de escrevente de textos de lei, não é? ( 278e )”

Assim, para  Sócrates (Platão) os que não possuem nada de mais valioso que seus escritos, e passam o tempo revendo seus escritos, devem ser chamados apenas de poetas, fazedores de discursos e escrevente de lei, pois não conhecem o que é verdadeiro.

Isto posto, constatamos que, Platão concede um tom especial, elevado, em seu diálogo para o filósofo, que pode ser um poeta, um fazedor de discurso ou de leis, mas desde que esses tenham composto seus escritos ciente do que é verdadeiro, e só o filósofo sabe o que é verdadeiro. Portanto, é mister que se conclua que, o filósofo conhece o limite da escrita, mas sabe superá-la pelas palavras.

o discurso verdadeiro não pode ser a réplica da verdade na insuficiência de nossa linguagem, mas remete muito mais a este elã da linguagem em direção àquilo que a ultrapassa e, simultaneamente, a funda.



Referências

1) GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete aulas sobre linguagem, memória e história. R.J.:Ed.Imago, 2005.

2) HUISMAN, Denis. Dicionário dos Filósofos. Trad. Ivone C. Benedetti e outros. S.P., Martins Fontes, 2004.

3) LALANDE, André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. Trad. Fátima Sá Correia e outros. S.P., Martins Fontes, 1999.

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